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domingo, 26 de maio de 2024

Tipologia dos atos administrativos : atos primários e secundários

Tipologia dos atos administrativos : atos primários e secundários

 

1.   – Apresentação do tema


Ao longo do semestre temos vindo a discutir todas as matérias essenciais associadas á cadeira de Direito Administrativo II, como por exemplo os princípios constitucionais sobre o Poder Administrativo ou então o Procedimento Administrativo e as suas respetivas fases, e acabamos por chegar á conclusão de como todos estes temas estão interligados e são extremamente importantes e relevantes no funcionamento da nossa sociedade e na formação dos atos administrativos, sendo estes últimos o tema principal deste trabalho.

 

Durante as aulas muitas foram as ocasiões onde se ouviu falar de atos administrativos e do seu papel no Direito Administrativo Português, porém é necessário perceber que há uma tipologia, que segundo o Professor Freitas do Amaral divide os atos administrativos em dois grandes grupos : os atos primários e os atos secundários[i].

Segundo o professor, atos primários são “aqueles que versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida”, ou seja, um ato onde a Administração acaba por interagir pela primeira vez, como por exemplo quando concede uma licença. Dentro deste tipo de ato estão incluídos os atos impositivos e os permissivos, que serão discutidos ao longo deste trabalho

Os atos secundários, segundo o autor “são aqueles que versam sobre um ato primário anteriormente praticado”, ou seja, são criados com base num ato primário já existente, ou então com o objetivo de modificar uma situação regulada por um ato primário. Dentro desta tipologia existem atos integrativos, saneadores e desintegrativos.

 

Passemos então a uma análise mais aprofundada e individualizada sobre cada uma das categorias dos atos primários e secundários.

 

2.   - Atos Primários 

 

2.1 – Atos impositivos 

 

Atos impositivos, são aqueles que determinam uma conduta a alguém, ou que colocam o seu destinatário numa situação de sujeição a um ou mais efeitos jurídicos.

Há vários tipos de atos impositivos, sendo eles: atos de comando, atos ablativos, juízos e atos punitivos.

 

Comecemos então pelos atos de comando, que se caracterizam por impor a um particular a adoção de uma conduta positiva ou negativa, sendo que esta última diferenciação é extremamente relevante para a personificação do ato em si, visto que nas situações onde é necessário impor uma conduta positiva, dá-se o nome de ordem, por outro lado, quando o ato tem como conteúdo uma conduta negativa nomeia-se proibição, ou seja, um ato de comando impõe ao particular uma conduta positiva (ordem) ou negativa (proibição).

Este tipo de atos encontra-se principalmente no direito da polícia.

 

O segundo tipo de atos impositivos são os atos ablativos que correspondem aos que impõem a extinção ou a compressão do conteúdo de um direito, como por exemplo uma situação de expropriação de terrenos, de requisição de bens ou serviços, ou ainda a ocupação temporária de terrenos, de abate de árvores ou de animais.

Relativamente á pratica destes atos, importa mencionar que a Administração deverá compensar os particulares que serão afetados, através do pagamento de uma indemnização pecuniária que pode ser encontrada ao abrigo do artigo 62º/2 da Constituição da República Portuguesa.

Esta indemnização não pode ter apenas um valor simbólico, uma vez que tem de ser justa, ou seja, o valor patrimonial do particular tem de ser o mesmo antes e após da pratica do ato, logo, o valor que deve ser atribuído ao lesado tem de corresponder a uma avaliação igualitária ao do bem sacrificado, permitindo assim criar um equilíbrio patrimonial.

 

O terceiro ato impositivo são os juízos, que acabam por ser os mais “simples” de explicar uma vez que o nome acaba por representar uma expressão muito utilizada na nossa sociedade, logo, estes são os atos através dos quais um órgão da Administração qualifica, segundo valores de justiça ou critérios técnicos, pessoas, coisas ou atos submetidos á sua apreciação como por exemplo classificações ou notações. Acabam assim por ser como os juízos que fazemos no durante o nosso dia, quer seja a caracterizar um objeto ou uma determinada conduta.

Importa ainda mencionar que o Professor Freitas de Amaral afirma que estes são atos impositivos, uma vez que sujeitam os “destinatários a efeitos jurídicos, independentemente de eles aceitarem ou não esse ato, e de estarem ou não de acordo com o respetivo conteúdo”[ii].

 

Por último, relativamente aos atos impositivos temos os atos punitivos. Estes acabam por ser os mais complexos, uma vez que se encontram divididos em vários tipos de sanções, porem, primeiramente importa perceber o carácter geral e o conteúdo deste tipo de punição.

Os atos punitivos são aqueles que impõem a alguém, quer seja um indivíduo ou uma pessoa coletiva, uma sanção administrativa, como por exemplo uma pena disciplinar a um funcionário publico, por não ter cumprido um dos seus deveres (sanção a um indivíduo), ou então a revogação de uma licença municipal de um estabelecimento comercial, devido ao não cumprimento de uma determinada conduta ou dever da empresa em questão (sanção a pessoa coletiva).

