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quarta-feira, 15 de novembro de 2023

O Procedimento e o Processo Administrativo: Trauma da moeda de duas faces

Processo e Procedimento Administrativo

Comecemos por falar um pouco no conceito de Administração Pública.

Antes de mais, frisar apenas que, de acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, a caracterização do atual Direito Administrativo deve ser feita em função da função administrativa, em sentido material, em sentido formal e em sentido orgânico, o que significa que tudo o que diga respeito à Administração pública é matéria de Direito Administrativo.

A função administrativa é uma função do Estado, uma função do poder público e é a função que regula o que desempenha a tarefa de administrar e esta tarefa de administrar é, da perspetiva do professor, aquilo que corresponde à realidade do Direito Administrativo.

A Administração Pública pode ser identificada enquanto tarefa utilizando a letra minúscula, ou enquanto entidade orgânica, conjunto de órgãos que desempenham a função administrativa, utilizando a letra maiúscula (o Professor Marcelo Caetano adotou uma convenção, que depois levou os administrativistas que costumam utilizar, o Professor Vasco Pereira da Silva também aprendeu assim, e esta convenção ajuda a distinguir quando estamos a falar da função administrativa).

Esta ligação entre o Direito Administrativo, a função administrativa, Administração Pública é para o professor essencial e é isto que permite caracterizar o que é ou deve ser o Direito Administrativo de hoje.

Quando falamos em Direito Constitucional da tripartição das funções do Estado, i.e., função em sentido material, orgânico e formal.

Aplicamos a mesma distinção tripartida na Administração Pública:

   - Do ponto de vista material: tomas todas as decisões que tem a ver com a tarefa de administrar, administrar é satisfazer de forma continuada, permanente, regular a satisfação de necessidades coletivas e no quadro desta satisfação das necessidades coletivas, as entidades administrativas exercem um papel que, o professor não gosta de chamar papel executivo em sentido próprio isso remonta à ideia de que administrar não é criador, a ideia de executiva na lógica positivista clássica significava que a administração não tinha poder de criação, ora a administração do aplicar o direito está também a criá-lo, o professor prefere a ideia de administrar do que a ideia de poder executivo, embora efetivamente possa se usar essa expressão com conteúdo não muito diferente daquilo que lhe atribui. É uma tarefa de satisfazer de forma continuada, regular e permanente o exercício das funções que lhe estão atribuídas e da satisfação das necessidades coletivas;

    - Do ponto de vista formal: tem várias formas de atuação, uma administração que começou por praticar apenas atos, depois os regulamentos e os planos, depois os contratos, formas de direito privado, formas de carácter técnico, tudo isso se integra na Administração Pública e tudo isso interessa ao Direito Administrativo. No quadro desta dimensão formal, temos um procedimento administrativo que regula o modo como as decisões administrativas são tomadas, em Portugal há até um código procedimento administrativo e este código, entre outras regras pressupõe que os particulares têm o direito de audiência, o direito de serem ouvidos e é de sublinhar que este “direito de ser ouvido” remete para o direito a ter uma audiência antes de uma decisão que lhe diga respeito, não o “direito de ouvir”. Os particulares têm este direito de serem ouvidos uma vez que eles são os principais interessados pelas decisões administrativas e, como tal, devem participar no processo de tomadas de decisões, mesmo que as decisões sejam unilaterais, quem decide é a Administração, mas há um direito à participação.

   - Do ponto de vista orgânico: são os órgãos, as pessoas coletivas, os particulares, todas aquelas entidades que desempenham a atividade administrativa corresponde à ideia de Administração Pública em sentido orgânico, aqui Administração com letra maiúscula.

Depois temos a função judicial que cabe definir o direito aplicável ao litígio naquele caso em concreto. Os juízes são entidades imparciais e independentes que perante um caso que é apresentado por duas partes, decidem, tomam uma decisão jurídica que decide aquele caso e depois põe termo ao litígio. E, portanto, o juiz vai definir o direito aplicável àquele caso, vai analisar o caso e interpretar as normas jurídicas e aplicá-lo.

