No presente artigo iremos explorar e construir a acessão de regulamento administrativo, conjugando as suas características e elementos específicos, assim como analisar a delimitação das fronteiras enerentes aos regulamentos, através do estudo do poder regulamentar da administração pública e os seus condiconamentos.
Primeiramente,
penso que seja de delicada importância referir que os regulamentos
administrativos são um conjunto de normas jurídicas, gerais e abstratas,
“editadas por uma autoridade administrativa”[1], no exercício de poderes
jurídico-administrativos e “[indispensáveis] ao funcionamento do Estado
moderno”[2], visando a produção de
efeitos jurídicos externos, tendo em conta o presente no Artigo 135º do Código
do Procedimento Administrativo. O Professor Vasco Pereira da Silva faz duas
críticas a este preceito, pois, no seu entender, ao se mencionarem apenas os
efeitos jurídicos externos do regulamento faz parecer que se estão a excluir os
regulamentos internos da regulamentação, por parte do legislador. Em paralelo,
o Professor também faz alusão à
utilização da palavra “e” aquando da referência a “normas gerais e abstratas”, que no seu entender
deveria ser substituída pela conjunção “ou”, de modo a que ficasse “normas
gerais ou abstratas”. Nas palavras do Professor José Carlos Vieira de Andrade, “os
regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades
competentes no exercício da função administrativa, com valor infra-legal
(«regulamentar») e destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas
equiparadas”[3].
Adicionalmente, o regime dos Regulamentos Administrativos encontra-se nos
termos dos Artigos 135º e seguintes (no que toca à atividade administrativa) e
97º e seguintes (no que respeita ao procedimento do regulamento administrativo)
do Código do Procedimento Administrativo.
Paralelamente, e
como adição curiosa (mas de cariz importante), penso que seja relevante
mencionar o Princípio da Inderrogabilidade Singular dos Regulamentos, isto é,
um ato administativo (decisão jurídico-administrativa que visa produzir efeitos
externos numa situação individual, Artigo 148º do Código do Procedimento
Administativo) não pode alterar um regulamento, pois este é uma norma jurídica
e “o ato nunca é uma norma jurídica, mas sim o resultado da aplicação de uma
norma a um caso individual e concreto”, segundo a Professora Beatriz García.
Os regulamentos
administrativos são também uma fonte secundária do Direito Administrativo,
contendo três elementos essenciais: 1) a sua natureza material; 2)a sua
natureza funcional; 3) a sua natureza orgânico-formal. Neste contexto, o
regulamento administrativo é material, pois é provido de abstração (não se
aplicam a um caso concreto) e generalidade (aplicam-se a um conjunto
indeterminado de pessoas); é funcional, visto que surge do exercício dos
poderes jurídicos administrativos; e é orgânico-formal, porque é emitido por
“um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal
habilitada por lei”, segundo o disposto no Artigo 135º do Código do
Procedimento Administrativo.
Assim sendo, a
Constituição aparece como um dos limites aos regulamentos administrativos,
visto que “contém várias regras sobre competência e forma dos regulamentos
administrativos”[4]. Quer isto dizer que o
exercício dos poderes jurídico-administrativos se encontram hierarquicamente a
baixo da Constituição (como é usual), tendo os seus parâmetros de validade
regulados por esta. Neste sentido, em caso de violação da Constituição, por parte
do regulamento (da administração), este é tido como inconstitucional, assim
como ilegal se contrariar uma lei.
No que diz respeito
à lei, o regulamento administrativo está também condicionado pelo Princípio da
Legalidade, ou seja, a Administração Pública apenas pode agir “com fundamento
na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos”[5]. Ora, este
princípio divide-se em duas vertentes: o Princípio da Preferência da Lei; e o
Princípio da Reserva de Lei; tendo como principais objetivos “assegurar o
primado do poder legislativo sobre o poder administrativo”[6], visto que a
lei deverá ter total prevalência sobre os regulamentos (prevalência da lei) e
assegurar os direitos, interesses e garantias dos particulares.
