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quarta-feira, 1 de maio de 2024

O Regulamento Adminisrativo e os seus Limites

No presente artigo iremos explorar e construir a acessão de regulamento administrativo, conjugando as suas características e elementos específicos, assim como analisar a delimitação das fronteiras enerentes aos regulamentos, através do estudo do poder regulamentar da administração pública e os seus condiconamentos.

Primeiramente, penso que seja de delicada importância referir que os regulamentos administrativos são um conjunto de normas jurídicas, gerais e abstratas, “editadas por uma autoridade administrativa”[1], no exercício de poderes jurídico-administrativos e “[indispensáveis] ao funcionamento do Estado moderno”[2], visando a produção de efeitos jurídicos externos, tendo em conta o presente no Artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo. O Professor Vasco Pereira da Silva faz duas críticas a este preceito, pois, no seu entender, ao se mencionarem apenas os efeitos jurídicos externos do regulamento faz parecer que se estão a excluir os regulamentos internos da regulamentação, por parte do legislador. Em paralelo, o Professor também faz alusão  à utilização da palavra “e” aquando da referência a “normas  gerais e abstratas”, que no seu entender deveria ser substituída pela conjunção “ou”, de modo a que ficasse “normas gerais ou abstratas”. Nas palavras do Professor José Carlos Vieira de Andrade, “os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades competentes no exercício da função administrativa, com valor infra-legal («regulamentar») e destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas[3]. Adicionalmente, o regime dos Regulamentos Administrativos encontra-se nos termos dos Artigos 135º e seguintes (no que toca à atividade administrativa) e 97º e seguintes (no que respeita ao procedimento do regulamento administrativo) do Código do Procedimento Administrativo.

Paralelamente, e como adição curiosa (mas de cariz importante), penso que seja relevante mencionar o Princípio da Inderrogabilidade Singular dos Regulamentos, isto é, um ato administativo (decisão jurídico-administrativa que visa produzir efeitos externos numa situação individual, Artigo 148º do Código do Procedimento Administativo) não pode alterar um regulamento, pois este é uma norma jurídica e “o ato nunca é uma norma jurídica, mas sim o resultado da aplicação de uma norma a um caso individual e concreto”, segundo a Professora Beatriz García.

Os regulamentos administrativos são também uma fonte secundária do Direito Administrativo, contendo três elementos essenciais: 1) a sua natureza material; 2)a sua natureza funcional; 3) a sua natureza orgânico-formal. Neste contexto, o regulamento administrativo é material, pois é provido de abstração (não se aplicam a um caso concreto) e generalidade (aplicam-se a um conjunto indeterminado de pessoas); é funcional, visto que surge do exercício dos poderes jurídicos administrativos; e é orgânico-formal, porque é emitido por “um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei”, segundo o disposto no Artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo.

Assim sendo, a Constituição aparece como um dos limites aos regulamentos administrativos, visto que “contém várias regras sobre competência e forma dos regulamentos administrativos”[4]. Quer isto dizer que o exercício dos poderes jurídico-administrativos se encontram hierarquicamente a baixo da Constituição (como é usual), tendo os seus parâmetros de validade regulados por esta. Neste sentido, em caso de violação da Constituição, por parte do regulamento (da administração), este é tido como inconstitucional, assim como ilegal se contrariar uma lei.

No que diz respeito à lei, o regulamento administrativo está também condicionado pelo Princípio da Legalidade, ou seja, a Administração Pública apenas pode agir “com fundamento na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos”[5]. Ora, este princípio divide-se em duas vertentes: o Princípio da Preferência da Lei; e o Princípio da Reserva de Lei; tendo como principais objetivos “assegurar o primado do poder legislativo sobre o poder administrativo”[6], visto que a lei deverá ter total prevalência sobre os regulamentos (prevalência da lei) e assegurar os direitos, interesses e garantias dos particulares.