Nos tempos de infância difícil, quando se confundia administração com justiça, dizia-se que a administração pública definia direitos, não é verdade, a administração pública utiliza o Direito como meio para satisfazer necessidades coletivas, o juiz sim define o Direito. O Direito não é o fim da atuação administrativa, é apenas um meio que a administração serve para tomar decisões administrativas.

À função judicial cabe julgar o que é radicalmente diferente de administrar, administrar é satisfazer as necessidades coletivas, julgar é dirimir litígios.

É errado, portanto, dizer que a administrar e julgar são coisas semelhantes quando não o são, são coisas totalmente distintas que a órgãos totalmente distintos que correspondem a formas de atuação e regras de natureza totalmente distintas.

A par desta função judicial e devido a esta infância difícil e traumática da promiscuidade entre administração e justiça, havia uma tradição de unificar o procedimento administrativo e o processo administrativo.

Os processos administrativos diferentemente dos procedimentos administrativos são realidades opostas porque o processo é o nome que se dá a toda a atuação dos tribunais sejam tribunais judiciais que regulam a maior parte das relações privadas, sejam os tribunais administrativos que regulam as atividades administrativas. Portanto, estamos perante uma atuação dos tribunais que configura um processo, o processo também não se confunde com o procedimento.

Em Portugal, a teoria monista, confundiu procedimento e processo considerando os dois como faces da mesma moeda, o professor diria que, em rigor, até À reforma de 2002/2004, apesar da doutrina já, pelo menos, desde 1895, ter deixado de ser monista, mas ainda havia um setor importante da doutrina que continuava a falar de monismo e a tradição portuguesa ia no sentido do monismo. O monismo foi posto em causa pelas normas de processo com antes pelo código procedimento administrativo.

Hoje em dia já ninguém a defende, depois do código que dizia que não havia continuidade em procedimento e processo, isso convenceu a maioria da doutrina, mas aqueles que achavam que o processo era determinante para a qualificação, como a lei processo dizia, esses só ficaram totalmente convencidos em 2004, mas desapareceu nessa altura de forma definitiva. Só em 2004 porque foi a altura em que foi publicado o CPA, feito pelo Professor Diogo Freitas do Amaral e entre outros incluindo o Professor Vasco Pereira da Silva.

A diferença principal é que um processo é o mecanismo rígido, destinado à tomada de decisões, às definições de Direito, um mecanismo que não pode mudar, determinado com regras inflexíveis, destinadas a que as duas partes tenham igualdade de “armas” porque o juiz diz que é independente e imparcial vai dizer quem é que tem razão e, portanto, o processo tem de ser rígido para garantir que todos estão em condições de igualdades e que o juiz toma uma decisão que é baseada numa regra de igualdade entre particular e a Administração, se for um processo administrativo, ou entre dois particulares ou seja quem for.

Hoje em dia, mesmo havendo os tais traumas de infância, do ponto de vista formal não deve haver. E hoje em dia não só a CRP, como o Código de procedimento e hoje código de processo, afastam essas rivalidades monistas. Portanto não faz qualquer sentido dizer que sequer que o CPA regula o processo, não regula. Regula sim o procedimento e o procedimento é diferente, é um conjunto de regras flexíveis para ajudar a Administração a satisfazer melhor as necessidades públicas. Enquanto que o processo, como já foi referido anteriormente e frisando mais uma vez a diferença, é um conjunto de regras rígidas para assegurar a igualdade das partes em todas as circunstâncias porque o juiz vai dizer quem tem razão e vai decidir aquele litígio.

Eis aqui a referência às definições dos conceitos supramencionados:

Anexo
Código do procedimento Administrativo 

(a que se refere o artigo 2º)

Parte I
Disposições Gerais

Capítulo I
Disposições preliminares

Artigo 1º
Definições

1 - Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.

2 - Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo.

Bibliografia:

https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-lei/2015- 105602322

Transcrições das Aulas teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva 

Maria Leonor De Sousa, nº 67611, Subturma 15, 2º B

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