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terça-feira, 28 de maio de 2024

O Procedimento Administrativo

 O Procedimento Administrativo

Sebastião Gomes da Silva Gudmundsen, nº 67858, Subturma 15


Dentro do contexto do Direito Administrativo português, o procedimento administrativo consiste no conjunto de atos e formalidades que a Administração Pública deve observar e fazer cumprir para a formação, manifestação e execução da sua vontade. Este procedimento, as suas várias fases e os princípios que o vinculam na sua atividade encontram-se tipificadas e reguladas no Código do Procedimento Administrativo. 


A realização da atividade administrativa, cujo principal fim visado é a prossecução do interesse público, nos termos do art. 266º/1, Constituição da República Portuguesa, é uma tarefa complexa e exigente, sendo ainda imposto aos órgãos e agentes administrativos uma atuação conforme o princípio da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, nos termos dispostos no art. 266º/2, CRP, e ainda outros princípios gerais e procedimentais tipificados no Código do Procedimento Administrativo.


O procedimento administrativo está assim sujeito a regras específicas que enquadram de forma ordenada os atos e fatos através dos quais a Administração Pública forma, manifesta, integra e executa a sua vontade, com o objetivo de definir uma questão ou situação ou produzir um resultado desejado. Esses princípios e parâmetros de legalidade são essenciais para garantir a legalidade, transparência, eficiência e justiça das ações administrativas. Como tal, a vontade da Administração Pública pode ser expressa através de regulamentos, atos e contratos administrativos. 


A definição de procedimento administrativo pode ser classificada através de duas perspectivas: a perspetiva normativa e a perspetiva factícia. 


Na perspetiva normativa, o procedimento administrativo é entendido como o conjunto de regras que regulam e ordenam a sucessão encadeada dos atos e fatos praticados para, e na, elaboração dos atos e contratos administrativos. Essas regras visam garantir que a administração pública atue dentro dos limites da legalidade, promovendo a transparência, eficiência, justiça e igualdade nas suas decisões. Assegura que todos os procedimentos administrativos sejam conduzidos de acordo com a lei, promovendo a legalidade e a uniformidade nas decisões administrativas.


Na perspetiva factícia, o procedimento administrativo é visto como a sucessão encadeada de atos e fatos que são realizados para, e na, elaboração dos atos e contratos administrativos. Esta abordagem foca-se na sequência real e concreta das ações administrativas, desde a iniciativa do procedimento até à sua execução final. Inclui todos os passos e interações, como a recolha de informações, consultas, deliberações e implementação das decisões. Foca-se na realidade prática da execução dos atos administrativos, permitindo uma visão concreta de como as normas são aplicadas e a eficiência do processo.


O procedimento administrativo no direito administrativo português, seja sob a perspetiva normativa ou factícia, é essencial para garantir que a administração pública atue de forma legal, transparente, eficiente e justa. A combinação dessas duas perspetivas permite uma compreensão abrangente e detalhada do funcionamento dos processos administrativos, assegurando que as decisões públicas são bem fundamentadas e executadas corretamente.


Princípios Procedimentais do Direito Administrativo


Antes de mais, é necessário enumerar os vários princípios aos quais as várias espécies de procedimentos existentes devem obedecer, em honra ao princípio da legalidade administrativa, expresso no art. 3º, CPA e  art. 266º/2, CRP. 


O princípio de desburocratização e eficiência tem como fim evitar a excessiva burocratização, a aproximação dos serviços públicos à população, assegurar a celeridade das decisões administrativas e garantir a economicidade da atuação da Administração Pública, nos termos do art. 267º/1, CRP. 


O princípio da colaboração com os particulares, expresso no art. 11º, CPA, estabelece o dever de colaboração com os administrados, esta mesma colaboração implica fornecer informações, prestar auxílio e promover a participação dos cidadãos nos processos administrativos que lhes dizem respeito. Os particulares têm o direito de serem informados pela administração pública sobre assuntos que lhes digam respeito. Este direito está diretamente ligado ao princípio da transparência e à necessidade de uma administração acessível e comunicativa.


A participação dos particulares nas decisões que lhes dizem respeito, direito assegurado no art. 267º/5, CRP, assegura que os cidadãos têm o direito de participar na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito. Isso implica a consulta pública, audiências e outros mecanismos que permitam aos particulares expressar suas opiniões e influenciar as decisões administrativas.


O princípio da decisão, expresso no art. 13º, CPA, obriga a administração pública a tomar decisões dentro de um prazo razoável e a comunicar essas decisões aos interessados. Visa garantir a eficiência e a eficácia da administração, evitando atrasos injustificados.