No que toca ao Princípio da Reserva de Lei, esta surge como uma “área” condicionante do poder regulamentar, com vista à reserva da lei para as esferas, especificamente guardadas, de âmbito constitucional. A esta ramificação do Princípio chamamos de Princípio da Reserva Material da Lei, ou seja, o poder de regulamentar fica interdito de administar as matérias que se encontram estrita e constitucionalmente dirigidas à lei. Existe, no entanto, uma excepção a esta regra (apesar de muito limitada), que apenas se aplica aos regulamentos de execução. Por sua vez, os regulamentos administativos de execução caracterizam-se por se limitarem a concretizar normas legais, devendo “indicar expressamente as leis que visam regulamentar”, de acordo com o Artigo 112º, nº7 da Constituição da República Portuguesa, e são dotados desta característa excepcional salvante em casos específicos, tais como por exemplo no que consta às matérias reservadas que advém dos direitos fundamentais ou na “definição dos limites essenciais dos impostos”[7], entre outros,.... Assim, no que se refere à reserva de competência legislativa da Assembleia da República, presente nos termos dos Artigos 164º e 165º da Constituição da República Portuguesa, o Governo apenas pode editar normas sob a forma de decreto-lei e com a devida autorização da Assembleia da República (reserva relativa de competência legislativa correspondente aos termos do Artigo 165º da Constituição da República Portuguesa) e emitir regulamentos de execução (reserva absoluta de competência legislativa nos termos do Artigo 164º da Constituição da República Portuguesa).

Por outro lado, (e tendo em conta a ramificação anteriormente mencionada do Princípio da Reserva de Lei)  a precedência da lei é a segunda limitação que advém deste princípio, usfruindo do seu próprio ramo condicionante. Isto significa que todos os regulamentos administrativos devem proceder de habilitação legal, segundo o disposto nos termos do Artigo 136º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo, que refere que a emissão de regulamentos administrativos “depende sempre de lei habilitante” e “ devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar, e de acordo com a norma prevista no nº7 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa. Esta norma é de especial importância, pois todas as entidades administrativas usufruem de competência regulamentar e os regulamentos são normas da função administativa, necessitando a sua emissão, por isso, de estar subordinada à lei.  Assim, estando o poder administrativo ao abrigo do Princípio da Legalidade (segundo os termos dos Artigos 266º, nº1 e 3º, nº1 da Constituição da República Portuguesa e do Código do Procedimento Administrativo, correspondentemente) é necessário que, para uma determinada entidade emita um determinado regulamento, haja permissão legal para tal.

Quanto a este assunto, tem havido uma grande discussão doutrinária sobre se os regulamentos independentes, isto é, regulamentos que podem conter normas  inovadoras, “no âmbito das atribuições das entidades que os emitam”, segundo o Artigo 136º, nº3 do Código do Procedimento Administrativo e o Artigo 112º, nº6 da Constituição da República Portuguesa, ou, segundo o Professor José Carlos Vieira de Andrade, regulamentos que “embora não dispensem uma norma legal que fixe a respectiva competência (norma habilitante), não visam executar, complementar ou aplicar uma lei específica (não têm como objecto uma determinada lei), mas, sim, dinamizar a ordem jurídica em geral”[8], podem ser diretamente emitidos com base na Constituição ou se necessitam de fundamento legal prévio. Na visão do Professor Diogo Freitas do Amaral, estes regulamentos não podem ser considerados totalmente independentes, pois a “dupla exigência constante da letra”[9] do Artigo 112º, nº7, da Constituição da República Portuguesa, “desautoriza claramente a emanação de regulamentos (...) isentos de fundamento legal prévio”[10]. Quer isto dizer que, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, o regulamento independente tem uma natureza normativa (visto que inova o regime) e não é esse o objetivo da administração pública (isso seria colocar a administração pública ao lado de um legislador). Como os regulamentos independentes são também uma manifestação do Direito Administrativo, não faria sentido mencionar que são como leis em sentido material, daí que a Constituição determina a obrigação de uma lei prévia para aexecução do poder regulamentar. Outro fundamento do Professor é que não faria sentido haver a possibilidade de administrar um regulamento totalmente independente, por parte do Governo, pois “equivaleria a tornar (...) desnecessária a admissibilidade da emanação de decretos-lei”[11]. Em paralelo, de acordo com a disposição do Artigo 136º, nº2 do Código do Procedimento Administrativo, é necessário que se cumpra o dever de citação da lei habilitante, ou seja, os regulamentos administrativos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar, incluindo os regulamentos independentes com pena de sofrerem de inconstitucionalidade formal.

