João Pedro Freitas nº68349 Turma B sub15
A falta de audiência prévia é considerada um ato de
cariz nulo ou anulável?
É fundamental começar por fazer uma observância, entre a relação da administração pública e os
particulares evoluiu ao longo do tempo. No Estado liberal clássico, existia uma
clara separação entre estas duas esferas, com pouca interação e colaboração
entre elas. A administração pública operava de forma quase isolada, centrada na
aplicação estrita das leis e na manutenção da ordem, enquanto os particulares
desempenhavam um papel passivo, limitando-se a cumprir as normas estabelecidas.
Contudo,
essa conceção rígida já não se aplica nos dias de hoje. Atualmente, a
administração pública reconhece a importância da colaboração ativa com os
particulares na execução das suas tarefas. Os particulares assumem um papel
ativo como parceiros e "elos de ajuda", contribuindo de forma
significativa para a eficácia e eficiência das políticas e serviços públicos.
Esta colaboração traz inúmeros benefícios para ambas as partes: a administração
pública ganha em agilidade, inovação e proximidade com as necessidades reais da
população, enquanto os particulares encontram novas oportunidades de
participação, responsabilidade social e desenvolvimento.
Este
modelo colaborativo reflete uma administração mais aberta, flexível e orientada
para resultados, onde a sinergia entre o setor público e os particulares se
traduz em melhorias concretas na prestação de serviços e na promoção do bem
comum.
Essa
mudança reflete uma compreensão mais moderna da gestão pública, que reconhece o
valor da colaboração e da participação da sociedade civil. Os particulares já
não são vistos apenas como destinatários passivos dos serviços públicos, mas
sim como parceiros ativos na sua prestação e melhoria. Este novo paradigma
valoriza a contribuição dos cidadãos e das entidades privadas, promovendo uma
administração pública mais inclusiva, eficiente e adaptada às necessidades
reais da comunidade. A participação ativa dos particulares fortalece o sentido
de responsabilidade partilhada e permite uma gestão mais dinâmica e inovadora,
beneficiando todos os envolvidos e contribuindo para um serviço público de
maior qualidade.
Essa
colaboração pode assumir diversas formas, desde a prestação de serviços
voluntários até ao fornecimento de feedback e sugestões para melhorar os
serviços públicos. Esta abordagem colaborativa não só reforça a eficiência e a
eficácia da administração pública, como também promove um maior envolvimento
cívico e um sentido de responsabilidade partilhada na construção de uma
sociedade melhor. Ao valorizar a participação ativa dos cidadãos, a
administração pública torna-se mais transparente, responsiva e alinhada com as
necessidades e aspirações da comunidade.
No
ordenamento jurídico português, o atual Código do Procedimento Administrativo
(CPA) regula o procedimento do ato administrativo através de várias etapas
essenciais. Estas etapas incluem a "Fase Inicial" (artigos 53.º e
seguintes do CPA), a "Fase de Instrução" (artigos 115.º e seguintes),
a "Fase da Audiência dos Interessados" (artigos 121.º e seguintes), a
"Fase da Decisão" (artigos 126.º e seguintes) e, eventualmente, uma
fase de execução (artigos 184.º e seguintes). É fundamental notar que a omissão
de qualquer uma destas fases pode comprometer a validade e a eficácia do ato
administrativo.
Esta
estrutura delineada pelo CPA assegura um processo justo e transparente,
garantindo que todas as partes envolvidas tenham a oportunidade de se
manifestar e contribuir para a tomada de decisão administrativa. A observância
de cada fase é crucial para salvaguardar os princípios fundamentais da
legalidade, da imparcialidade e da participação dos interessados no âmbito da
administração pública portuguesa.
Antes
da implementação do Código do Procedimento Administrativo (CPA) de 1991, a fase
da audiência dos interessados não fazia parte do processo administrativo padrão
em Portugal. Isso significava que a administração pública frequentemente tomava
decisões de forma isolada, sem considerar os interesses e opiniões das partes
envolvidas. Essa abordagem unilateral gerou diversos problemas, principalmente
no que diz respeito à confiança dos cidadãos e à segurança jurídica.
