Direito Administrativo II
Atividade dos Casinos
No âmbito de realizar um trabalho que se relacione com a vasta matéria de direto administrativo, serve-me a análise de um acórdão do TAF de Aveiro referente a uma matéria que me é espacialmente próxima e que se refere à área de jogo, neste caso concreto, ao acesso às salas de jogo nos casinos em Portugal, ramo em que trabalho.
Para o efeito venho trago o acórdão do tribunal Central Administrativo Norte 00943/12.9BEAVR, que opõe a Turismo de Portugal, IP à SV. Sociedade De Investimentos Turísticos Da Costa Verde, As. Sendo a primeira a recorrente perante uma sentença relativamente a um recurso interposto pela segunda, o qual foi procedente.
Nota introdutória:
O referido caso trata de um recurso ao TAF de Aveiro por parte da Costa Verde SA. perante uma contraordenação por infração de uma obrigação incumprida de atuar no sentido de impedir acesso ao casino de pessoas de alguma forma legalmente impedidas de o fazer, aplicada por parte da inspeção de jogos, parte integrante da Turismo de Portugal, IP, recurso esse que foi dado como procedente e que vem agora ser alvo de recurso por parte da entidade autuante no sentido de reverter o resultado do primeiro recurso.
Trata-se este caso de uma coima aplicada pela inspeção geral de jogos por não ter a Costa verde AS., concessionária do Casino de Monte Gordo, impedido o acesso à zona de jogo de um frequentador que se encontrava proibido de frequentar casinos a seu próprio pedido, situação que se encontra prevista na lei, constituindo por isso uma obrigação legal do casino em questão. Por ser obrigação legal o casino controlar ativamente as entradas no seu espaço de jogo, entendeu a inspeção de jogos que existiu uma omissão na sua atuação aplicando por isso uma coima ao mesmo no valor de 300 euros.
Considerando a Costa Verde AS. Que houve uma incorreta interpretação da lei por parte da inspeção de jogos e que a entrada efetuada nas suas instalações foi levada a cabo dolosamente por parte do frequentador em causa, recorreu no sentido de anular a coima tendo sido concedida a anulação como anteriormente referido.
Posteriormente, a Turismo de Portugal vem interpor uma ação Administrativa especial para impugnação de ato Administrativo, que neste caso se trata da decisão relativamente ao recuso por parte da Costa Verde AS. Que foi dado como procedente.
O caso:
O recorrente apresentou os seguintes argumentos de suporte para a sua pretensão:
De acordo com o artigo 36º da lei de jogo é aplicável a exigência de identificação sempre que os porteiros dos casinos suspeitem que algum frequentador seja menor de 18 anos ou sempre que exista suspeita de que o frequentador tenha sobre si alguma proibição ou impedimento de frequentar ou permanecer dentro de espaços destinados à prática de jogo assim como é exigida sempre a identificação na entrada de sales de jogos tradicionais, se acordo com o artigo 36º, nº2 da mesma lei. Por isso, de acordo com o artigo 125º da lei de jogo, é aplicável uma coima de até 250.000€ no caso de existirem entradas irregulares nos espaços em causa. O artigo 125º não só se aplica às entradas nas salas de jogos tradicionais assim como nas salas de jogo mistas, que é o caso em análise.
O artigo 125º visa ainda, a entrada de todas as pessoas que se enquadrem nos artigos 36º, 37º ou 38º da mesma lei.
Refere o recorrente ainda que andou igualmente mal a douta sentença quando referiu que apenas seria de se considerar expetável que os porteiros dos casinos pedissem a identificação a quem parecesse ter menos de 18 anos e nas salas mistas, de acordo com o artigo 36º, 2, a). A circunstância de se estabelecer expressamente que os porteiros devem exigir a identificação de quem aparente ter menos de 18 anos não significa de modo algum que seja dispensável a mesma exigência perante qualquer outro frequentador que possa ser passível de suscitar qualquer suspeita de inibição de entrada em salas de jogo de casinos.
Argumenta o recorrente que no âmbito da realização do interesse público e do cumprimento de dispositivos a que se encontram legalmente vinculados, é às concessionárias a quem compete assegurar o controlo de acesso às salas de jogo de fortuna e azar.
O facto de não haver uma obrigação legal das concessionárias instalarem nas suas instalações qualquer tipo específico de equipamentos com a finalidade de controlar as entradas de frequentadores inibidos de ter acesso aos casinos não quer dizer que não tenha de haver controlo dessas mesmas entradas de outra qualquer forma adequada para o efeito. Se a lei não obriga à instalação de qualquer sistema de controlo, também é certo que não o proíbe como medida cautelar para o cumprimento dessa obrigação uma vez que o carater finalístico será o de ir ao encontro da sua obrigação desde que sejam adequados para o efeito.