De outra perspetiva, a jurisprudência consentiu, de acordo com o Acórdão n.º 357/99, que a norma presente no Artigo 112º, nº7 da Constituição da República Portuguesa não exige a menção da lei que oferece competência a determinado regulamento na extensão em causa, mas sim apenas a referência à sua habilitação legal no articulado do regulamento apesar de, segundo com o Acórdão n.º 110/95, nela não constar a “expressa indicação de que se pretendia proceder à regulamentação daquela lei”[12]. Assiste-se, portanto, à suavização do carácter de rigor formalista no cumprimento da indicação expressa das leis que se visam regulamentar, constatando-se um contraste com as decisões jurisprudênciais, como é o exemplo do Acórdão n.º 457/94.

Paralelamente, os Princípios Gerais de Direito constituem também um limite aos regulamentos administrativos, dadas as suas características independentes em relação às instituições, ou, na acessão do Professor Afonso Queiró, são “um conjunto de máximas ou diretrizes jurídicas pré-estaduais, autónomas em relação às decisões do legislador constituinte e cuja validade e obrigatoriedade não depende do facto de serem acolhidas na constituição escrita de um Estado que se diga Estado de Direito”[13], isto é, os Princípios Gerais de Direito estão hierarquizados acima dos regulamentos administrativos devido à sua raíz autónoma e obrigatória, no que se refere às decisões do legislador e ao poder regulamentar. Caso um regulamento viole um destes princípios é tido como inválido, assim como se for desconforme à Constiuição, à Lei e se infringir normas de Direito da União Europeia ou de Direito Internacional.

Relativamente ao poder regulamentar das Autarquias Locais e, de acordo com o disposto no Artigo 241º da Constituição da República Portuguesa, estas dispõem de poder regulamentar próprio (dentro dos limites da lei), não podendo os regulamentos editados por órgãos da freguesia contrariar as matérias regulamentadas pelos regulamentos do município dessa mesma freguesia, tendo em consideração a disposição presente no Artigo 138º, nº2 do Código do Procedimento Administrativo. Este limite vai, assim, de encontro ao intuito de não haver duas normas em vigor que se contrariem no mesmo teritório (de modo a não haver discrepância entre normas que possam obrigar alguém a duas situações que se contraditam).

Noutro aspeto, porém inclusive a esta matéria retratada no parágrafo anterior, o poder regulamentar padece dos aspetos da organização sistemática e estruturada das leis. Isto significa que existe uma amplitude hierárquica entre regulamentos editados por determinados órgãos, ou seja, no que concerne a “regulamentos governamentais, no domínio das atribuições concorrentes de Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, [estes] prevalecem sobre os regulamentos regionais e autárquicos das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, consoante os termos do Artigo 138º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo. Em caso de violação, por parte de regulamentos, desta hieraquia (desrespeito de regulamentos emanados por órgãos hierarquicamente superiores ao próprio), o regulamento será tido como inválido, por norma do Artigo 143º, nº2/a) do Código do Procedimento Administrativo. Neste ponto, o Professor Vasco Pereira da Silva defende que esta invalidade não é tida como uma nulidade nem como uma anulabilidade, mas sim que faz parte de um regime sui generis decorrente de uma realidade de natureza declarativa.

