Uma breve introdução ao Contrato
Administrativo
Cátia Ferreira
Vilela
Integração do contrato
administrativo no Direito Administrativo Português:
Na visão de Diogo Freitas do Amaral e José Carlos
Vieira de Andrade, a evolução dos contratos administrativos segue uma
trajetória notável num período relativamente curto. Inicialmente, havia uma
negação ou aversão à ideia de contratos administrativos, devido à perceção de
incompatibilidade entre a liberdade contratual e os princípios da autoridade
administrativa. Na época liberal, a administração limitava-se às funções
essenciais do Estado, e os contratos privados eram usados apenas para negócios
instrumentais.
Posteriormente, em Portugal e em
outros países de influência francesa, os contratos administrativos foram
admitidos para satisfazer necessidades de gestão, como obras públicas,
aquisição de bens e serviços, e administração do domínio público. Esses contratos
envolviam cláusulas exorbitantes, que conferiam à Administração poderes
especiais para garantir o interesse público.
No entanto, a partir da segunda
metade do século XX, ocorreram mudanças significativas que transformaram os
contratos administrativos numa instituição moderna e essencial. As
transformações na atividade administrativa, impulsionadas pelo Estado Social,
levaram à adoção generalizada de contratos administrativos não apenas para
obras materiais, mas também para atividades sob regimes de direito público.
Além disso, houve mudanças no
conceito de contrato no direito privado, com ênfase na consensualidade e na publicitação
dos conteúdos contratuais, aproximando assim os contratos de direito público e
privado e facilitando a aceitação dos contratos administrativos.
Apesar da atual inexistência de
uma incompatibilidade fundamental entre o contrato e a autoridade administrativa, há
certas ações administrativas que não podem ser realizadas por meio de
contratos. O artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos, por exemplo, estabelece
que os contratos administrativos podem ser celebrados pelos contraentes
públicos, a menos que a lei ou a natureza das relações estabelecidas determinem
o contrário.
Definição e
características do Contrato Administrativo:
“ Um contrato administrativo é o acordo de
vontades bilateral ou plurilateral, envolvendo sempre, pelo menos, um
contraente público, sujeito a um regime substantivo de direito administrativo,
como tal qualificado pela lei reguladora da contratação pública ou por lei
especial. Portanto, é, em primeiro lugar, um contrato, ou seja, um acordo de
vontades entre duas ou mais partes, pelo qual estas regulam os seus interesses
ao abrigo do Direito, assim constituindo, modificando ou extinguindo uma
relação jurídica, neste caso de cariz administrativo”[1]
Esta figura, prevista nos
artigos 200º a 202º do CPA é um instrumento jurídico fundamental utilizado pela
Administração Pública para estabelecer relações com particulares, visando a
consecução de interesses públicos. Ele distingue-se dos contratos privados pelas
suas características específicas, que decorrem da natureza pública da
Administração e da necessidade de submissão a um regime jurídico próprio do
Direito Administrativo.
As suas características
essenciais incluem:
1.
Partes Envolvidas:
Presença de uma parte pública (Administração) e uma parte privada, com a
Administração ocupando posição de supremacia. É uma das principais características do contrato
administrativo pois essa posição de supremacia manifesta-se na inclusão de cláusulas
exorbitantes, que conferem à Administração poderes especiais, como a
possibilidade de alteração unilateral do contrato.
2.
Finalidade de Interesse
Público: O objeto do contrato deve ter por finalidade a realização de
atividades de interesse público, e não a mera satisfação de interesses
privados. Nesse sentido, o contrato
administrativo está sujeito a princípios próprios do Direito Administrativo,
como o princípio da legalidade, da finalidade pública, do equilíbrio económico-financeiro,
entre outros. Tais princípios orientam a atuação da Administração Pública e
limitam a sua discricionariedade na celebração e execução dos contratos.
3.
Regime Jurídico
Específico: O contrato administrativo é regido por normas
próprias do Direito Administrativo, com prerrogativas e restrições específicas.
4.
Cláusulas Exorbitantes:
Inclusão de cláusulas que conferem à Administração Pública poderes especiais,
como a possibilidade de alteração unilateral do contrato.
5.
