Acontecimentos revolucionários no Direito administrativo:
Fazendo uma análise da evolução do direito Administrativo na sua vertente mais contemporânea, deixando para traz os períodos em que se podia afirmar que o direito Administrativo se encontrava em plena crise de crescimento, nomeadamente sofrendo dos seus traumas de infância, quer no primeiro, no qual se podia considerar o seu próprio surgimento em que não se lidou da melhor forma com a teoria da separação de poderes logo após o Liberalismo Francês, como quando do segundo trauma, em que numa tentativa mais ou menus atabalhoada se tentou resolver o que não tinha ficado resolvido no primeiro, mas sem que isso fosse conseguido na sua plenitude, deixando espaço para que existisse um clima misto entre uma administração pública autorregulada e um direito administrativo com uma regulação no mínimo limitada, vou tentar descrever o que penso ser uma leve descrição dos pontos mais importantes e marcantes para o direito administrativo, nomeadamente quanto ao contencioso Administrativo.
Após um período no qual a administração pública atuava de uma forma autoritária, em que o particular era tido como um mero objeto do poder, sendo este o período inicial da Administração pública, e no qual não se admitia que esta fosse julgada por se achar que isso seria administrar, surge um momento em que as coisas são levadas a ter de mudar. Surge uma administração que se vê a braços com o Estado social e os desafios cada vez mais complexos deste novo tipo de Administração.
Aquelas que eram tarefas para as quais a Administração estava estruturada, nomeadamente a defesa nacional, a segurança assim como as tarefas judiciais e fiscais, passaram a ser apenas uma pequena parte do universo Administrativo a que se teve de dar resposta.
Novas tarefas surgiram tais como a segurança social, saúde, ensino, uma participação económica mais desenvolvida, desenvolvimento social, etc...
Rapidamente a função principal do Estado passou a ser administrativa.
O Estado social trouxe, com todas as novas áreas de atuação da administração, necessidades às quais a constituição teve de dar resposta. Muitas das funções administrativas são emanadas pela constituição, sendo que a própria relação entre a administração e o administrado é fortemente regulada pela constituição. São alguns dos artigos da constituição que vão moldar e nivelar a relação de poder entre o público e o privado.
O artigo 1º por exemplo refere Portugal é uma Républica soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre e justa. O artigo 2º vai mais longe referindo que, a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democrática, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos liberdades e fundamentais e na separação e interdependência entre poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. O artigo 3º remata tudo isto quando refere no artigo nº2 que o Estado subordina-se à constituição e funda-se na legalidade democrática, e no artigo nº 3 que a validade das leis e dos demais atos do estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a constituição.
Pela simples análise destes artigos, pode se perceber que hoje nos encontramos distantes da realidade existente no passado recente, em que o particular era um mero objeto do poder administrativo.
O particular, pode e deve ter e fazer valer os seus direitos subjetivos perante a Administração pública. O Estado prestador tem, agora com a nova realidade que é o estado social, de dar resposta aos anseios dos particulares assim como de prestar esclarecimento e justificar os seus atos.
No entanto, mesmo com todos estes prossupostos, até muito recentemente, ainda se podia verificar um vestígio dos traumas de infância de que tanto fala o professor Vasco Pereira da Silva.
Para tentar identificar o momento em que parece ser o fim deste longo e persistente trauma de infância que pairava sobre o direito administrativo português, recorri justamente à Constituição Portuguesa, nomeadamente ao artigo 268º, aquele que tem como epigrafo: “Direitos e garantias dos administrados”. Verifiquei que o texto atual deste artigo foi publicado em 1/97, a 20 de Setembro aquando da 5ª revisão constitucional.
Na nova versão do artigo foram alterados o nº 3,4 e 5. No nº 3 apenas foi alterada a parte final retirando-se “dos cidadãos” ficando apenas interesses legalmente protegidos. O nº 4 e5, no entanto, foram totalmente alterados. No nº 4, onde se lia “É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer atos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus diretos interesses legalmente protegidos”, agora lê-se “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da pratica de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”. No nº 5, onde se lia “É igualmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, agora lê-se “Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
As alterações nestes textos mostram uma clara caminhada no sentido de pôr termo à existência dos referidos traumas. No entanto, eles não surgiram na data em que se refere que finalmente se dá um passo definitivo nesse sentido, que é 2004.
Faltava nesta minha análise um importante fator. Os tribunais.