O princípio da gratuitidade, presente no art. 15º, CPA, garante que a prática de atos administrativos, incluindo a emissão de certidões e outros documentos, deve ser gratuita, salvo disposição legal em contrário. Este princípio visa facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços administrativos sem encargos financeiros indevidos.


O princípio da proteção dos dados pessoais, expresso no art. 18º, CPA, estipula que a administração pública deve garantir a proteção dos dados pessoais dos cidadãos, em conformidade com a legislação aplicável sobre proteção de dados. Este princípio assegura que a recolha, processamento e utilização de dados pessoais respeitem os direitos fundamentais dos indivíduos à privacidade e à proteção dos seus dados.


Finalmente, o princípio de cooperação leal com a União Europeia, nos termos do art. 19º, CPA, decorre do direito da União Europeia, obrigando os Estados-Membros a cooperarem de forma leal e efetiva com as instituições da União Europeia. A administração pública deve, portanto, assegurar que as suas ações e decisões estejam em conformidade com o direito da UE e que contribuam para os objetivos comuns europeus.


Estes princípios são essenciais para garantir uma administração pública eficiente, transparente e respeitadora dos direitos dos cidadãos, alinhada com os valores democráticos e o Estado de Direito.


Tipos de Procedimento Administrativo


Nos termos do art. 53º, CPA, é possível distinguir dois tipos de procedimentos: aqueles desencadeados por iniciativa particular, mediante requerimento à Administração, e os procedimentos de iniciativa pública. 


Ademais, é ainda possível identificar mais quatro espécies de procedimentos recorrendo ao critério do objeto: o procedimento decisório, o procedimento executivo, o procedimento administrativo comum e o procedimento administrativo especial. 


O procedimento decisório tem como fim a preparação de um ato da Administração Pública, enquanto que o procedimento executivo tem como objeto a execução de um ato da Administração. O procedimento administrativo comum é regulado pelo próprio Código de Procedimento Administrativo, nos art. 53º, CPA e seguintes, enquanto que o procedimento administrativo especial, embora vinculado pelos princípios gerais e procedimentais expressos no CPA e na própria Constituição, é regulado por leis especiais. 


Fases do Procedimento Administrativo


O procedimento administrativo decisório é composto por seis fases: a fase inicial, a fase instrutória, a fase da audiência dos interessados, a fase da preparação da decisão, a fase da decisão e a fase complementar. 


A fase inicial, na qual se dá início ao procedimento administrativo, pode ocorrer de duas formas. Se o procedimento for de iniciativa pública, nos termos do art. 110º/1, CPA, é requerida a comunicação aos particulares que podem vir a ser afetados e que sejam nominalmente identificáveis. Se o procedimento for de iniciativa privada, os interessados devem efetuar um requerimento, formulado por escrito, no qual deve constar a designação do órgão administrativo a que se dirige, a identificação do requerente e a exposição de factos em que se baseia o pedido, nos termos do art. 102º, CPA e seguintes. 


Tendo por efetuada a fase inicial, procede-se à fase de instrução, cujo fim visado é a averiguação dos factos que interessem à decisão final e a recolher as provas que se achem necessárias, ao abrigo dos termos do art. 115º, CPA. Esta fase é marcadamente dominada pelo princípio do inquisitório, presente no art. 58º, CPA, que estipula que o responsável pela direção do procedimento pode proceder a quaisquer diligências adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa. A fase instrutória pode ser dividida em quatro partes distintas. A primeira parte diz respeito ao art. 55º, CPA, que estipula que cabe ao órgão competente a decisão final, e estabelece três hipóteses distintas. 


A primeira hipótese estipula que o diretor do procedimento é geralmente um delegado do órgão decisório. Este delegado é responsável pela condução do procedimento administrativo, incluindo a fase de instrução. Ao delegar a direção do procedimento, o órgão decisório mantém uma certa distância dos factos apurados e da instrução do processo. Esta distância é considerada benéfica para a imparcialidade, uma vez que o decisor final não está envolvido diretamente na coleção de provas e nos detalhes do processo.


A segunda hipótese estabelece que a direção de certas diligências instrutórias pode ser subdelegada a um subdelegado. O subdelegado é uma pessoa a quem são atribuídas competências específicas dentro do procedimento administrativo, particularmente no que diz respeito à coleta e análise de provas, condução de audiências e outras tarefas instrutórias. A subdelegação permite uma maior flexibilidade e eficiência na condução do procedimento administrativo, distribuindo tarefas conforme a competência e disponibilidade dos agentes envolvidos.