Princípios Aplicáveis:
Submissão aos princípios da legalidade, finalidade pública, equilíbrio económico-financeiro,
entre outros.
Formação e Tipos de Contrato Administrativo:
A formação do contrato
administrativo segue procedimentos específicos, como a licitação pública,
envolvendo a manifestação de vontade vinculante das partes. O regime substantivo da Contratação Pública em
Portugal, como nos diz o artigo 202º do CPA, está estabelecido no Código
dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
18/2008, de 29 de janeiro.
Este código define a disciplina
aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos
que revistam a natureza de contrato administrativo. Estabelece prerrogativas e
restrições específicas para a Administração e o contratado.
As regras da contratação pública abrangem
diversas fases, incluindo:
1. Fase Preparatória:
Inicia-se com a decisão de contratar e abrange uma fase preparatória do
procedimento e uma fase instrutória, que termina na adjudicação, ou seja, após
a licitação, ocorre a manifestação de vontade vinculante das partes, com a
celebração do contrato administrativo propriamente dito. Essa celebração
envolve a aceitação da proposta vencedora pela Administração Pública e a
formalização do ajuste contratual.
2. Fase Conclusiva: Envolve
a celebração do contrato, com a respetiva redução a escrito, em suporte papel
ou informático, salvo quando essa celebração seja inexigível ou dispensável.
3. Fase Complementar: Quando a plena eficácia do contrato público depende de atos posteriores à sua celebração, como a aprovação, visto e publicidade.
Antes de prosseguirmos para os tipos de
contratos administrativos propriamente ditos, cabe-me expor, na visão
doutrinária de José Carlos Vieira de Andrade, as classificações doutrinárias
deste instrumento administrativo.
Dentro do amplo espectro dos contratos
administrativos, a doutrina estabeleceu diversas classificações e distinções,
todas ainda relevantes, especialmente para determinar os regimes substantivos.
Destacamos, neste contexto, as seguintes classificações, interligadas por
critérios diversos:
1. Quanto ao Propósito:
Ø Contratos de Colaboração: Nesses contratos, o cocontratante
privado compromete-se a contribuir para
a realização de atividades administrativas, mediante remuneração. Isso pode
envolver empreitadas, concessões de obras ou serviços públicos, administração
de estabelecimentos públicos, prestação de serviços ou fornecimento de bens.
Ø Contratos de Atribuição: Nestes contratos, o
objetivo é conceder ao cocontratante privado uma posição de vantagem, em troca
de contrapartida. Exemplos incluem concessões para uso privativo de domínio
público ou concessões de jogos.
Ø Contratos de Cooperação: Aqui, dois entes
públicos concordam em realizar tarefas de interesse comum, com base na
identidade ou complementaridade de suas atribuições.
2. Quanto à Relação entre as
Partes:
Ø Contratos de Subordinação: Nestes contratos, há uma
relação funcional ascendente da Administração sobre o cocontratante. Isso pode manifestar-se em:
·
Contratos de Colaboração
Subordinada, onde um particular é associado ao exercício de funções
administrativas, como em concessões de obras ou serviços públicos.
·
Contratos de Atribuição
Subordinada, onde são conferidas posições dependentes da Administração, como em
concessões de exploração de domínio público.
·
Contratos de Cooperação
Subordinada, celebrados entre entidades públicas, onde uma delas se sujeita aos
poderes de autoridade da outra.
Ø Contratos de Não Subordinação: Aqui,
não há essa ascendência funcional da Administração sobre o cocontratante,
incluindo:
·
Contratos de Cooperação Inter administrativa Paritária, onde dois entes públicos contratam em pé de
igualdade.
·
Contratos de Colaboração
Não Subordinada, onde o cocontratante privado colabora no desempenho de uma
tarefa pública, exercendo sua liberdade ou autonomia constitucional.
·
Contratos de Atribuição
de Direitos, onde são conferidas posições não precárias ou não subordinadas,
envolvendo atividades próprias dos privados, mas de interesse público.
3. Quanto ao Conteúdo ou Objeto:
Ø Aqui,
os contratos podem envolver objetos passíveis de atos administrativos, que
substituem ou complementam atos de autoridade.
