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sexta-feira, 3 de maio de 2024

Análise ao Princípio da Proporcionalidade

 ANÁLISE AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

Leonor Candeias Marques, Nº67944

 

BREVE INTRODUÇÃO

 

A Administração Pública vê, por várias vezes e em vários cenários, as suas funções limitadas e controladas por princípios: E ainda bem que tal acontece. Afinal, esta extensa lista de princípios serve exatamente para isso, de modo a assegurar um melhor funcionamento da Administração. 

 

É certo que, para muitos, primeiramente surgem no pensamento princípios como o da legalidade, da boa administração ou da separação de poderes, por serem aqueles que mais diretamente se relacionam com a atividade administrativa e todas as ações inerentes à Administração Pública. Contudo, cabe aqui explorar e densificar um princípio que por vezes passa despercebido, mas que se revela de extrema importância para todas as atividades administrativas: O princípio da proporcionalidade. 

 

O CONCEITO DE PROPORCIONALIDADE E AS ABORDAGENS AO PRINCÍPIO

 

O princípio da proporcionalidade encontra-se, de forma geral, consagrado no Art. 266º/2 da CRP e no Art. 7º do CPA, e de forma mais particular e aplicado a casos concretos em várias normas e disposições legais.

Enquanto que encontrar base legal para este princípio se limitou a uma pesquisa curta, encontrar uma definição clara e objetiva já não se revelou uma tarefa tão simples: 

 

Segundo as palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, e após uma contextualização e enquadramento histórico, "a proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”; 

 

Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado, por outro lado, não apresentam uma definição tão desenvolvida como o Professor Freitas do Amaral, referindo que o princípio da proporcionalidade “constitui, porventura, o mais apurado parâmetro de controlo de actuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão”, passando logo para uma análise mais profunda dos seus critérios;

 

Já o Professor José Fontes inicia a sua exposição indicando que “o teor do princípio da proporcionalidade” se encontra na afirmação de que “as medidas administrativas devem ser adequadas, proibindo-se o excesso, (...),  para que exista e se encontre alguma relação de proporção e de equilíbrio entre os danos que se antecipe possam causar e a natureza e o valor dos bens que se quer proteger, entre os custos que se podem ou vão verificar e os benefícios que se vão obter com a conduta administrativa”.

 

Numa primeira e curta análise às definições expostas há uma ideia que fica desde logo bem assente na cabeça e que é consensual entre as três: Este princípio vem assegurar o equilíbrio da atuação administrativa. O que importa aqui aprofundar e debater são não só os meios para averiguar a verificação desse equilíbrio como também aquilo que pretende ser equilibrado.

 

Na primeira posição apresentada o Professor Freitas do Amaral parece somente englobar a necessidade de adequação dos atos dos órgãos administrativos ao fim prosseguido quando esses atos limitam os bens ou interesses privados; Ora, não faz sentido estar a reduzir um instituto tão grande e abrangente como o da proporcionalidade a uma condição e a um caso que, podendo ser até o mais recorrente, não parece englobar todo o princípio (e retratar essa mesma redução como “conceito”).

 

Na segunda abordagem dos Professores Rebelo de Sousa e André Salgado parece haver uma caracterização do princípio como limitador e controlador da atuação administrativa, que apesar de correta, carece de um desenvolvimento maior quando considerada somente a transcrição acima; Contudo vale a pena destacar que, aquando de uma leitura do capítulo todo relativo à proporcionalidade, encontra-se um aprofundamento do conceito que não poderíamos deduzir da frase acima transcrita. 

 

Já na terceira descrição do conceito o Professor José Fontes acaba por desenvolver um pouco mais as bases do conceito, introduzindo desde logo os critérios a serem cumpridos para consagrar este princípio (que mais à frente serão devidamente abordados), com uma explicação concisa e detalhada que encaminha a uma conclusão que reflete bastante bem aquilo que vem a ser o verdadeiro objetivo deste princípio. O Professor, na sua explicação, também faz uma menção ao Art. 7º/1 do CPA para, no fundo, realçar a imposição normativa de cumprimento do princípio da proporcionalidade na atuação administrativa como reforço na ideia de “exigência de estreita e direta ligação entre fins legais e utilização de meios adequados para os alcançar”.

