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quinta-feira, 2 de maio de 2024

O Princípio da Boa Administração

O Princípio da Boa Administração

 

 

O conceito de boa administração possui uma longa tradição no nosso panorama doutrinário. Recentemente, a elaboração deste conceito, nosso contexto tem sido maioritariamente influenciada pela doutrina italiana. Este facto não é surpreendente, diga-se. Com efeito, a doutrina italiana foi aquela que, entre os países europeus, dedicou maior atenção ao tema ao longo do último século, especialmente em relação ao conceito de “bom andamento do procedimento”. Nesse sentido, a elaboração do conceito tem se baseado na nossa clássica contraposição entre legalidade e mérito, e, nessa perspetiva, na configuração da boa administração como um dever que se concretiza na observância de parâmetros de natureza extrajurídica, os chamados princípios da boa administração. O conteúdo deste conceito está associado à ideia de que a Administração tem o dever de procurar da melhor maneira possível o interesse público e a satisfação das necessidades coletivas a ela confiadas, adotando, para tanto, as melhores soluções possíveis do ponto de vista administrativo, técnico e financeiro. A ideia de boa administração, tem sido assim vinculada à noção de eficiência da Administração. Nesse sentido, define-se o dever de boa administração como o dever da Administração de procurar o bem comum da forma mais eficiente possível, e, fala-se até, indiferenciadamente, num princípio da boa administração, do mérito ou da eficiência. É dentro dessa tradição que se inscreve a consagração, no artigo 5° do CPA, do princípio da boa administração, identificado como o dever que a Administração de se pautar por critérios de eficiência, economicidade e celeridade. Na nossa perspetiva, a consagração no CPA deste princípio, nos termos enunciados, possui um sentido e um alcance de grande importância: o de reconhecer que a eficiência da Administração possui relevância jurídica e que a eficiência na gestão dos recursos públicos para a satisfação das necessidades públicas é uma exigência que não se impõe apenas, nem principalmente, ao legislador, como pressupunha o artigo 10° do CPA de 1991, exigindo-lhe que, no plano organizativo, estruture a Administração de modo a promover a desburocratização e a eficiência de seu funcionamento, mas que, muito mais do que isso, se impõe diretamente à própria Administração, consagrando assim um comando geral de submissão da atividade administrativa aos critérios da eficiência, economia e celeridade, e, em termos que, dependendo das circunstâncias, podem a nosso ver, concretizar-se numa dimensão de tutela subjetiva, no sentido de que podem constituir-se situações jurídicas subjetivas passíveis de serem acionadas nos tribunais administrativos, visando exigir atuações concretas da Administração em conformidade com critérios de eficiência, especialmente quando estiver em jogo a efetividade de direitos fundamentais, ou a contestar atuações concretas por desconformidade com esses critérios. A nosso ver, o grande mérito da construção de um conceito jurídico de boa administração e sua afirmação como um valor jurídico reside no fato de permitir atribuir relevância jurídica não apenas às dimensões da atividade administrativa que se pautam por regras e princípios jurídicos, como era tradicional, mas também àquelas que se pautam por padrões extrajurídicos de conduta, como a eficiência. E, nesse sentido, pode--se dizer que a afirmação da boa administração como um valor jurídico insere-se no movimento de jurisdição da realidade administrativa que, ao longo das últimas décadas, tem progressivamente levado do plano do mérito para o plano da juridicidade dimensões cada vez mais amplas das decisões discricionárias da Administração, permitindo assim, submetê-las ao Direito e à sua aplicação pelos tribunais.Vimos que o valor da eficiência da Administração encontra hoje expressão jurídica de âmbito geral no artigo 5°, n° 1, do CPA, que impõe à Administração, no quadro do princípio da boa administração, o dever genérico de pautar-se por critérios de eficiência, procurando, em cada caso, a melhor solução. Enquanto norma de ação, é indiscutível que o princípio da boa administração vincula juridicamente a Administração. Entretanto, coloca-se a questão da determinação dos termos, portanto, dos limites dentro dos quais, na perspetiva do esforço de aprofundamento da extensão e intensidade do controlo principialista que, como assinalado anteriormente, parece ser hoje exigível dos tribunais administrativos, em resposta à crescente abertura dos quadros normativos aplicáveis à atividade da Administração, deve ser perspetivado o controlo jurisdicional da eficiência. Ora, colocada a questão nesse plano, cumpre, a nosso ver, reconhecer que os termos genéricos em que o princípio da boa administração se encontra consagrado no artigo 5° do CPA, associados à circunstância da eficiência, ao contrário de outros princípios gerais da atividade administrativa, não possuem um sentido negativo, mas impõem à Administração um imperativo de conteúdo positivo, que exige a adoção da solução mais adequada, a melhor solução, dificultando a sua configuração como uma norma de controlo
