O
contrato administrativo
Conceito
Já
é habitual que a Administração Pública, de modo a prosseguir os fins de
interesse público, procure a participação dos particulares. No entanto, a
complexidade da Administração leva a que se imponham formas de coordenação
interadministrativa. O contrato administrativo, segundo a lei, não carece de
habilitação específica: “Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins,
os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos,
salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”
(artigo 278º do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP).
A
utilização da via contratual pela Administração Pública pode traduzir-se em
dois tipos de contratos: se a Administração estiver a exercer atividades de
gestão privada, constituindo relações jurídicas de direito privado, irá suceder-se
um contrato civil, de trabalho ou comercial; se quiser prosseguir atividades de
gestão pública, será um contrato administrativo, constituindo-se, assim,
relações jurídicas administrativas (só nesta última situação se fala em
contrato administrativo).
Logo,
o contrato administrativo não é igual a um qualquer contrato celebrado pela Administração
Pública com outrem. Só é contrato administrativo aquele que tiver delineado o
regime jurídico pelo Direito Administrativo. É um acordo de vontades bilateral
ou plurilateral que envolve sempre, pelo menos, um contraente público,
subordinado a um regime substantivo de direito administrativo (artigo 200º, nº1
do Código do Procedimento Administrativo, doravante CPA), constituindo,
modificando ou extinguindo uma relação jurídica administrativa.
Classificações
Existem inúmeras classificações, sendo estas as principais: Contratos entre a Administração e particulares, entre entidades públicas, e entre particulares; Contratos de colaboração e de atribuição; Contratos de subordinação e de cooperação; Contratos primários e secundários; Contratos administrativos típicos e atípicos; e, por fim, Contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível de contrato de direito privado.
Contratos
entre a Administração e particulares, entre entidades públicas, e entre
particulares: Atende-se aos sujeitos do contrato
administrativo. Isto é, nos contratos entre a Administração e os particulares, de
um lado temos o contraente público (pessoa coletiva pública ou uma entidade no
exercício da função administrativa) e, de outro lado, o co-contratante particular
(um indivíduo ou uma pessoa coletiva privada). Se o contraente público for uma
entidade privada no exercício de funções materialmente administrativas (artigo
3º, nº2 CCP), podemos ter contratos entre particulares. Quando celebrados por
apenas pessoas coletivas públicas, temos um contrato administrativo entre
entidades públicas, como por exemplo, entre o Estado e um município.
Contratos
de colaboração e de atribuição: Atende-se ao critério do
fim, ou da causa-função. Os contratos de colaboração são aqueles em que “uma
das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no
desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração”[1]. Quando são de atribuição,
como o próprio nome indicia, têm uma causa-função de atribuir uma determinada
vantagem ao co-contratante da Administração. A relevância desta classificação
resulta de que, por norma, os procedimentos pré-contratuais dispostos no CCP só
são obrigatórios para os contratos de colaboração (artigo 16º CCP).
Contratos
de subordinação e de cooperação: Atende-se à posição
relativa dos contraentes no equilíbrio contratual. Nos casos em que o
contraente público tem a possibilidade de dirigir o modo de execução das
prestações, fiscalizá-las, modificá-las, aplicar sanções ou até mesmo resolver
de forma unilateral o contrato (artigo 302º CCP), diz-se contratos de
colaboração subordinada. Por outro lado, quando nascem relações de igualdade
entre as partes, cooperando no mesmo plano são contratos de cooperação
paritária (artigo 338º CCP).
Contratos
primários e secundários: são primários aqueles que regulam
diretamente as situações do quotidiano (por exemplo, empreitadas). São
secundários os que versam sobre anteriores contratos administrativos, modificando-os
ou extinguindo-os (por exemplo, rescisão por mútuo acordo ou revogação).
Contratos
administrativos típicos e atípicos: São típicos aqueles que
se encontram definidos/caracterizados por lei (como por exemplo, concessão de
obras públicas disposto no artigo 407º, nº1 CCP). São atípicos aqueles que,
apesar de a lei não os caracterizar, a Administração Pública pode legalmente
configurar, no exercício da sua autonomia contratual pública.