Assim, conseguimos identificar diversas espécies de sanções administrativas, tais como as sanções disciplinares internas que dizem respeito aos trabalhadores e funcionários da Administração Pública, as sanções disciplinares externas que sujeitam alguns particulares ao respeito de determinadas regras enquanto utentes de serviços públicos, como por exemplo os alunos numa escola, os visitantes de um museu ou até mesmo os presos nas prisões.

Temos ainda as sanções administrativas institucionais e corporativas que se caracterizam por serem atribuídas as empresas sobre a alçada de institutos públicos, bem como os cidadãos inscritos em certas associações ou corporações públicas (ordens profissionais – ordem dos advogados), as sanções administrativas municipais que podem sancionar os residentes do concelho ou município, ou restantes indivíduos, e por ultimo temos as sanções administrativas do chamado Direito de Mera Ordenação Social, temos como exemplo mais comum a coima, que pretende punir as situações que não caracterizam gravidade suficiente para serem instituídas e punidas pelo Código Penal, como atos ilícitos de violação de normas do Direito do Ambiente.

Este tipo de atos, que também podem ser conhecidos por atos sancionatorios são acionados sempre que houver um comportamento ilícito e podem ser impugnáveis perante um tribunal competente, como por exemplo os tribunais administrativos (penas disciplinares a funcionários públicos) ou nos tribunais comuns (caso das coimas).

 

Estes são os 4 tipos de atos impositivos e as suas respetivas modalidades (no caso dos atos punitivos), que acabem por representar uma das partes incluídas nos atos primários.

Passemos então á segunda parte, que diz respeito aos atos permissivos.

 

2.2  – Atos Permissivos

 

Atos permissivos, segundo o Professor Freitas de Amaral, “são aqueles que possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que de outro modo não estaria autorizado”[iii].

Relativamente a este tipo de atos, conseguimos identificar dois grupos: os atos que conferem ou ampliam vantagens, que se dividem em seis categorias, sendo elas a autorização, a licença, a concessão, a delegação, a admissão e a subvenção, e os atos que eliminam ou reduzem encargos que estão distribuídos em duas espécies, a dispensa e a renúncia.

 

Em relação ao primeiro grupo, temos então a autorização, que se caracteriza basicamente no que o próprio nome indica, ou seja é o ato pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou competência preexistente. O particular é então titular de um direito, contudo, o exercício do mesmo está dependente de uma autorização administrativa.

 

Em seguida temos a licença, que são os atos onde a Administração atribui um direito de exercer uma atividade privada que á partida seria proibido, o que acaba por ser o contrário do ato anterior, visto que nesse estávamos numa situação onde o particular era detentor de um direito e só estava á espera da autorização para o conseguir exercer, enquanto neste caso, as licenças são atribuídas com o objetivo de permitir o exercício de uma atividade que em principio seria proibida, como por exemplo o porte de arma de fogo.

 

Outro tipo de ato permissivo são os atos de concessão, estes acabam por ser semelhantes aos atos de licença porém têm uma diferença crucial que os distingue e que está relacionada com o tipo de atividade que é transferida para o particular. Como vimos anteriormente, nas licenças o que era permitido ao sujeito era o exercício de uma atividade privada que era proibida, nos casos de concessão o que é transferido para uma entidade privada é o exercício de uma atividade pública, que ficará por conta e risco do concessionário, como por exemplo a exploração de um serviço público.

Estamos assim perante uma situação de exercício privado de funções públicas.

 

A quarta categoria incluída neste grupo de atos diz respeito á delegação, sendo que esta ocorre quando um órgão da Administração, que tem competência para decidir sobre uma determinada matéria, acaba por transferir, de acordo com a lei, esse poder para outro órgão ou agente.

 

Temos ainda os atos de admissão, que o Professor Freitas de Amaral acaba por definir como “ o ato pelo qual um órgão da Administração investe um particular numa determinada categoria legal, de que decorre a atribuição de certos direitos e deveres”[iv], ou seja, são por exemplo os casos de matriculas numa escola ou a admissão de utentes num hospital.

 

Por fim, temos os atos de subvenção que são aqueles onde a Administração Pública concede dinheiro a um particular para cobrir os custos de uma atividade privada, que é reconhecida como de interesse público. São assim apoios de financiamento com vista ao desenvolvimento de atividades de interesse social.

 

Concluímos assim o grupo de atos permissivos que conferem ou ampliam vantagens, restando apenas a caracterização dos atos que eliminam ou reduzem encargos, que como anteriormente vimos estão divididos em 2 categorias.

 

O primeiro ato que está associado ao segundo grupo é a dispensa, que dá a possibilidade de um sujeito não cumprir uma obrigação geral na forma de 2 modalidades, a primeira é a isenção, que é atribuída pela a Administração aos particulares, como por exemplo uma isenção fiscal, e a segunda é a escusa, que ocorre entre órgãos da Administração.

 

O segundo e último ato é a renuncia, que é basicamente o ato onde um órgão Administrativo abdica de um direito legalmente disponível.

O Professor Freitas de Amaral afirma que é importante não confundir a renúncia com os casos de promessa do não exercício de um direito, sendo que na primeira situação o órgão abdica mesmo do direito, enquanto na segunda apenas promete não exercer esse direito, numa determinada ocasião[v].