A terceira hipótese afirma que em certos casos, a lei, regulamentos ou estatutos podem exigir que o próprio órgão decisório dirija pessoalmente o procedimento administrativo. Isso ocorre quando a legislação específica do procedimento impõe tal obrigação. Se o órgão decisório optar por não delegar a direção do procedimento, deve fundamentar claramente essa escolha. A justificação deve explicar por que, naquele tipo de procedimento específico, a delegação não foi considerada apropriada ou necessária. Isso garante transparência e responsabilização nas decisões administrativas.


A segunda parte da fase instrutória estabelece que, de acordo com o disposto no art. 58º, CPA, a Administração deve proceder a todas as diligências adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, cujo alcançe não se deve limitar a matérias mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados. 


A terceira parte da fase instrutória refere-se à possibilidade de existência de audiência do particular cujo requerimento tenha dado origem ao procedimento ou contra quem tenha sido o mesmo instaurado, numa óptica de diligência instrutória relacionada com o direito de participação ou de defesa, consoante o caso. 


A quarta parte da fase instrutória diz respeito ao atendimento do princípio da imparcialidade nas suas vertentes positiva e negativa. A vertente positiva da imparcialidade refere-se à obrigação da administração pública de agir de forma proativa para garantir que todas as partes envolvidas num procedimento administrativo sejam tratadas de maneira justa e equitativa. Inclui a adoção de medidas que assegurem a transparência, a participação dos interessados e a objetividade na tomada de decisões. A vertente negativa da imparcialidade diz respeito à prevenção de qualquer situação que possa comprometer a objetividade do processo administrativo. Isso inclui evitar conflitos de interesse, influências externas ou internas indevidas e quaisquer outras circunstâncias que possam prejudicar a neutralidade da decisão. O princípio da imparcialidade, com as suas vertentes positiva e negativa, é essencial para garantir que a administração pública tome decisões justas e objetivas.


À fase da instrução segue-se a fase da audiência dos interessados, que por si concretiza o princípio da colaboração da Administração com os particulares e o da sua participação, elencados nos arts. 11º e 12º, CPA, orientados na Constituição da República Portuguesa no art. 267º/5, CRP. 


A fase de audição dos interessados é uma componente essencial do procedimento administrativo no direito administrativo português, refletindo um modelo de administração participativa. A audição dos interessados é obrigatória em todos os tipos de procedimento administrativo. Este princípio garante que os interessados têm a oportunidade de expressar suas opiniões e fornecer informações relevantes antes que a decisão final seja tomada pela administração. 


A administração pública tem o poder discricionário para determinar a modalidade da audição dos interessados, podendo optar por audiências orais ou escritas. Esta flexibilidade permite que a administração escolha o método mais adequado para cada caso específico, considerando fatores como a complexidade do assunto e as circunstâncias dos interessados. 


A ausência da fase de audição dos interessados configura um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial. Este vício pode levar à ilegalidade do ato administrativo. Apesar da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo apontar que a falta de audiência dos interessados resulta, em regra, na anulabilidade do ato administrativo, a sanção de nulidade é bastante relevante para esta fase. O STA não considera a audiência dos particulares como um direito fundamental diretamente ligado à proteção da dignidade da pessoa humana, mas sim como uma formalidade essencial do procedimento administrativo. No entanto, nos termos do art. 161º/2/d, os atos são nulos se forem praticados com preterição de formalidades que a lei comine com a nulidade. 


Importa também realçar que o direito de audiência só é efetivo se for em relação a um objeto bem determinado, ou seja, um projeto de decisão. A administração deve ouvir os particulares sobre o projeto do que pretende decidir antes de adotar a decisão final. Isto significa que os interessados são consultados com base num esboço claro e detalhado da decisão que está em consideração, permitindo-lhes contribuir de forma significativa para o processo.


A fase de audição dos interessados é crucial para assegurar a legitimidade e a justiça dos atos administrativos. Ao envolver os interessados na preparação das decisões, a administração não só promove a transparência e a participação, mas também aumenta a qualidade das decisões, garantindo que estas sejam bem fundamentadas e informadas por todas as partes afetadas.


Tendo por terminada a fase de audiência dos interessados, procede-se à fase da preparação da decisão, na qual a Administração, à luz das informações disponibilizadas pelas primeiras três fases do procedimento, se prepara para efetuar uma decisão sob a forma de despacho se o órgão for singular ou sob a forma de deliberação se o órgão for colegial. 