Contratos
administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível
de contrato de direito privado: Existe uma dualidade do
objeto dos contratos administrativos, isto é, pode-se ter por objeto uma
situação jurídica que também podia ser regulada por ato administrativo (como
por exemplo, a concessão de obras públicas), ou ter-se por objeto situações
jurídicas que também poderiam ser objeto de contrato de direito privado (por
exemplo, a empreitada).
Formação
(preliminares)
A
Parte II do CCP, tem o objetivo de regular a formação dos contratos públicos
entendendo-se por tal todos os contratos celebrados por certas entidades, ou
seja, as “entidades adjudicantes” positivadas nos artigos 2º e 7º CPA. Como já
referi, o conceito legal de contrato administrativo pressupõe a existência de,
pelo menos, um “contraente público” (artigo 3º), que acaba por comtemplar três
tipos de entidades: (i) ao abrigo do artigo 2º, nº1, pessoas coletivas públicas
à exceção de fundações e das que tenham caráter empresarial ou associações
privadas controladas por uma ou mais daquelas pessoas coletivas públicas; (ii) no
nº 2 do mesmo artigo, os “organismos de direito público”, desde que submetam um
regime de direito público os contratos celebrados; (iii) entidades (públicas ou
privadas) que celebrem contratos no exercício de funções materialmente
administrativas.
Assim
sendo, desde que o contraente público seja uma entidade adjudicante, aplica-se,
em princípio, o regime aplicável à formação dos contratos públicos.
Princípios
gerais
A
contratação pública rege-se por princípios orientadores como o princípio da
transparência, da igualdade e da concorrência (art. 1ºA, nº 1). Estes
princípios não apontam soluções concretas aos órgãos decisórios, apenas orientam
no caminho que leva à celebração do contrato. O desrespeito grave de qualquer
um dos princípios, em qualquer fase, corrompe todo o procedimento e
consequentemente o ato final (artigo 283.ºCCP), levando à posteriori, à
invalidade de atos pré-contratuais.
Considero
serem os mais importantes, sem descurar todos os que estão positivados no
artigo 1ºA, nº1º, os seguintes:
Princípio
da concorrência: Trata de assegurar a otimização na
perspetiva dos interesses a prosseguir pela entidade adjudicante, dos termos do
contrato a celebrar. Devem refletir a solução mais vantajosa, tendo em conta
preços e qualidade. Traduz o reconhecimento da liberdade da iniciativa
económica privada e da economia de mercado, permitindo que a escolha recaia
sobre a melhor proposta.
Princípio
da igualdade: Os candidatos devem estar numa situação
de igualdade no acesso e no decorrer do procedimento. Para isso, as regras do
jogo devem já antes estar definidas e manterem-se imutáveis após a abertura de
procedimento. Proíbe, ainda, discriminações injustificadas entre os candidatos.
Princípio
da publicidade: Este princípio significa que “dentro do
respetivo âmbito de candidaturas, quaisquer deliberações da entidade
adjudicante ou das comissões do concurso que tenham relevo no procedimento
concursal, devem ser dadas a conhecer a todos os que nele possam vir a estar ou
estejam já interessados”[2].
Princípio
da transparência: A Administração Pública tem o dever de
fundamentar os seus atos e garantir a audiência dos particulares interessados,
devendo informar sobre o andamento dos processos, que sejam diretamente
interessados, e sobre as resoluções definitivas que foram tomadas.
Regime
procedimental: considerações gerais
As
regras relativas à formação dos contratos administrativos versam sobre os
elementos essenciais, isto é, a competência para contratar, a autorização para
a realização das despesas públicas a realizar através do contrato, a escolha do
procedimento pré-contratual e a respetiva tramitação, a obtenção do mútuo
consenso em que o contrato administrativo se traduz e a forma e formalidades da
celebração do contrato.