Para
responder a essas questões, foram introduzidas reformas que incluíram
formalidades destinadas a garantir a participação dos interessados no processo
administrativo. Essas mudanças foram cruciais para promover maior
transparência, imparcialidade e legitimidade nas decisões da administração
pública. Ao permitir que os interessados sejam ouvidos e tenham a oportunidade
de apresentar a sua posição, o sistema administrativo tornou-se mais justo e
sensível às necessidades e preocupações da sociedade.
Essa
evolução reflete um compromisso renovado com os princípios democráticos e o
Estado de direito, fortalecendo a relação entre a administração pública e os
cidadãos. A inclusão da fase da audiência dos interessados é um passo
significativo para assegurar que as decisões administrativas sejam tomadas de
forma mais equitativa e responsiva, promovendo um ambiente de maior confiança e
cooperação entre o governo e a população.
O
direito à audiência prévia, estabelecido no artigo 121.º do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), é uma das expressões mais significativas do
princípio da participação dos particulares na formação das decisões
administrativas que lhes dizem respeito. Este princípio de participação não só
é consagrado no artigo 12.º do CPA, como também encontra respaldo na
Constituição da República Portuguesa, especificamente no artigo 267.º, n.º 5.
O
direito à audiência prévia garante aos interessados o conhecimento antecipado
do teor provável de uma decisão, permitindo-lhes manifestar-se sobre questões
relevantes, solicitar diligências e apresentar documentos pertinentes. Este
direito segue regras específicas de notificação, conforme detalhado no artigo
122.º do CPA.
A
audiência prévia pode ser conduzida de forma escrita ou oral. Em certas
circunstâncias, conforme estipulado no artigo 124.º do CPA, a audiência prévia
pode ser dispensada. Essas circunstâncias incluem razões de celeridade (alíneas
a) e b)), interesse público (alínea c)), e eficiência (alíneas d), e) e f)). No
entanto, a dispensa da audiência prévia requer justificações adequadas e
fundamentadas.
Essas
disposições visam garantir um procedimento administrativo justo, transparente e
equitativo, proporcionando aos interessados a oportunidade de participar
ativamente e influenciar as decisões que os afetam. Este mecanismo fortalece a
confiança dos cidadãos na administração pública e assegura que as decisões
sejam tomadas de forma mais inclusiva e democrática.
Após
esta análise inicial, é incontestável que o direito à audiência prévia deve ser
respeitado pelo órgão decisório público, conforme estabelecido pela lei, com o
propósito de assegurar a correta formação da decisão administrativa e o devido
respeito às posições jurídicas subjetivas dos particulares, conforme destacado
pelo Professor Freitas do Amaral. Na doutrina, há consenso de que a ausência de
audiência prévia constitui uma ilegalidade, mais especificamente, um vício de
forma, devido à omissão de uma formalidade essencial. A doutrina mais atual
refere-se a este facto como um vício no procedimento.
No
entanto, a questão que surge é qual o tipo de ilegalidade que essa ausência
representa: será a nulidade ou a anulabilidade? Se considerarmos o regime da
nulidade, aplica-se o disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA,
resultando na ineficácia total do ato administrativo, ou seja, este não
produzirá quaisquer efeitos. Por outro lado, se optarmos pelo regime da
anulabilidade, a situação é fundamentada com base no artigo 163.º, n.º 1 do
CPA. Esta distinção entre nulidade e anulabilidade é crucial para determinar os
efeitos da ausência de audiência prévia e, consequentemente, a validade da
decisão administrativa em questão.
O
Professor Freitas do Amaral defende a aplicação da anulabilidade, baseando-se
no argumento de que o direito subjetivo público em questão não está incluído na
categoria de direitos fundamentais, embora seja de extrema importância para a
proteção dos particulares em relação à Administração Pública. Na sua concepção,
os direitos fundamentais abrangem os "direitos, liberdades e garantias, e
os direitos de natureza análoga", excluindo os direitos subjetivos
públicos, como o direito à audiência prévia, uma vez que estes não estão
diretamente relacionados com a proteção da dignidade da pessoa humana. Assim,
este direito é considerado uma formalidade do ato, mas não um elemento
essencial.