A Recorrida contra-alegou com os seguintes argumentos:
Reconhecendo que cabe ao casino em causa assim como todos os restantes, a execução do controlo das entradas e os referidos acessos às zonas de jogo, conforme consta em lei de jogo, nomeadamente o artigo 125º, a recorrida alega que existem claras dificuldades em levar a cabo essa missão, uma vez que os frequentadores são grande parte das vezes desconhecidos e não sendo habituais frequentadores isso dificulta ainda mais. Além disso, alega a recorrida que a documentação entregue pelo serviço de inspeção de jogos frequentemente entrega junto da notificação de proibição para fins de identificação fotos desatualizadas, que geralmente são extraídas de documentos de identificação como os bilhetes de identidade e isso faz com que seja mito difícil de realizar o reconhecimento dos frequentadores. Refere ainda a recorrida que a recorrente em casos semelhantes a este que tiveram lugar anteriormente arquivou vários processos pelo mesmo motivo que se encontra em análise neste processo. Por isso não compreende qual o fundamento para existir uma dualidade de decisões.
Alega ainda que não é expectável que os empregados dos casinos tenham de reconhecer e identificar todos os frequentadores. Ademais, não ficou provado que o frequentador em causa neste processo fosse conhecido dos empregados do casino nem que tivesse existido de alguma forma culpa por parte dos responsáveis do casino. Ao invés disso foi o próprio frequentador que se deslocou ao casino, entrou e jogou para de seguida tentar chantagear o casino por não o ter impedido de entrar e foi o próprio jogador que apresentou queixa junto da inspeção geral de jogos.
É de referir também que a legislação não previa a obrigatoriedade de instalação de equipamentos ou sistemas de controlo de acessos a ás salas de jogos dos casinos. A interpretação nesse sentido seria uma arbitrariedade no caso de aplicação de uma multa assim como um evidente abuso de autoridade.
Por isso a recorrida considera que não praticou ou omitiu nenhum comportamento culposo, ainda que a título de mera negligencia e por isso não pode ser responsabilizada pela violação de qualquer conduta ilegal, ou falhas, erros, lapsos ou eventuais prejuízos para com o frequentador em causa.
Considera por isso a recorrida que a douta sentença era a acertada em virtude dos factos apresentados. Existe sim, adianta ainda o recorrido, a obrigatoriedade de emissão de cartões de acesso às salas de jogos tradicionais e que no caso de se verificarem irregularidades na emissão desses cartões assim como o controlo da capacidade dos frequentadores para poderem ser titulares dos mesmos, e do respetivo controlo por parte dos funcionários dos casinos da verificação da sua existência aquando da entrada nas respetivas salas, conforme estipulado no artigo 126º do decreto-lei nº 422/89, de 2 de Fevereiro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17 de Fevereiro, nos termos do qual a emissão de cartões de acesso às salas de jogos tradicionais a favor de quem não satisfaça ao requisitos legais, faz incorrer a concessionária em multa até 1500€ por cada cartão.
Em reforço da posição perfilhada, consta ainda da douta sentença recorrida que, da leitura da legislação aplicável retira-se que o acesso às salas de máquinas automáticas e às salas mistas é de princípio livre, encontrando-se condicionado apenas às restrições constantes da disposição do artigo 36.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Neste sentido dispondo o já citado artigo 41.º n.º 3 do Decreto-Lei n 422/89, de 2 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro, que a entrada e permanência nas salas mistas, de máquinas e de bingo, e nas salas de jogo do Kena é condicionada à posse de um dos documentos de identificação previstos no artigo 39.º, devendo os porteiros de tais salas solicitar a exibição do mesmo, quando a aparência do frequentador for de molde a suscitar dúvidas sobre o cumprimento do requisito constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 36º., sendo tais documentos o BI, passaporte, bilhete de identidade militar, autorização de residência, carta de condução ou cartão diplomático.