 

Neste sentido, e depois de refletidas as demais caracterizações deste conceito, acredita-se ser mais coerente para o decorrer deste trabalho considerar a disposição conceitual do Professor José Fontes como basilar para a continuação da exploração deste princípio, não obstante as outras terem igualmente relevância e serem consideradas se necessário.

 

OS CRITÉRIOS DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

 

O princípio da proporcionalidade, por forma a ser consagrado, deve cumprir três requisitos base para se verificar de forma eficiente na Administração Pública e em qualquer dimensão do Direito.

Estes critérios são deduzidos e retirados do Art. 7º do CPA:

 

Artigo 7.º - Princípio da proporcionalidade

 

       1 - Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.


       2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.

 

 

A ADEQUAÇÃO

 

Primeiramente, observamos no nº1 do mesmo artigo a ideia de “comportamentos adequados” que leva ao critério da adequação.

Este primeiro elemento refere que a medida a ser tomada deve ter em conta o fim pretendido, no sentido de que a mesma deve ser ajustada ao objetivo com que foi aplicada.

 

Os Professores Rebelo de Sousa e André Salgado, no seu livro, caracterizam a adequação como a proibição de “adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir”, revelando-se uma forma simples e bastante prática de explicação do conceito.

O Professor Freitas do Amaral, além de definir a adequação nas mesmas linhas dos anteriores, acrescenta ainda uma conexão que consegue suportar e complementar a ideia anterior, retirada da posição do Professor Vitalino Canas: É necessário “verificar a existência de uma relação entre duas variáveis: o meio, instrumento, medida ou solução, de um lado; o objetivo ou finalidade, do outro”.

 

Neste sentido, estabelece-se assim a primeira dimensão a ser considerada no princípio da proporcionalidade, que complementada com as restantes vai possibilitar a verificação e aplicação do mesmo.

 

A NECESSIDADE

 

Seguidamente no artigo encontramos uma expressão deveras interessante: “na medida do necessário”.

Apesar de parecer um daqueles conceitos indeterminados repleto de ramificações e divergências, têm-se observado, pelo menos aplicado ao princípio da proporcionalidade, que a doutrina mantém uma caracterização bastante semelhante acerca do critério da necessidade.

Em poucas palavras podemos definir esta dimensão da proporcionalidade como a escolha da medida que, dentro de todas as opções possíveis, seja a menos lesante para os interesses da posição jurídica que a irá adotar.

 

Para complementar ao anteriormente definido, os Professores Rebelo de Sousa e André Salgado veem este critério como a proibição de “condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir (impondo, portanto, que, de entre diversos meios igualmente adequados, seja escolhido o menos lesivo para os interesses públicos e/ou privados envolvidos)”.

 

O Professor Freitas do Amaral, no seu livro, acaba por recorrer a alguns processos judiciais para complementar esta ideia de necessidade:

No Processo Nº 28610 do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de outubro de 1998 foi estabelecido que “a Administração está obrigada, ao atuar discricionariamente perante os particulares, a escolher, de entre várias medidas que satisfazem igualmente o interesse público, a que menos gravosa se mostrar para a esfera jurídica daqueles”.

Também no Processo Nº 30896 do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de março de 1999 concluiu-se pela ilegalidade de um despacho que aplicou uma pena desmedida e lesante ao invés de aplicar a que fosse menos gravosa ao sujeito.

 

A PROPORCIONALIDADE STRICTO SENSU

 

Por fim é referida no artigo a ideia de “termos proporcionais”, ao qual corresponde o critério da proporcionalidade stricto sensu ou do equilíbrio.

 

Nesta dimensão do princípio da proporcionalidade é afirmado, pelo Professor Freitas do Amaral, que “os benefícios que se espera alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará”.

O Professor Vitalino Canas, no seu livro reforça também que “procura avaliar-se se o ato praticado, na medida em que implica uma escolha valorativa, isto é, o sacrifício de certos bens a favor da satisfação de outros, é correto, é válido à luz dos parâmetros materiais”.

