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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Uma breve introdução ao Contrato Administrativo

 

 Uma breve introdução ao Contrato Administrativo

 

Cátia Ferreira Vilela

 

Integração do contrato administrativo no Direito Administrativo Português:

 Na visão de Diogo Freitas do Amaral e José Carlos Vieira de Andrade, a evolução dos contratos administrativos segue uma trajetória notável num período relativamente curto. Inicialmente, havia uma negação ou aversão à ideia de contratos administrativos, devido à perceção de incompatibilidade entre a liberdade contratual e os princípios da autoridade administrativa. Na época liberal, a administração limitava-se às funções essenciais do Estado, e os contratos privados eram usados apenas para negócios instrumentais.

Posteriormente, em Portugal e em outros países de influência francesa, os contratos administrativos foram admitidos para satisfazer necessidades de gestão, como obras públicas, aquisição de bens e serviços, e administração do domínio público. Esses contratos envolviam cláusulas exorbitantes, que conferiam à Administração poderes especiais para garantir o interesse público.

No entanto, a partir da segunda metade do século XX, ocorreram mudanças significativas que transformaram os contratos administrativos numa instituição moderna e essencial. As transformações na atividade administrativa, impulsionadas pelo Estado Social, levaram à adoção generalizada de contratos administrativos não apenas para obras materiais, mas também para atividades sob regimes de direito público.

Além disso, houve mudanças no conceito de contrato no direito privado, com ênfase na consensualidade e na publicitação dos conteúdos contratuais, aproximando assim os contratos de direito público e privado e facilitando a aceitação dos contratos administrativos.

Apesar da atual inexistência de uma incompatibilidade fundamental entre  o contrato e a autoridade administrativa, há certas ações administrativas que não podem ser realizadas por meio de contratos. O artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos, por exemplo, estabelece que os contratos administrativos podem ser celebrados pelos contraentes públicos, a menos que a lei ou a natureza das relações estabelecidas determinem o contrário.

 

Definição e características do Contrato Administrativo:

 

Um contrato administrativo é o acordo de vontades bilateral ou plurilateral, envolvendo sempre, pelo menos, um contraente público, sujeito a um regime substantivo de direito administrativo, como tal qualificado pela lei reguladora da contratação pública ou por lei especial. Portanto, é, em primeiro lugar, um contrato, ou seja, um acordo de vontades entre duas ou mais partes, pelo qual estas regulam os seus interesses ao abrigo do Direito, assim constituindo, modificando ou extinguindo uma relação jurídica, neste caso de cariz administrativo[1]

 

Esta figura, prevista nos artigos 200º a 202º do CPA é um instrumento jurídico fundamental utilizado pela Administração Pública para estabelecer relações com particulares, visando a consecução de interesses públicos. Ele distingue-se dos contratos privados pelas suas características específicas, que decorrem da natureza pública da Administração e da necessidade de submissão a um regime jurídico próprio do Direito Administrativo.

As suas características essenciais incluem:

1.      Partes Envolvidas: Presença de uma parte pública (Administração) e uma parte privada, com a Administração ocupando posição de supremacia. É uma das  principais características do contrato administrativo pois essa posição de supremacia  manifesta-se na inclusão de cláusulas exorbitantes, que conferem à Administração poderes especiais, como a possibilidade de alteração unilateral do contrato.

2.      Finalidade de Interesse Público: O objeto do contrato deve ter por finalidade a realização de atividades de interesse público, e não a mera satisfação de interesses privados. Nesse  sentido, o contrato administrativo está sujeito a princípios próprios do Direito Administrativo, como o princípio da legalidade, da finalidade pública, do equilíbrio económico-financeiro, entre outros. Tais princípios orientam a atuação da Administração Pública e limitam a sua discricionariedade na celebração e execução dos contratos.

3.      Regime Jurídico Específico: O contrato administrativo é regido por normas próprias do Direito Administrativo, com prerrogativas e restrições específicas.

4.      Cláusulas Exorbitantes: Inclusão de cláusulas que conferem à Administração Pública poderes especiais, como a possibilidade de alteração unilateral do contrato.