Esta
visão destaca a necessidade de assegurar que, mesmo não sendo considerado um
direito fundamental, o direito à audiência prévia seja rigorosamente observado
para garantir a justiça e a transparência na tomada de decisões
administrativas, protegendo os interesses dos particulares perante a
Administração Pública.
A
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) sustenta que o direito
à audiência prévia não é considerado um direito fundamental, resultando na
aplicação da mera anulabilidade. Segundo esta linha de pensamento, esse direito
não se enquadra na ideia de essencialidade estrutural ou funcional do ato
administrativo, sendo antes um elemento do procedimento administrativo
destinado à formação adequada do ato. Este entendimento foi expressamente
referido no Acórdão do STA de 17 de fevereiro de 2004.
Por
outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva defende que a violação deste
princípio deve resultar na nulidade, uma vez que considera o direito à
audiência prévia como um direito fundamental decorrente da própria
Constituição. Ele fundamenta esta posição com base no artigo 267.º, n.º 5 da
Constituição da República Portuguesa (CRP), que estabelece a garantia do
direito à audiência prévia, e no princípio do Estado de direito democrático,
protegido pelo artigo 2.º da CRP. Segundo esta perspetiva, o direito à
audiência prévia não é apenas uma formalidade do procedimento administrativo,
mas um elemento essencial para a proteção dos direitos dos cidadãos e para a
garantia da legalidade e da justiça nas decisões administrativas.
Esta
divergência de opiniões sublinha a importância do direito à audiência prévia no
contexto administrativo e a sua relevância para assegurar um processo justo e
transparente, promovendo a confiança dos cidadãos na administração pública.
O
Professor Marcelo Rebelo de Sousa propõe uma interpretação restritiva do
conceito de direito fundamental, limitando-o aos direitos, liberdades e
garantias. Argumenta que uma abordagem mais ampla poderia permitir à autoridade
administrativa determinar o conteúdo de direitos sociais e econômicos. No
entanto, diverge da teoria do Professor Freitas do Amaral ao destacar que o
direito à audiência prévia é uma formalidade essencial, imposta e fundamentada
pela Constituição. Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, uma formalidade
essencial constitui um elemento crucial do ato administrativo, não havendo,
portanto, uma distinção redundante entre os conceitos de essencialidade e
formalidade. Ele argumenta que as formalidades se enquadram na forma "lato
sensu" do ato, abrangendo todos os aspetos formais do processo
administrativo.
A
distinção entre nulidade e anulabilidade não deve ser subestimada, pois os seus
efeitos e regimes são completamente distintos. Enquanto a nulidade resulta na
ineficácia total do ato e pode ser invocada a qualquer momento, a anulabilidade
permite que o ato produza efeitos, está sujeita a prazos específicos e pode ser
corrigida.
Considera-se
que o direito à audiência prévia deriva do princípio do Estado de Direito,
conforme previsto constitucionalmente. Ao contrário da mera aplicação do artigo
267.º/5 da CRP, que não menciona explicitamente este direito, considera-se que
a sua fundamentação decorre da combinação sistemática de outros dois elementos
constitucionais, onde a Constituição não é a única fonte, admitindo-se que a
legislação ordinária revele normas dotadas dessa essencialidade valorativa.
Embora o artigo 267.º/5 por si só não faça referência a tal direito, ao
recorrermos a essa lógica, podemos inferir, com base nos artigos 2.º e 16.º da
CRP, que o direito à audiência prévia é, de facto, um direito fundamental.
De
facto, este direito deve acarretar a sanção mais severa, que é a nulidade, uma
vez que representa uma garantia fundamental dos particulares contra a atuação
da Administração Pública. Este direito é crucial para assegurar a segurança
jurídica e a previsibilidade das decisões administrativas, aspetos essenciais
para a proteção dos direitos individuais e para a preservação do Estado de
Direito.
Bibliografia
1
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª edição,
2018, Almedina.
2
SILVA, Vasco Pereira, Em busca do ato administrativo perdido.
3
DE SOUSA, Marcelo Rebelo, «Regime do Acto Administrativo», in Direito e
Justiça, vol. VI, 1992.
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