A
formação do contrato administrativo (de colaboração) passa pela adoção de um
procedimento tendente à escolha do co-contratante e pela definição do conteúdo
do contrato (procedimento de 1º grau regido, em princípio, pelas disposições da
Parte II do CCP). A formação é precedida pela prática de um ato administrativo
(ato de adjudicação), e este é por sua vez precedido por um procedimento
administrativo. Ou seja, primeiro há uma decisão de contratar, depois dá-se um
procedimento pré-contratual, segue-se a adjudicação e, por fim, a celebração de
contrato.
A
escolha do tipo de procedimento condiciona o valor do contrato a celebrar, em
virtude do princípio da concorrência, ou seja, adotando-se um determinado
procedimento, vai determinar o valor máximo do benefício económico que pode ser
obtido pelo adjudicatário (artigo 17º e seguintes do CCP).
Tipos
de procedimentos pré-contratuais e critérios de escolha
Estes
critérios dividem-se em quantitativos, em função do valor do contrato, que
assentam no pressuposto de que quanto maior for o valor do contrato mais
operadores económicos estarão interessados em apresentar a sua proposta, e nos
critérios materiais que permitem a celebração de contratos através de
determinados procedimentos.
Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão submetidas à concorrência no mercado, segundo o artigo 16.º, nº1 CCP, obriga a adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:
O ajuste direto, previsto nos artigos 112º a 129º do CCP, e sendo um procedimento fechado, só se pode apresentar propostas aqueles que tenham sido convidados a fazê-lo (artigo 115º CCP). Pode ter como destinatário somente uma entidade, não havendo publicação prévia de anúncio, o que põe em causa o princípio da concorrência. É conhecido pela sua “geometria variável”, já que este procedimento tanto pode comportar uma consulta prévia a diversas entidades (pode ainda haver uma fase de negociações), como não.
O concurso público, define-se como sendo o procedimento de iniciativa pública aberto à livre competição dos interessados admitidos a fazer valer a sua pretensão de contratar com a administração em condições de plena igualdade, para que esta possa escolher a proposta que melhor satisfaça o interesse público, garantindo assim, a livre concorrência, igualdade e transparência. Está regulado nos artigos 130.º a 161.º CCP. Trata-se de um procedimento aberto, não existindo uma fase de qualificação dos interessados.
A escolha do contraente particular pode ser feita por concurso limitado por prévia qualificação, regulado nos artigos 162º a 192º CCP. É um procedimento semi-aberto, já que se podem candidatar quaisquer interessados desde que preencham os requisitos exigidos. No entanto, apenas é permitido apresentar propostas os candidatos que sejam qualificados numa primeira fase (artigo 163º, alínea a) e b) CCP). Este procedimento torna-se bastante oneroso e longo, já que é necessário proceder a uma avaliação das candidaturas.
O procedimento de negociação, previsto nos artigos 193º a 203º CCP, implica a apresentação de candidaturas e da qualificação dos candidatos, a que se segue uma apresentação de propostas pelos tais candidatos qualificados, mas também a que haja, ainda, uma negociação das propostas apresentadas, e uma análise da versão final de propostas.
O diálogo concorrencial, está regulado entre os artigos 204.º e 218.º CCP. De acordo com o artigo 29º, nº1 CCP, este procedimento pode ser adotado quando o contrato a celebrar seja particularmente complexo, impossibilitando a adoção do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação.
A parceria para a inovação, regulada a partir de 2017, pelos artigos 30.ºA e 218.ºA a 218.ºD CCP, corresponde a uma modalidade de formação de contratos com fonte no Direito Europeu. Segundo o primeiro artigo mencionado, a entidade adjudicante pode recorrer a este tipo de procedimento quando tenha a intenção de realizar atividades inovadoras, desde que estes correspondam aos níveis de desempenho e preços máximos previamente acordados. Abrange várias fases, incluindo uma fase de apresentação de candidaturas e uma fase de apresentação de propostas.
Constam ainda do CCP os chamados “instrumentos procedimentais especiais”, como o concurso de conceção (artigos 219º a 236º CCP), os sistemas de aquisição dinâmicos (artigos 237º a 244º CCP), e os sistemas de qualificação (artigos 245º a 250º).
