O Princípio da Proporcionalidade
Sebastião Gudmundsen, Subturma 15, nº 67858
Dentro do reino do direito administrativo, os princípios que guiam e orientam a atuação administrativa desempenham um papel fundamental na garantia da legalidade, eficiência e da justiça na execução de atividades do governo. Estes princípios desempenham a função de limites e parâmetros éticos e jurídicos, fornecendo aos agentes públicos e aos órgãos da administração pública um espaço normativo dentro do qual a sua atividade é orientada e regulada pelos princípios tipificados no Código do Procedimento Administrativo e dentro da própria Constituição da República Portuguesa.
O Prof. Freitas do Amaral introduziu na doutrina portuguesa a ideia de que os princípios também fornecem parâmetros de decisão obrigatórios; estes princípios podem ser múltiplos e resultam quer da ordem jurídica global, quer da própria ordem constitucional. Pelo menos dois princípios da ordem jurídica global aplicam-se diretamente às realidades administrativas: o due process of law e o princípio da proporcionalidade, considerado essencial em todos os domínios da ordem jurídica.
O art. 226.º, Constituição da República Portuguesa, elenca vários dos princípios segundo os quais a prossecução da atividade administrativa deve ser feita, nomeadamente o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da justiça, o princípio da imparcialidade e o princípio da boa-fé, princípios estes que também se encontram presentes nos art. 6.º, art.º 7, art. 8º, art. 9º e art. 10º do Código do Procedimento Administrativo.
Dentro de estes princípios, é possível destacar com algum relevo o princípio da proporcionalidade administrativa. Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, o princípio da proporcionalidade “constitui uma manifestação essencial do princípio de Estado de Direito1” cuja presença no direito administrativo ocorreu por via de Direito Comparado e que tem as suas origens no direito prussiano. Este princípio tem tal relevância no direito administrativo que o Professor Vitalino Canas afirma que “toda a atividade administrativa na medida em que afete a esfera jurídica dos cidadãos estará hoje submetida ao princípio da proporcionalidade2”. Apesar da sua prevalência no campo do direito administrativo e do direito constitucional, o princípio da proporcionalidade encontra aplicação em campos como o direito penal e o direito fiscal.
O princípio da proporcionalidade acaba por ser, na dimensão administrativa, o princípio segundo o qual a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins que procura seguir, e que estipula que as decisões da administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos apenas podem afetar essas posições e direitos na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.
Numa interpretação sistemática do Código do Procedimento Administrativo, é possível relacionar o art. 8.º, CPA, que tipifica o princípio da proporcionalidade, com o art. 3.º e art. 4.º, CPA, que estabelecem o princípio da legalidade, na qual a administração deve atuar em obediência à lei e em conformidade com os respectivos fins, com o princípio da prossecução do interesse público, que atribui a competência de atuação à Administração Pública no que toca à prossecução do interesse público, tendo em atenção o respeito pelo direito e pelos interesses legalmente protegidos dos particulares.
Da definição do princípio da proporcionalidade como se encontra o Código do Procedimento Administrativo é possível retirar três subprincípios ou requisitos que definem e enquadram a proporcionalidade administrativa, o princípio da adequação, o princípio da necessidade e o princípio do equilíbrio, também conhecido como o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
O preenchimento do critério do princípio da adequação resume-se em saber se a medida tomada deve ser ajustada ao fim que se procura atingir. Este critério procura verificar então a existência de uma relação entre duas variáveis: a medida e a finalidade.
O princípio da necessidade exige que, para além da adequação da medida à finalidade desejada, a medida administrativa deve ser, dentro do reino de possibilidades das medidas possíveis e disponíveis aos órgãos da administração, aquela que prejudica em menor medida os direitos e interesses dos particulares. O preenchimento do requisito da necessidade está desta forma assente numa comparação entre todas as medidas que já preencheram o requisito da adequação, acabando por considerar que a medida administrativa necessária é a medida menos lesiva para os direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige que os benefícios que se esperam alcançar através de uma medida que já preencheu os requisitos da adequação e da necessidade suplantem, em termos materiais, os custos suportados pela administração através da prossecução da medida.