A sentença recorrida anulou a deliberação que havia sancionado a Recorrida com uma multa no montante de €300,00, com fundamento, no essencial, em esta ter permitido o acesso às salas “mistas” de jogo do Casino de Monte Gordo, de um frequentador já identificado que se encontrava, a seu pedido, inibido de aceder às salas de jogos de todos os casinos do país. A sentença recorrida julgou o ato ilegal, em resumo, por ter considerado que o artigo 125.º do Decreto-Lei n.º 422/89 (Lei do Jogo) apenas é aplicável à incorreta identificação dos frequentadores das “salas de jogos tradicionais”, cujo acesso está sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente; mas já não ao acesso às “salas mistas” ou de máquinas, onde a exigência de exibição dos documentos referidos apenas é exigida nas situações contempladas no artigo 36.º/2-a) do referido diploma legal. O Recorrente contesta o assim decidido, em síntese, por considerar que o citado artigo 125.º da Lei do Jogo visa a penalização das concessionárias pelas entradas consideradas irregulares nas salas mistas dos casinos e não apenas pelas entradas irregulares nas salas de jogos tradicionais. A questão em apreço não é nova e é alvo de contestação permanente visto existirem incongruências relevantes na legislação assim como na sua interpretação. A evolução legislativa mostra que houve uma certa facilitação relativamente às regras referentes ao acesso às salas de máquinas e salas mistas, que são as que contem máquinas assim como jogos tradicionais, em 1995, justificada pelo legislador de 2005, dando nota de que se pretendia rentabilizar a exploração do concessionário, mas que isso traria uma maior responsabilização das concessionárias na sua exploração no que toca ao controlo dos acessos às suas salas de jogo. Essa facilitação não é, todavia, incompatível com a atividade de controlo dos referidos acessos, tendo as concessionárias liberdades para dentro da lei constituir métodos adequados com a finalidade de cumprir essa tarefa. É de notar que o concessionário está associado de forma íntima à realização do interesse público, e o concessionário do jogo, enquanto parte num contrato administrativo de colaboração subordinada, sofre as limitações decorrentes duma cláusula de submissão explícita ou implícita às leis, regulamentos e atos administrativos que durante a execução do contrato exprimam as exigências do interesse público servido, quanto ao objeto do contrato.
Nesta relação administrativa, em lugar de estar o exercício da iniciativa privada e a plena autonomia de vontade da empresa, está o monopólio do Estado do Jogo, que reserva a si próprio esse direito. Por isso os casinos, na qualidade de concessionários do Estado, assumem a responsabilidade de cumprir com as regras do direito administrativo vigente em grande parte da sua administração, ficando reservadas para a sua liberdade de iniciativa privada apenas alguns aspetos da sua da sua gestão como é o caso de liberdade de contratação do seu pessoal ou outros aspetos de gestão interna, ainda que em muitos casos sujeitos à aprovação da tutela respetiva.
As concessionárias encontram-se contratualmente obrigadas a cumprir e fazer cumprir todas as normas dentro do quadro do Decreto-Lei nº 422/89, que é a lei que define toda a atividade respeitante ao jogo em Portugal e consequentemente os casinos em toda a sua extensão visto que a atividade do jogo é muitíssimo controlada pelo Estado. Uma dessas obrigações é justamente o controlo de acesso às suas instalações, nos termos do artigo 38º da dita lei de jogo.
De acordo com o código civil, relativamente à sua interpretação, o sentido e alcance da lei indica que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como previsto no nº 3 do artigo 9º, então não pode que apenas concluir-se que o legislador, tendo consagrado a possibilidade de proibição de acesso a que se refere o artigo 38º da Lei do jogo, impõe necessariamente um controlo de acesso às salas de jogos, de molde a impedir a entrada a indivíduos que não reúnam os necessários requisitos para a sua frequência, incluindo naturalmente os indivíduos cujo acesso às mesmas está proibido.
A decisão relativamente a este recurso foi procedente e a concessionária teve de, revogando a decisão anteriormente proferida.
A análise deste acórdão serve para constatar que o Direito Administrativo está bem presente, não só na atuação da administração pública, mas também por entidades que de alguma forma atuam em nome da administração pública como é o caso das concessionárias que tendo contratos com este são obrigados a cumprir as obrigações que visam garantir perante os particulares direitos e garantias de que estes gozam na esfera das suas relações com o Estado.
Assim, as concessionárias ao exercerem as suas competências perante o publico em geral, tem necessariamente de agir com o cumprimento de princípios tais como os que se encontram elencados no CPA. Ao considerar que a gestão destes espaços determinam, quer do ponto de viste financeiro, uma vez que grande parte do resultado da sua faturação reverte diretamente para os cofres do estado, quer por considerar que se aplicam normas e preceitos que relevam para direitos dos particulares, isto é, que produzem efeitos jurídicos externos, e a falta de respeito pelos procedimentos elencados na lei que rege esta atividade pede levar a atos nulos ou anuláveis quando postos em causa direitos que visam proteger os particulares dos efeitos desta atividade.
Como exemplo de tudo isto temos o que foi referido neste acórdão, que não foi mais do que uma atuação que seria da esfera do poder discricionário que a lei contemplava aos casinos, isto é, o espaço que a lei dava às concessionárias para que pudesse agir da melhor forma a fim de cumprir com a sua função de se os utentes do seu espaço cumpriam e eram portadores e detentores de tudo o que era necessário para lá poder entrar. O que já não era poder discricionário era a vertente vinculativa de ter o dever de verificar se de facto os frequentadores tinham condições de lá entrar e permanecer.
Alexandre Laurentino Turma B, subturma 15. Aluno 21235
Fontes para realização deste trabalho.
AC. do tribunal Central Administrativo Norte 00943/12.9BEAVR,
Decreto-Lei 422/89, de 2 de Fevereiro
Código de Procedimento Administrativo, 2015
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