No que toca ao
Princípio da Reserva de Lei, esta surge como uma “área” condicionante do poder
regulamentar, com vista à reserva da lei para as esferas, especificamente
guardadas, de âmbito constitucional. A esta ramificação do Princípio
chamamos de Princípio da Reserva Material da Lei, ou seja, o poder de
regulamentar fica interdito de administar as matérias que se encontram estrita
e constitucionalmente dirigidas à lei. Existe, no entanto, uma excepção a esta
regra (apesar de muito limitada), que apenas se aplica aos regulamentos de
execução. Por sua vez, os regulamentos administativos de execução
caracterizam-se por se limitarem a concretizar normas legais, devendo “indicar
expressamente as leis que visam regulamentar”, de acordo com o Artigo 112º, nº7
da Constituição da República Portuguesa, e são dotados desta característa
excepcional salvante em casos específicos, tais como por exemplo no que consta
às matérias reservadas que advém dos direitos fundamentais ou na “definição dos
limites essenciais dos impostos”[7], entre
outros,.... Assim, no que se refere à reserva de competência legislativa da
Assembleia da República, presente nos termos dos Artigos 164º e 165º da
Constituição da República Portuguesa, o Governo apenas pode editar normas sob a
forma de decreto-lei e com a devida autorização da Assembleia da República
(reserva relativa de competência legislativa correspondente aos termos do
Artigo 165º da Constituição da República Portuguesa) e emitir regulamentos de
execução (reserva absoluta de competência legislativa nos termos do Artigo 164º
da Constituição da República Portuguesa).
Por outro lado, (e
tendo em conta a ramificação anteriormente mencionada do Princípio da
Reserva de Lei) a precedência da lei é a
segunda limitação que advém deste princípio, usfruindo do seu próprio ramo
condicionante. Isto significa que todos os regulamentos administrativos devem
proceder de habilitação legal, segundo o disposto nos termos do Artigo 136º,
nº1 do Código do Procedimento Administrativo, que refere que a emissão de
regulamentos administrativos “depende sempre de lei habilitante” e “ devem indicar
expressamente as leis que visam regulamentar, e de acordo com a norma prevista
no nº7 do Artigo 112º da Constituição da República Portuguesa. Esta norma é de
especial importância, pois todas as entidades administrativas usufruem de
competência regulamentar e os regulamentos são normas da função administativa,
necessitando a sua emissão, por isso, de estar subordinada à lei. Assim, estando o poder administrativo ao
abrigo do Princípio da Legalidade (segundo os termos dos Artigos 266º, nº1 e
3º, nº1 da Constituição da República Portuguesa e do Código do Procedimento
Administrativo, correspondentemente) é necessário que, para uma determinada
entidade emita um determinado regulamento, haja permissão legal para tal.
Quanto a este
assunto, tem havido uma grande discussão doutrinária sobre se os regulamentos
independentes, isto é, regulamentos que podem conter normas inovadoras, “no âmbito das atribuições das
entidades que os emitam”, segundo o Artigo 136º, nº3 do Código do Procedimento
Administrativo e o Artigo 112º, nº6 da Constituição da República Portuguesa,
ou, segundo o Professor José Carlos Vieira de Andrade, regulamentos que “embora
não dispensem uma norma legal que fixe a respectiva competência (norma
habilitante), não visam executar, complementar ou aplicar uma lei específica
(não têm como objecto uma determinada lei), mas, sim, dinamizar a ordem
jurídica em geral”[8],
podem ser diretamente emitidos com base na Constituição ou se necessitam de
fundamento legal prévio. Na visão do Professor Diogo Freitas do Amaral, estes
regulamentos não podem ser considerados totalmente independentes, pois a “dupla
exigência constante da letra”[9] do Artigo 112º,
nº7, da Constituição da República Portuguesa, “desautoriza claramente a
emanação de regulamentos (...) isentos de fundamento legal prévio”[10]. Quer isto
dizer que, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, o regulamento
independente tem uma natureza normativa (visto que inova o regime) e não é esse
o objetivo da administração pública (isso seria colocar a administração pública
ao lado de um legislador). Como os regulamentos independentes são também uma
manifestação do Direito Administrativo, não faria sentido mencionar que são
como leis em sentido material, daí que a Constituição determina a obrigação de
uma lei prévia para aexecução do poder regulamentar. Outro fundamento do
Professor é que não faria sentido haver a possibilidade de administrar um
regulamento totalmente independente, por parte do Governo, pois “equivaleria a
tornar (...) desnecessária a admissibilidade da emanação de decretos-lei”[11]. Em paralelo,
de acordo com a disposição do Artigo 136º, nº2 do Código do Procedimento
Administrativo, é necessário que se cumpra o dever de citação da lei
habilitante, ou seja, os regulamentos administrativos devem indicar
expressamente as leis que visam regulamentar, incluindo os regulamentos
independentes com pena de sofrerem de inconstitucionalidade formal.