Não obstante, é fundamental não cair no erro de estabelecer uma hierarquia entre os regulamentos governamentais dispostos nos termos do Artigo 138º, nº3 do Código do Procedimento Administrativo. Este aspeto é de grande relevância, pois é integrante compreender que o raciocínio previsto nesta norma é apenas no sentido de existir um critério de resolução de conflitos normativos na resolução de casos práticos. Não são estabelecidos juízos invalidantes, logo não se aplicaria o critério da invalidade previsto na disposição do Artigo 143º do Código do Procedimento Administrativo. Como a própria disposição do Artigo 138º, nº3 do Código do Procedimento Administrativo refere, é estabelecida apenas uma ordem de prevalência, que neste caso seria: 1) decretos regulamentares; 2) resoluções de Conselho de Ministros com conteúdo normativo; 3) portarias; 4)despachos.

Adicionalmente, os regulamentos administrativos não podem ter eficácia retroativa, segundo a disposição presente no Artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo. O poder regulamentar é, neste sentido, restringido por não poder atribui efeitos retroativos a regulamentos que imponham encargos, ónus, deveres, “sujeições ou sanções que causem prejuízos ou restrinjam direitos e interesses legalmente protegidos”, ou noutros termos, que se refiram a situações de desvantagens dos particulares, este condiconamento surge com a finalidade de proteger o particular da melhor forma possível. Em paralelo, também tem de ser respeitada a norma vigente do nº2 do Artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo, que proíbe a retroatividade dos efeitos da norma regulamentar que se reporte a período antecedente à da data da lei habilitante.

No que se refere às restrições de competência e de forma, o poder regulamentar apenas pode ser exercido pelos órgãos com competência para tal, sendo que, caso não se verifique este aspeto, o regulamento administrativo que for editado por órgão não competente padecerá de iligalidade ou inconstitucionalidade orgânica. A este condiconamento adicona-se também o limite inverso, que faz alusão à vinculação do órgão competente para dispor do poder regulamentar às formas e formalidades legalmente fixadas na edição da norma regulamentar administrativa.

Em suma, é de notar que os regulamentos administrativos são normas jurídicas de função administrativa, posicinando-se hierarquicamente abaixo da função legislativa. Quer isto dizer que, segundo a pirâmide de Kelsen, em primeiro lugar (no topo) está a Constituição, seguindo-se a lei em sentido formal, e apenas adiante se encontra a função administrativa (subordinada, por isso, à lei, com base nos termos dos Artigos 266º, nº1 da Constituição da República Portuguesa e 3º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo). O poder regulamentar é, portanto, tido como limitado nestes aspetos, mas não deixa de ser de grande importância para a administração do país. Assim, podemos concluir que o regulamento administrativo é alvo de alguns condicionamentos, mas todos necessários para que a boa administração ocorra e para que o país, em termos estruturais, se desenvolva organizadamente, tendo em conta todos os aspetos para o seu bom funcionamento e a asseguração dos direitos, interesses e garantias dos particulares. O poder regulamentar surge, portanto, como um instrumento indispensável à produção de efeitos jurídicos externos que contribuem para o bem-estar devidamente regulado.



[1] Caupers, João; Eiró, Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.

[2] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

[3] Carlos Vieira de Andrade, José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.

[4] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

[5] Caupers, João; Eiró, Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.

[6] Caupers, João; Eiró, Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.

[7] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição. e Acórdão n.º 63/99 sobre o limite constitucional da reserva de lei em matéria de impostos.

[8] Carlos Vieira de Andrade, José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.

[9] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

[10] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

[11] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

[12] Carlos Vieira de Andrade, José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.

[13] Queiró, Afonso, Lições de Direito Administrativo, Volume I.

 

Bibliografia e Webgrafia

·         Carlos Vieira de Andrade, José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.

·         Caupers, João; Eiró, Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.

·         Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.

·         Queiró, Afonso, Lições de Direito Administrativo, Volume I.

·         Acórdão n.º 63/99 sobre o limite constitucional da reserva de lei em matéria de impostos.

·         https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/regulamento-administrativo

·         Acórdão n.º 457/94

·         Acórdão n.º 357/99

·         Acórdão n.º 110/95



Realizado por: Adriana Turnes, nº68224, subturma 15

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