Cumpre, na verdade, notar que, ao contrário do que ocorre com outros princípios gerais da atividade administrativa, como a igualdade ou a proporcionalidade, a aplicação do princípio da boa administração não implica, por si só, uma conclusão jurídica, mas uma atividade valorativa que, necessariamente, envolve um juízo de suposição, da qual resulta que, numa determinada situação concreta, várias soluções podem ser adequadas, cada qual exigindo da Administração a adoção da melhor solução possível, em termos de eficiência, tendo em conta, para tanto, os critérios e interesses relevantes em cada caso. Por conseguinte, na ausência de critérios objetivos e, em última instância, de regras que permitam objetivar os termos em que o princípio da boa administração deve ser aplicado, torna-se particularmente difícil(para não dizer impossível), determinar, em cada caso, o âmbito de aplicação desse princípio, os deveres da Administração que dele decorrem e a extensão do controlo jurisdicional a que esses deveres estão sujeitos. Isso parece ser particularmente relevante no que respeita ao controlo jurisdicional da eficiência, que, na nossa perspetiva, está destinado a ser um controlo de legalidade, mas também de mérito, como, de resto, o são todos os controlos dos princípios gerais da atividade administrativa. A partir do momento em que o princípio da boa administração não é percebido como um princípio jurídico abstrato, mas como um imperativo de otimização da atividade administrativa, que, na perspetiva dos direitos fundamentais, impõe a necessidade de a Administração adotar a melhor solução, o controlo jurisdicional desse princípio deve envolver um juízo de proporcionalidade, exigindo que o tribunal, numa abordagem de ponderação, avalie se a Administração agiu, em um dado caso, com o grau de eficiência adequado. Por outras palavras, o controlo jurisdicional da eficiência impõe ao tribunal que, em cada caso, avalie a razoabilidade da escolha administrativa efetuada, questionando-se se a Administração, ao adotar determinada solução, obteve, no caso concreto, o melhor resultado possível do ponto de vista da eficiência, e se, em caso negativo, qual seria a solução mais adequada. Em suma, o controle jurisdicional da eficiência impõe ao tribunal que, em cada caso, se pergunte se a Administração, ao adotar determinada solução, obteve o melhor resultado possível do ponto de vista da eficiência, e se, em caso negativo, qual seria a solução mais adequada. Isso implica, por um lado, uma avaliação da adequação da solução adotada pela Administração aos critérios de eficiência que deveriam tê-la orientado, e, por outro, uma avaliação da proporcionalidade dessa solução em relação aos interesses presentes. Conclui-se, assim, que o controlo jurisdicional da eficiência não se reduz à verificação da observância do princípio da boa administração pela Administração, mas implica uma avaliação do mérito da escolha administrativa efetuada, que, pela sua natureza, envolve uma ponderação de interesses, competindo ao tribunal, em última análise, decidir qual é a solução mais adequada, o que, não obstante a dificuldade e complexidade da tarefa, se afigura como um exercício fundamental de controlo do poder administrativo e de tutela dos direitos fundamentais. Nessa perspetiva, não pode deixar de se reconhecer que, por um lado, o controlo jurisdicional da eficiência impõe ao tribunal uma revisão da discricionariedade administrativa, limitando a margem de apreciação da Administração, e, por outro lado, um juízo de prognóstico, que, na medida em que implica a avaliação da adequação da solução administrativa adotada aos critérios de eficiência que deveriam tê-la orientado, e, por outro, a avaliação da proporcionalidade dessa solução em relação aos interesses em presença, implica necessariamente um juízo valorativo e uma revisão dos critérios administrativos de escolha. Desse modo, o controlo jurisdicional da eficiência não só impõe ao tribunal a tarefa de avaliar a adequação da solução administrativa adotada aos critérios de eficiência que deveriam tê-la orientado, mas também a avaliação da proporcionalidade dessa solução em relação aos interesses em presença, o que implica necessariamente um juízo valorativo e uma revisão dos critérios administrativos de escolha, o que não deixa de ser um exercício de ponderação, no qual o tribunal é chamado a decidir qual é a solução mais adequada em cada caso, e, em última análise, a decidir o mérito da escolha administrativa efetuada.

 

 

Bibliografia:

 

J. PEREIRA DA SILVA, “Âmbito de aplicação e princípios gerais”;

MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOSDireito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e princípios fundamentais, 2ª ed., Lisboa, 2006;

DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2011;

PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 2013

 


TOMÁS DA LUZ PEREIRA LOPES COSTA - Nº 68327                26/04/2024

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