De outra perspetiva,
a jurisprudência consentiu, de acordo com o Acórdão n.º 357/99, que a norma
presente no Artigo 112º, nº7 da Constituição da República Portuguesa não exige
a menção da lei que oferece competência a determinado regulamento na extensão
em causa, mas sim apenas a referência à sua habilitação legal no articulado do
regulamento apesar de, segundo com o Acórdão n.º 110/95, nela não constar a
“expressa indicação de que se pretendia proceder à regulamentação daquela lei”[12]. Assiste-se,
portanto, à suavização do carácter de rigor formalista no cumprimento da
indicação expressa das leis que se visam regulamentar, constatando-se um
contraste com as decisões jurisprudênciais, como é o exemplo do Acórdão n.º
457/94.
Paralelamente, os Princípios
Gerais de Direito constituem também um limite aos regulamentos administrativos,
dadas as suas características independentes em relação às instituições, ou, na
acessão do Professor Afonso Queiró, são “um conjunto de máximas ou diretrizes
jurídicas pré-estaduais, autónomas em relação às decisões do legislador
constituinte e cuja validade e obrigatoriedade não depende do facto de serem
acolhidas na constituição escrita de um Estado que se diga Estado de Direito”[13], isto é, os
Princípios Gerais de Direito estão hierarquizados acima dos regulamentos
administrativos devido à sua raíz autónoma e obrigatória, no que se refere às
decisões do legislador e ao poder regulamentar. Caso um regulamento viole um
destes princípios é tido como inválido, assim como se for desconforme à
Constiuição, à Lei e se infringir normas de Direito da União Europeia ou de
Direito Internacional.
Relativamente ao
poder regulamentar das Autarquias Locais e, de acordo com o disposto no Artigo
241º da Constituição da República Portuguesa, estas dispõem de poder
regulamentar próprio (dentro dos limites da lei), não podendo os regulamentos
editados por órgãos da freguesia contrariar as matérias regulamentadas pelos
regulamentos do município dessa mesma freguesia, tendo em consideração a
disposição presente no Artigo 138º, nº2 do Código do Procedimento
Administrativo. Este limite vai, assim, de encontro ao intuito de não haver
duas normas em vigor que se contrariem no mesmo teritório (de modo a não haver discrepância
entre normas que possam obrigar alguém a duas situações que se contraditam).
Noutro aspeto, porém
inclusive a esta matéria retratada no parágrafo anterior, o poder regulamentar
padece dos aspetos da organização sistemática e estruturada das leis. Isto significa
que existe uma amplitude hierárquica entre regulamentos editados por
determinados órgãos, ou seja, no que concerne a “regulamentos governamentais,
no domínio das atribuições concorrentes de Estado, das regiões autónomas e das
autarquias locais, [estes] prevalecem sobre os regulamentos regionais e autárquicos
das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, consoante os termos do Artigo
138º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo. Em caso de violação, por
parte de regulamentos, desta hieraquia (desrespeito de regulamentos emanados
por órgãos hierarquicamente superiores ao próprio), o regulamento será tido
como inválido, por norma do Artigo 143º, nº2/a) do Código do Procedimento
Administrativo. Neste ponto, o Professor Vasco Pereira da Silva defende que
esta invalidade não é tida como uma nulidade nem como uma anulabilidade, mas
sim que faz parte de um regime sui generis decorrente de uma realidade de
natureza declarativa.
Não obstante, é
fundamental não cair no erro de estabelecer uma hierarquia entre os
regulamentos governamentais dispostos nos termos do Artigo 138º, nº3 do Código
do Procedimento Administrativo. Este aspeto é de grande relevância, pois é
integrante compreender que o raciocínio previsto nesta norma é apenas no
sentido de existir um critério de resolução de conflitos normativos na
resolução de casos práticos. Não são estabelecidos juízos invalidantes, logo
não se aplicaria o critério da invalidade previsto na disposição do Artigo 143º
do Código do Procedimento Administrativo. Como a própria disposição do Artigo 138º,
nº3 do Código do Procedimento Administrativo refere, é estabelecida apenas uma
ordem de prevalência, que neste caso seria: 1) decretos regulamentares; 2)
resoluções de Conselho de Ministros com conteúdo normativo; 3) portarias;
4)despachos.