Importa realçar que, ao abrigo do art. 125º, CPA, se se determinar que a fase de instrução foi insuficiente, proceder-se-ão novas diligências complementares e que o diretor do procedimento, ao abrigo do art. 126º, CPA, formula uma proposta de decisão. 


Considerada completa a fase de preparação da decisão, a fase seguinte é a fase da decisão em sentido estrito, fase esta que termina o procedimento nos termos do art. 93º, CPA, e que pode terminar pela celebração de um contrato administrativo ou pela prática de um ato administrativo. 

Consoante a forma da decisão, quer seja por ato, regulamento ou por contrato, são aplicáveis os regimes gerais dos arts. 135º e seguintes. A Administração encontra-se ainda vinculada por prazos que tem de cumprir, tendo o art. 128º, CPA regulado os prazos para a decisão dos procedimentos e tendo o art. 129º, CPA conferido aos interessados a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados aquando de uma falta de decisão dentro dos prazos estabelecidos. 


A fase complementar segue a fase da decisão, e consiste na prática de atos e formalidades posteriores à decisão final do procedimento, podendo consistir em registos, arquivamento de documentos e sujeição a controlos internos. A notificação aos interessados, expressa no art. 114º, CPA e seguintes, representa uma condição da eficácia do ato, sem a qual o ato não produz qualquer tipo de efeitos jurídicos. 


Atuação Administrativa sem Plena Forma Legal


A atuação da Administração Pública sem pleno respeito pelas formas legais do procedimento está prevista no direito administrativo português, mas é restrita a situações excepcionais. Essas situações são regulamentadas para garantir que a Administração possa agir rapidamente em casos de necessidade extrema ou urgência, sem comprometer os princípios fundamentais do Estado de Direito.


O conceito de estado de necessidade é aplicado em circunstâncias onde há uma necessidade autêntica e imperiosa de defender o interesse público. Regulado pelos art. 3º/2, CPA, e pelos arts. 19º e 266º/2, CRP, o Estado de Necessidade carece do preenchimento de quatro requisitos, uma necessidade a resolver, interesse público imperioso, excepcionalidade da situação e a ausência de alternativas menos gravosas. 


Estes quatro requisitos exigem que deve haver uma situação de verdadeira necessidade que exija uma intervenção urgente, que a natureza do interesse público a ser defendido deve ser imperiosa, justificando a exceção às formas legais, que a situação deve ser excecional e não uma circunstância comum e que não deve haver alternativas menos gravosas que permitam resolver a situação sem desrespeitar os procedimentos legais.


A urgência refere-se a situações da vida real em que a gravidade ou a perigosidade requerem uma intervenção imediata por parte da Administração Pública. Os procedimentos administrativos de urgência são formas simplificadas de ação para garantir a eficiência e a eficácia da resposta administrativa.


Por si, a urgência exige também três características para se fundamentar a atuação administrativa com base neste conceito: especial gravidade, intervenção imediata e simplificação dos procedimentos. As situações devem apresentar uma gravidade ou perigosidade tal que uma intervenção demorada frustre os objetivos de interesse público. A necessidade de uma intervenção rápida para evitar danos maiores ou assegurar a eficácia da ação administrativa.Em contextos de urgência, os procedimentos administrativos são simplificados para permitir uma resposta mais ágil e eficaz.


Embora a Administração Pública possa atuar sem pleno respeito pelas formas legais do procedimento em situações de necessidade ou urgência, essa atuação deve ser: proporcional, na medida em que a atuação deve ser adequada e não excessiva em relação à necessidade de resolver a situação; justificada, na medida em que a Administração deve ser capaz de justificar a necessidade da intervenção, explicando por que a situação exigiu uma ação fora dos procedimentos normais; limitada no tempo, na medida em que as medidas tomadas em estado de necessidade ou urgência devem ser temporárias, voltando-se ao cumprimento das formas legais tão logo a situação o permita; supervisionada, visto que a atuação em estado de necessidade ou urgência deve ser sujeita a supervisão e possível revisão judicial para garantir que os direitos dos cidadãos não sejam indevidamente violados.


A atuação da Administração Pública fora dos procedimentos legais normais é permitida em situações de estado de necessidade ou urgência, mas é rigorosamente controlada para evitar abusos. Esses mecanismos asseguram que a Administração pode responder eficazmente em situações críticas, enquanto protege os princípios fundamentais do direito administrativo e os direitos dos cidadãos.


Bibliografia 


Amaral, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina.


OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, vol.I, 1ªedição, Coimbra, 2016, reimpr., Almedina


SILVA, Vasco Pereira, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina 











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