5.      Princípios Aplicáveis: Submissão aos princípios da legalidade, finalidade pública, equilíbrio económico-financeiro, entre outros.

 

 Formação e Tipos de Contrato Administrativo:

A formação do contrato administrativo segue procedimentos específicos, como a licitação pública, envolvendo a manifestação de vontade vinculante das partes. O regime  substantivo da Contratação Pública em Portugal, como nos diz o artigo 202º do CPA, está estabelecido no Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro

Este código define a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo. Estabelece prerrogativas e restrições específicas para a Administração e o contratado.

 As regras da contratação pública abrangem diversas fases, incluindo:

1.     Fase Preparatória: Inicia-se com a decisão de contratar e abrange uma fase preparatória do procedimento e uma fase instrutória, que termina na adjudicação, ou seja, após a licitação, ocorre a manifestação de vontade vinculante das partes, com a celebração do contrato administrativo propriamente dito. Essa celebração envolve a aceitação da proposta vencedora pela Administração Pública e a formalização do ajuste contratual.

 

2.     Fase Conclusiva: Envolve a celebração do contrato, com a respetiva redução a escrito, em suporte papel ou informático, salvo quando essa celebração seja inexigível ou dispensável.

  

3.  Fase Complementar: Quando a plena eficácia do contrato público depende de atos posteriores à sua celebração, como a aprovação, visto e publicidade.


 Antes de prosseguirmos para os tipos de contratos administrativos propriamente ditos, cabe-me expor, na visão doutrinária de José Carlos Vieira de Andrade, as classificações doutrinárias deste instrumento administrativo.

 Dentro do amplo espectro dos contratos administrativos, a doutrina estabeleceu diversas classificações e distinções, todas ainda relevantes, especialmente para determinar os regimes substantivos. Destacamos, neste contexto, as seguintes classificações, interligadas por critérios diversos:

1. Quanto ao Propósito:

Ø  Contratos de Colaboração: Nesses contratos, o cocontratante privado  compromete-se a contribuir para a realização de atividades administrativas, mediante remuneração. Isso pode envolver empreitadas, concessões de obras ou serviços públicos, administração de estabelecimentos públicos, prestação de serviços ou fornecimento de bens.

Ø  Contratos de Atribuição: Nestes contratos, o objetivo é conceder ao cocontratante privado uma posição de vantagem, em troca de contrapartida. Exemplos incluem concessões para uso privativo de domínio público ou concessões de jogos.

Ø  Contratos de Cooperação: Aqui, dois entes públicos concordam em realizar tarefas de interesse comum, com base na identidade ou complementaridade de suas atribuições.

 

2. Quanto à Relação entre as Partes:

Ø  Contratos de Subordinação: Nestes contratos, há uma relação funcional ascendente da Administração sobre o cocontratante. Isso pode  manifestar-se em:

·         Contratos de Colaboração Subordinada, onde um particular é associado ao exercício de funções administrativas, como em concessões de obras ou serviços públicos.

·         Contratos de Atribuição Subordinada, onde são conferidas posições dependentes da Administração, como em concessões de exploração de domínio público.

·         Contratos de Cooperação Subordinada, celebrados entre entidades públicas, onde uma delas se sujeita aos poderes de autoridade da outra.

 

Ø  Contratos de Não Subordinação: Aqui, não há essa ascendência funcional da Administração sobre o cocontratante, incluindo:

·         Contratos de Cooperação Inter administrativa Paritária, onde dois entes públicos contratam em pé de igualdade.

·         Contratos de Colaboração Não Subordinada, onde o cocontratante privado colabora no desempenho de uma tarefa pública, exercendo sua liberdade ou autonomia constitucional.

·         Contratos de Atribuição de Direitos, onde são conferidas posições não precárias ou não subordinadas, envolvendo atividades próprias dos privados, mas de interesse público.

3. Quanto ao Conteúdo ou Objeto:

Ø  Aqui, os contratos podem envolver objetos passíveis de atos administrativos, que substituem ou complementam atos de autoridade.