Os tribunais não tinham, no momento em que a legislação foi alterada em 1976, a necessária autonomia para agir de uma forma eficaz perante a administração pública. Era esse o grande vestígio dos traumas de infância que restava. A administração pública não considerava as decisões dos tribunais vinculativas, e por isso encarava-as como pareceres, não se sentindo obrigadas a acarretá-las se assim o entendessem.
Foi então que, a 1 de Janeiro de 2004 deu entrada nos nossos tribunais a reforma do contencioso administrativo.
Esta reforma começou a ser cozinhada em 2002, tendo ficado finalizada e publicada em 29 de dezembro de 2003, o DL. 325/2003, de 29 Dez., e entrou em vigor na anteriormente referida data de 1 de janeiro seguinte.
A partir desta reforma administrativa e fiscal, passou a ter como objetivo uma efetiva tutela das posições dos particulares, tendo em conta os seus interesses protegidos, nomeadamente os seus diretos subjetivos, interesses esses que vinham definidos na constituição da República Portuguesa desde a 5ª revisão constitucional em 1997 e que nunca virama a sua aplicação concretizada por parte da administração pública.
Passou a haver um meio adequado de defesa em juízo de resolução do contencioso administrativo e fiscal em que se podia antecipar um surgimento de um regime de paridade que até então não existia.
Foi criado um regime de meios processuais de ação comum e de ação especial, com o desígnio de tornar mais céleres os processos e as sentenças com todas as vantagens que isso acarreta para quem recorre à justiça com a finalidade de resolver os seus problemas.
Com esta reforma veio o reconhecimento de que os tribunais administrativos são de facto tribunais verdadeiros com a devida autonomia e que as suas sentenças valem tanto quanto as dos restantes tribunais do país. A especialização destes tribunais veio trazer melhor qualidade do serviço que prestam à comunidade, garantindo que os juízes tenham as qualificações mais adequadas para o exercício das suas cada vez mais complexas tarefas.
Este processo também trouxe um alargamento do âmbito da jurisdição administrativa e alargando o leque de competência exclusiva dos tribunais administrativos e fiscais, o que seria uma afirmação clara de que os tribunais administrativos tinham ganho o seu espaço próprio.
Para os particulares surgiram expedientes como as providencias cautelares vieram trazer importantes prerrogativas, levando a que se mitigasse a consequência da demora nos processos e que muitas vezes se perdesse o efeito da sentença final quando surgisse uma sentença.
A reorganização hierárquica dos tribunais administrativos veio trazer benefícios evidentes a todo o sistema. Ficaram os tribunais administrativos de círculo a atuarem como tribunais de primeira instância para a generalidade das situações, enquanto que o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo passaram a exercer competências de tribunais superiores. Assim sendo, ficou o Tribunal central Administrativo a funcionar como tribunal de recurso das decisões dos tribunais de circulo, isto é, os tribunais de primeira instância, enquanto que o Supremo Tribunal Administrativo ficou a funcionar como tribunal regulador do sistema, com a especial tarefa de apreciar as questões de especial relevância jurídica assim com a fixação de jurisprudência, tornando todo o sistema mais seguro e adequado para prosseguir o fim a que se destina assegurando a devida segurança jurídica.
Com estas alterações o funcionamento dos tribunais administrativos tornou-se mais semelhante ao que existe nos restantes tribunais do país e com isso trazendo mais paridade entre eles.
Evolução do artigo 268º da Constituição Portuguesa desde o seu surgimento em 1982. O primeiro artigo designado como Direitos e garantias dos cidadãos foi o 269º que surgiu com a constituição de 1976.
O texto original da CRP de 1976
Revisão 1/82, de 30/Set ARTIGO 268.º |
Revisão 1/89, de 8/Jun.
Artigo 268.º |
1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas. |
Revisão 1/97, de 20/Set
Artigo 268.º |
1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas. É de salientar que no nº 4 desta última versão surge a menção à “tutela jurisdicional efetiva”, e no nº 5, surge a menção ao “direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas aos seus direitos” |
Fontes:
Textos de:
-Manuel Fernando dos Santos Serra, presidente do Tribunal Administrativo
-Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva
-Constituição da República Portuguesa
-Sítio do Supremo Tribunal Administrativo
Alexandre Bettencourt Laurentino, aluno nº 21235
2º ano-B, subturma 15
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