 

3.   – Atos secundários 

3.1 – Atos integrativos 

     

Os atos secundários, ou “atos sobre atos”[vi], expressão utilizada pelo Professor Freitas de Amaral, encontram-se distribuídos por três categorias, sendo uma delas a dos atos integrativos que surgem como auxilio de atos anteriores.

Neste, conseguimos encontrar 4 modalidades, a aprovação, o visto, o ato confirmativo e a ratificação-confirmativa, cada um com as suas funções e características.

 

Relativamente á aprovação, podemos afirmar que é um ato que surge com a função de atribuir eficácia a um ato anterior, já praticado.

É importante perceber que esta se encontra sempre associada a um ato anterior que já foi praticado por um órgão, de maneira a se distinguir da homologação, que é o ato no qual se valida uma proposta ou parecer apresentados, enquanto na aprovação o ato já se encontra praticado, apenas sem eficácia, que será conferida após a realização do mesmo.

 

Em seguida temos o visto, que é basicamente um ato de reconhecimento, ou seja, tem como função principal anunciar o conhecimento de atos/documentos (visto cognitivo) ou o facto de não ter objeções sobre um ato, conferindo-lhe eficácia (visto volitivo).

Este último difere da aprovação na questão da concordância, uma vez que nesta quem aprova acaba por estar de acordo com o ato, enquanto no visto não há uma opinião associada, trata-se de um nihil obstat[vii].

 

Outra das categorias encontradas nos atos integrativos são os atos confirmativos, que acabam por ser muito fáceis de explicar e entender.

Neste caso, estes tem como objetivo reiterar e manter em vigor um ato administrativo anterior, nada mais simples do que isto.

Estes acabam por surgir frequentemente em situações onde a Administração pretende confirmar a sua posição relativamente a um ato realizado anteriormente, onde acaba por manter a mesma resolução e usufrui dos atos confirmativos  para reiterar o que estava decidido.

 

Por ultimo, em relação aos atos integrativos, temos os atos de ratificação-confirmativa, que se caracterizam pelos atos onde um órgão competente sobre determinada matéria, acaba por concordar com o ato praticado, por um órgão excepcionalmente competente.

Nestas situações podem acontecer duas coisas, ou o órgão competente concorda com o ato e acaba por o ratificar, sem alterações e tornando o mesmo definitivo, ou então, se não o ratificar, o ato torna-se anulável.

 

3.2  – Atos Saneadores

 

      Ainda associado aos atos secundários, existem os atos saneadores, que têm como função principal transformar um ato anulável em ato válido, ou seja, em vez de anular ou declarar nulidade a um ato anterior, este tenta recuperar o ato, ou uma parte, através da extinção da ilegalidade, respeitando o princípio do aproveitamento dos atos jurídicos.

Conseguimos encontrar estes atos ao abrigo do artigo 164º do CPA, onde estão identificadas as figuras de ratificação, reforma e conversão.

 

Quanto á ratificação, diz respeito ao ato administrativo de um órgão que decide extinguir a ilegalidade de um ato inválido, de maneira a torná-lo legal, como por exemplo assunção pelo órgão competente de um ato praticado por órgão incompetente.

 

Por sua vez, a reforma é o ato pelo qual se conserva de um ato anterior a parte não afetada de ilegalidade, ou seja, aproveita-se a parte legal do mesmo.

O ultimo ato é a conversão, que é o ato administrativo no qual se aproveitam elementos válidos de um ato ilegal, com vista na criação de outro que seja legal. Neste caso há mesmo a criação de um novo ato administrativo, enquanto que na reforma há um aproveitamento da parte legal sem haver necessidade da existência de um novo ato.

 

3.3 – Atos Desintegrativos

 

Por fim temos os atos desintegrativos, que constituem a última espécie de atos secundários.

Estes são atos administrativos de conteúdo contrário ou oposto ao de um ato anteriormente praticado.

Um dos exemplos mais comuns deste tipo de atos são as demissões, que se trata do exercício de uma competência contrária ao ato primário, ou seja, o da contratação do funcionário.

 

4. – Conclusão  

 

Após a realização deste trabalho, consegui obter um conhecimento mais aprofundado relativamente ao atos administrativos, especialmente a diferença entre atos primários e secundários, uma vez que acabam por estar interligados.

Para além disso, deu para identificar as diversas modalidades e espécies associadas aos respetivos atos, cada uma com as suas competências e características que apresentam, quer seja na sua formação como na sua função.

 

Por fim, resta dizer que todos tem extrema utilidade na nossa sociedade, uma vez que facilitam o exercício e ação por parte da Administração Pública com os respetivos órgãos ou particulares.  

 

5. – Bibliografia 

 

AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição, 2015, Almedina;

 

Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018

 

Silva, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Reimpressão, Almedina, 2023

 

 

Trabalho realizado por: Tiago Rita nº66468

Subturma 15, Turma B

 



[i] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.233

 

[ii] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.234

 

[iii] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.238

 

[iv] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.242

 

[v] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.243

 

[vi]Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.245

 

[vii]Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018, P.247 

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