 

 

4. Quanto à eficácia subjetiva, há a considerar:

  • Ø  os contratos com efeitos principais restritos às partes (a generalidade

dos contratos);

  • Ø  os contratos com eficácia normativa externa (em especial, os contratos

de concessão de serviços públicos e de obras públicas ou de gestão de

estabelecimentos públicos, relativamente aos utentes, e, sendo caso

disso, às empresas prestadoras concorrentes).

 

Quanto aos tipos comuns  de contratos administrativos, destacam-se:

 

1.      Contratos de Obras Públicas: Têm por objeto a execução de obras de infraestrutura, como construção, reforma ou ampliação de edifícios, estradas, pontes, entre outros.

2.      Contratos de Prestação de Serviços: Envolvem a contratação de serviços de natureza intelectual ou material, como limpeza, vigilância, manutenção, entre outros.

3.      Contratos de Fornecimento de Bens: Referem-se à aquisição de bens móveis ou imóveis necessários ao funcionamento da Administração Pública.

Cada um desses tipos de contrato possui suas próprias particularidades e normas específicas, que devem ser observadas durante a sua celebração e execução.

 

Regime Substantivo e de Execução do Contrato Administrativo

 

O regime substantivo do contrato administrativo é, como mencionado anteriormente, o CCP que estabelece prerrogativas e restrições específicas para a Administração Pública e o contratado particular.

Dentre as principais prerrogativas da Administração, destacam-se:

  • Alteração unilateral do contrato: A Administração pode, justificadamente, alterar as cláusulas contratuais, mesmo sem a concordância do contratado.
  • Fiscalização da execução contratual: A Administração pode acompanhar e fiscalizar o cumprimento das obrigações pelo contratado.
  • Aplicação de sanções: A Administração pode aplicar penalidades, como multas e rescisão contratual, em caso de descumprimento das obrigações pelo contratado.

Por outro lado, o contratado particular também possui alguns direitos, como o direito ao equilíbrio económico-financeiro do contrato e à manutenção das condições efetivas da proposta.

No que se refere ao regime de execução, este envolve a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais, a possibilidade de alterações contratuais mediante justificativa, as garantias e sanções previstas, e os procedimentos em caso de rescisão contratual.

 

Conclusão:

O contrato administrativo é de extrema relevância para a Administração Pública, pois permite a realização de obras, a prestação de serviços e a aquisição de bens necessários para o funcionamento do Estado.

Ele garante a eficiência na gestão dos recursos públicos, a transparência nas relações entre o setor público e privado, e a legalidade na execução de atividades de interesse público. Além disso, o contrato administrativo contribui para a promoção do desenvolvimento econômico e social, a melhoria da infraestrutura e a prestação de serviços de qualidade à sociedade. A sua correta aplicação é fundamental para assegurar a consecução dos objetivos da Administração Pública, respeitando os princípios e normas do Direito Administrativo.

Nesse contexto, a distinção entre o contrato administrativo e o contrato privado é essencial, pois reflete a natureza pública da Administração e a necessidade de submissão a um regime jurídico específico, com prerrogativas e restrições próprias. Essa diferenciação garante a segurança jurídica, a uniformidade na aplicação das normas e o adequado controle e fiscalização dos atos administrativos.

Concluindo, o contrato administrativo é um instrumento indispensável para a Administração Pública, permitindo a realização de atividades essenciais para o atendimento do interesse público, com a devida observância dos princípios e normas do Direito Administrativo. Sua correta compreensão e aplicação são fundamentais para a eficiente e transparente gestão dos recursos públicos.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo Volume II, 2º edição, Almedina, 2011.

 

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 12º Edição, 2016.

 

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, Lições de Direito Administrativo, 5º edição, Coimbra Jurídica, 2015.

 

 

 

 

Cátia Ferreira Vilela, nº de aluna 65988.

Turma B, Subturma 15.



[1] Definição de Contrato Administrativo por Diário da República, disponível em Contrato administrativo | DR (diariodarepublica.pt)

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