4. Quanto à eficácia subjetiva,
há a considerar:
- Ø os
contratos com efeitos principais restritos às partes (a generalidade
dos contratos);
- Ø os
contratos com eficácia normativa externa (em especial, os contratos
de concessão de serviços
públicos e de obras públicas ou de gestão de
estabelecimentos públicos,
relativamente aos utentes, e, sendo caso
disso, às empresas prestadoras
concorrentes).
Quanto aos tipos comuns de contratos administrativos, destacam-se:
1.
Contratos de Obras
Públicas: Têm por objeto a execução de obras de infraestrutura, como
construção, reforma ou ampliação de edifícios, estradas, pontes, entre outros.
2.
Contratos de Prestação de
Serviços: Envolvem a contratação de serviços de natureza intelectual
ou material, como limpeza, vigilância, manutenção, entre outros.
3.
Contratos de Fornecimento
de Bens: Referem-se à aquisição de bens móveis ou imóveis
necessários ao funcionamento da Administração Pública.
Cada um desses tipos de contrato
possui suas próprias particularidades e normas específicas, que devem ser
observadas durante a sua celebração e execução.
Regime Substantivo
e de Execução do Contrato Administrativo
O regime substantivo do contrato
administrativo é, como mencionado anteriormente, o CCP que estabelece
prerrogativas e restrições específicas para a Administração Pública e o
contratado particular.
Dentre as principais
prerrogativas da Administração, destacam-se:
- Alteração unilateral do contrato: A
Administração pode, justificadamente, alterar as cláusulas contratuais,
mesmo sem a concordância do contratado.
- Fiscalização da execução contratual: A
Administração pode acompanhar e fiscalizar o cumprimento das obrigações
pelo contratado.
- Aplicação de sanções: A
Administração pode aplicar penalidades, como multas e rescisão contratual,
em caso de descumprimento das obrigações pelo contratado.
Por outro lado, o contratado
particular também possui alguns direitos, como o direito ao equilíbrio económico-financeiro
do contrato e à manutenção das condições efetivas da proposta.
No que se refere ao regime de
execução, este envolve a fiscalização do cumprimento das obrigações
contratuais, a possibilidade de alterações contratuais mediante justificativa,
as garantias e sanções previstas, e os procedimentos em caso de rescisão
contratual.
Conclusão:
O contrato administrativo é de extrema
relevância para a Administração Pública, pois permite a realização de
obras, a prestação de serviços e a aquisição de bens necessários para o
funcionamento do Estado.
Ele garante a eficiência na
gestão dos recursos públicos, a transparência nas relações entre o setor
público e privado, e a legalidade na execução de atividades de interesse
público. Além disso, o contrato administrativo contribui para a promoção do
desenvolvimento econômico e social, a melhoria da infraestrutura e a prestação
de serviços de qualidade à sociedade. A sua correta aplicação é fundamental
para assegurar a consecução dos objetivos da Administração Pública, respeitando
os princípios e normas do Direito Administrativo.
Nesse contexto, a distinção
entre o contrato administrativo e o contrato privado é essencial, pois reflete
a natureza pública da Administração e a necessidade de submissão a um regime
jurídico específico, com prerrogativas e restrições próprias. Essa diferenciação
garante a segurança jurídica, a uniformidade na aplicação das normas e o
adequado controle e fiscalização dos atos administrativos.
Concluindo, o contrato
administrativo é um instrumento indispensável para a Administração Pública,
permitindo a realização de atividades essenciais para o atendimento do
interesse público, com a devida observância dos princípios e normas do Direito
Administrativo. Sua correta compreensão e aplicação são fundamentais para a
eficiente e transparente gestão dos recursos públicos.
BIBLIOGRAFIA:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso
de Direito Administrativo Volume II, 2º edição, Almedina, 2011.
CAUPERS, João, Introdução ao
Direito Administrativo, 12º Edição, 2016.
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos,
Lições de Direito Administrativo, 5º edição, Coimbra Jurídica, 2015.
Cátia Ferreira Vilela, nº de
aluna 65988.
Turma B, Subturma 15.
[1]
Definição de Contrato Administrativo por Diário da República, disponível em Contrato
administrativo | DR (diariodarepublica.pt)
Sem comentários:
Enviar um comentário