Em suma, se a medida escolhida pela administração não fôr adequada, necessária e estritamente proporcional, em relação ao fim considerado pelos órgãos da administração, esta será ilegal perante a violação do princípio da proporcionalidade. Na aplicação do princípio da proporcionalidade define-se primeiro o fim que se pretende alcançar com a medida em causa, depois apurar-se acerca da relação entre a medida que se pensa tomar e, finalmente, se de entre todo um cardápio de medidas disponíveis, é a medida adequada e que menos lesa os interesses particulares sob proteção legal.
O princípio da proporcionalidade prossegue determinadas finalidades, sendo possível identificar várias das mesmas. A proporcionalidade limita a intervenção administrativa a um postulado de necessidade e submete-a a uma exigência de adaptabilidade às circunstâncias de facto. A proporcionalidade diz-nos a medida em que a ponderação da prossecução do interesse público junto dos interesses privados exige que aquele tome em consideração o respeito por estes ou, em alternativa, a medida em que estes podem sofrer uma legítima restrição por efeito da prossecução do primeiro.
A proporcionalidade surge como critério de ponderação entre interesses insuscetíveis de satisfação integral, procurando uma harmonização ou concordância prática em cenários de igual valia dos interesses em conflito. O princípio da proporcionalidade, mostrando-se tão mais relevante quanto maior for a margem de autonomia decisória da Administração Pública, encontra espaços preferenciais de operatividade, se conjugado com a atividade administrativa em questão.
A delimitação da atuação administrativa discricionário pelo princípio da proporcionalidade confere ao juiz uma inevitável proeminência na definição das fronteiras entre o hemisfério da legalidade e o hemisfério do mérito. A proporcionalidade pode assim submeter o mérito da atuação administrativa, aferido nos termos do postulado da boa administração, a um progressivo controlo judicial.
Esta ideia de proporcionalidade é, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, dentro de um contexto jurídico-administrativo, quase inconfundível com a ideia da igualdade. No entanto, o Professor Vitalino Canas afirma que “Embora ambas visam assegurar a justa medida e o equilíbrio dos actos do Estado, pressupondo uma base comum de racionalidade, materialmente correm em direções distintas3”.
Desta forma Vitalino Canas distingue o exame do respeito do princípio da igualdade baseia-se na comparação de dois tipos legais na sua relação entre a base factual e o resultado visado. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade procura saber se o sacrifício de certos bens e/ou interesses é adequado, necessário e estritamente proporcional, na relação com os bens e interesses que a administração procura promover através de certa medida.
Assim, é possível a existência de um espectro de possibilidades de relação entre os dois princípios que contemplam hipóteses distintas, sendo possível verificar a existência de medidas que violem o princípio da igualdade sem violarem o princípio da proporcionalidade, e vice-versa, e ainda que exista uma sobreposição, ou seja, que os dois princípios sejam violados simultaneamente com a mesma medida.
Bibliografia
Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo Volume II, Almedina, 2011
Canas, Vitalino, Princípio da proporcionalidade, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 6º Volume, Lisboa, 1994
Lopes, Dulce; Pereira Coutinho, Francisco; Santos Botelho, Catarina, Princípio da Proporcionalidade, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2021
Leão, Anabela, Notas sobre o Princípio da Proporcionalidade ou da Proibição do Excesso, Comemoração dos 5 anos da F.D.U.P.
1 - Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo Vol. II, Almedina, 2011, pg. 139
2 - Canas, Vitalino, Princípio da Proporcionalidade, Almedina, pg. 634
3 - Canas, Vitalino, Princípio da Proporcionalidade, Almedina, pg 603-604
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