 

É curiosa a ausência de menção direta deste último critério na tese do Professor José Fontes: “Deste modo, podemos afirmar que, na prossecução do interesse público, o princípio da proporcionalidade impõe, cumulativamente, (i) adequação e (ii) necessidade de ação, ou seja, exigibilidade da conduta – no fundo, um justo equilíbrio entre os bens a salvaguardar, o interesse público (fim último e critério único que preside à atuação pública) e os meios a utilizar”; Nesta última transcrição observamos uma clara enumeração dos dois princípios anteriormente analisados, mas uma omissão do equilíbrio nessa mesma enumeração; Parece aqui haver uma passagem da proporcionalidade stricto sensu de critério a conclusão, pois é referido o equilíbrio com um tom conclusivo do preenchimento da adequação e da necessidade (“no fundo, um justo equilíbrio (...)”), apesar do critério ser algo constante e deduzido da sua exposição.

 

Contudo, podemos concluir pela afirmação do critério da proporcionalidade stricto sensu como integrante e decisivo do princípio da proporcionalidade.

 

CUMULAÇÃO E HIERARQUIA DE CRITÉRIOS

 

Após analisadas todos as dimensões deste princípio, surge normalmente a pergunta: Será necessário o preenchimento de todos os critérios para que se afirme a proporcionalidade da medida?

 

Com base em tudo o que já foi acima considerado parece seguro recorrermos a uma resposta afirmativa.

Todos estes critérios não dispensam de uma complementação dos restantes para que sejam mais coerentes e completos aquando da consideração de uma medida.

Não faz sentido aplicar uma disposição que seja a menos lesiva quando não prossegue o fim pretendido, tal como não faz sentido essa mesma disposição ter uma boa relação custo-benefício, porém ser completamente desajustada ao caso concreto.

 

Também em nenhuma obra analisada para este trabalho se encontrou algum elemento que sustentasse a não cumulação destes critérios na avaliação do princípio da proporcionalidade, bem como o disposto do Art. 7º do CPA dá uma ideia de interligação e cumulação entre as expressões destacadas, que levam por sua vez aos critérios.

 

Neste sentido, seria descabido e até mesmo desproporcional considerá-los isoladamente para aferir o preenchimento do princípio da proporcionalidade.

 

Também surge, por vezes, a pergunta da hierarquia: Será que algum dos critérios é mais importante que os outros. 

 

Aqui até poderíamos considerar como fator a análise final do Professor José Fontes mencionada anteriormente, onde o mesmo desconsidera na enumeração o equilíbrio, porém seria o único argumento e honestamente um elemento fraco.

 

Não faz qualquer sentido nem há nada que sustente a classificação da importância de cada dimensão visto que todas elas são cumulativas, bastando uma falhar para o princípio da proporcionalidade não se verificar; Ao nível de conteúdo, também parece um pouco drástico concluir pela importância acrescida de alguma, pois todas levam a uma parte importante do princípio e todas salientam algo diferente mas igualmente crucial para a caracterização e averiguação do princípio.

 

Mais uma vez, nada sustenta nas obras analisadas ou nas disposições normativas uma hierarquia entre os critérios do princípio da proporcionalidade. 

 

Neste sentido, conclui-se, após a análise destas dimensões, pela cumulação das mesmas mas não pela hierarquia entre elas. 

 

CONCLUSÃO

 

Após a análise detalhada das definições expostas acerca do princípio da proporcionalidade, bem como a exploração dos demais critérios que o mesmo necessita para se encontrar preenchido, conclui-se pela afirmação da extrema importância que este princípio tem no funcionamento da atuação administrativa e da Administração Pública.

Revela-se este como um dos mais cruciais elementos limitadores e reguladores destas instituições administrativas, destacando-se pelo controlo e influência que detém na regulação da discricionariedade dos agentes administrativos e na definição das margens de livre atuação das entidades. 

 

É este princípio, obviamente conjugado com os demais, que levam a um bom funcionamento da Administração Pública e sucessivamente protegem os interesses de todos os sujeitos envolvidos.

 

BIBLIOGRAFIA

 

MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL - INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS”, TOMO I, 3ª EDIÇÃO- REIMPRESSÃO, D. QUIXOTE

 

DIOGO FREITAS DO AMARAL, “CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO”, VOLUME II, 4ª EDIÇÃO, ALMEDINA

 

JOSÉ FONTES, “CURSO SOBRE O NOVO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO”, 5ª EDIÇÃO REVISTA E ATUALIZADA, ALMEDINA

 

VITALINO CANAS, “O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE”

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