Adicionalmente, os
regulamentos administrativos não podem ter eficácia retroativa, segundo a
disposição presente no Artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo. O
poder regulamentar é, neste sentido, restringido por não poder atribui efeitos
retroativos a regulamentos que imponham encargos, ónus, deveres, “sujeições ou
sanções que causem prejuízos ou restrinjam direitos e interesses legalmente
protegidos”, ou noutros termos, que se refiram a situações de desvantagens dos
particulares, este condiconamento surge com a finalidade de proteger o
particular da melhor forma possível. Em paralelo, também tem de ser respeitada
a norma vigente do nº2 do Artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo,
que proíbe a retroatividade dos efeitos da norma regulamentar que se reporte a
período antecedente à da data da lei habilitante.
No que se refere às
restrições de competência e de forma, o poder regulamentar apenas pode ser
exercido pelos órgãos com competência para tal, sendo que, caso não se
verifique este aspeto, o regulamento administrativo que for editado por órgão
não competente padecerá de iligalidade ou inconstitucionalidade orgânica. A
este condiconamento adicona-se também o limite inverso, que faz alusão à vinculação
do órgão competente para dispor do poder regulamentar às formas e formalidades
legalmente fixadas na edição da norma regulamentar administrativa.
Em suma, é de notar
que os regulamentos administrativos são normas jurídicas de função
administrativa, posicinando-se hierarquicamente abaixo da função legislativa.
Quer isto dizer que, segundo a pirâmide de Kelsen, em primeiro lugar (no topo)
está a Constituição, seguindo-se a lei em sentido formal, e apenas adiante se
encontra a função administrativa (subordinada, por isso, à lei, com base nos
termos dos Artigos 266º, nº1 da Constituição da República Portuguesa e 3º, nº1
do Código do Procedimento Administrativo). O poder regulamentar é, portanto,
tido como limitado nestes aspetos, mas não deixa de ser de grande importância
para a administração do país. Assim, podemos concluir que o regulamento administrativo
é alvo de alguns condicionamentos, mas todos necessários para que a boa
administração ocorra e para que o país, em termos estruturais, se desenvolva
organizadamente, tendo em conta todos os aspetos para o seu bom funcionamento e
a asseguração dos direitos, interesses e garantias dos particulares. O poder
regulamentar surge, portanto, como um instrumento indispensável à produção de
efeitos jurídicos externos que contribuem para o bem-estar devidamente regulado.
[1] Caupers, João; Eiró, Vera, Introdução ao
Direito Administrativo, 12º edição.
[2] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
[3] Carlos Vieira de Andrade,
José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.
[4] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
[5] Caupers, João; Eiró,
Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.
[6] Caupers, João; Eiró,
Vera, Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.
[7] Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição. e Acórdão n.º 63/99
sobre o limite constitucional da reserva de lei em matéria de impostos.
[8] Carlos Vieira de Andrade,
José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.
[9] Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
[10] Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
[11] Freitas do Amaral, Diogo,
Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
[12] Carlos Vieira de Andrade,
José, Lições de Direito Administrativo, 5º edição.
[13] Queiró, Afonso, Lições de Direito Administrativo, Volume
I.
Bibliografia e Webgrafia
·
Carlos Vieira de Andrade, José,
Lições de Direito Administrativo, 5º edição.
·
Caupers, João; Eiró, Vera,
Introdução ao Direito Administrativo, 12º edição.
·
Freitas do Amaral, Diogo, Curso de
Direito Administrativo, Volume II, 3º edição.
·
Queiró, Afonso, Lições de Direito
Administrativo, Volume I.
·
Acórdão n.º 63/99 sobre o limite
constitucional da reserva de lei em matéria de impostos.
·
https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/regulamento-administrativo
·
Acórdão n.º 457/94
·
Acórdão n.º 357/99
·
Acórdão n.º 110/95
Realizado
por: Adriana Turnes, nº68224, subturma 15
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