Fases dos procedimentos pré-contratuais
O CCP começa por disciplinar a fase de formação do contrato (artigos 34.º a 111.º CCP) e só depois a tramitação (artigo 112.º e ss. CCP).
O procedimento inicia-se com a decisão de contratar, no qual o órgão competente tem de autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar (artigo 36º, nº1 CCP). A este órgão também compete: (i) escolher o tipo de procedimento a adotar (artigo 38º CCP); (ii) aprovar as peças do procedimento (artigo 40º, nº2 CCP); (iii) designar os membros do júri (artigo 67º, nº1 CPP); (iv) adjudicar ou não adjudicar (artigos 73º, nº1 e 79º CCP); (v) aprovar a minuta do contrato (artigo 98º, nº1 CCP); e, (vi) representar a entidade adjudicante na outorga do contrato (artigos 106º, nº1 CCP).
As peças do procedimento a aprovar logo no início são o convite à apresentação de propostas ou à apresentação de soluções, o programa do procedimento e o caderno de encargos.
Quaisquer pessoas singulares ou coletivas, podem ser candidatos desde que não se encontrem legalmente impedidos, como consta nos artigos 54º e 55º CCP. É candidato a entidade que participa na fase de qualificação de procedimentos semi-abertos: nestes casos as candidaturas são analisadas pelo júri que procede à realização de um relatório de que vai constar a proposta de ordenação de candidatos a submeter à audiência dos interessados; posteriormente elabora-se um relatório final que é submetido à apreciação do órgão competente para a decisão de contratar.
As definições de concorrente e de proposta, estão elencadas nos artigos 53.º e 56.º, nº1 CCP, respetivamente.
O júri do procedimento dirige a instrução do procedimento pré-contratual, competindo-lhe várias funções (designadas pelos artigos 67.º, nº1 e 69.º CCP), como por exemplo, apreciar as candidaturas e as propostas ou elaborar os relatórios de análise de candidaturas e das propostas.
As propostas são analisadas e o júri pode pedir esclarecimentos sobre as propostas (artigo 72º CCP). Depois de cumpridos os procedimentos relativos à audiência dos interessados, o júri ordena as propostas em ordem à adjudicação pelo órgão competente para a decisão de contratar.
A adjudicação é o ato pelo qual é aceite a única proposta apresentada ou escolhida entre as propostas apresentadas (artigo 73º, nº1 CCP).
A decisão de adjudicação é notificada, em simultâneo, a todos os concorrentes (artigo 77.º, nº1 CCP). Segundo o artigo 74º CCP, este critério pode ser o da proposta economicamente mais vantajosa (implica a estabilidade dos fatores e subfatores que o densificam para que se mantenham as “regras de jogo” e, assim, evitar distorções na concorrência e discriminações entre candidatos) ou do preço mais baixo (só é adotado quando submetido à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações, que constituem o objeto do contrato a celebrar).
Poderá haver a hipótese de uma decisão de não adjudicação, designadamente por motivos de interesse público, em razão de circunstâncias imprevistas ou supervenientes (artigos 76º, nº1 e 79º CCP).
O adjudicatário deve sempre demonstrar estar em condições de celebrar e executar o contrato, apresentando a habilitação (artigo 81.º CCP), que se comprova através de documentos, como o modelo de declaração de inexistência de impedimentos do candidato, entre outros. O órgão competente para a decisão de contratar deve notificar, simultaneamente, todos os concorrentes da apresentação dos documentos de habilitação (artigo 85º, nº1 CCP).
Segue-se a fase da celebração do contrato, regulada pelo artigo 94.º CCP e ss., que vai culminar com a assinatura do mesmo, que pode ser pela entidade adjudicante, representada pelo órgão competente para a decisão de contratar, ou pelo adjudicatário ou por entidade que o mesmo tenha constituído como, por exemplo, um advogado, representante…
O CCP consagra nos seus artigos 267.º e ss., um regime de garantias administrativas relativas aos procedimentos pré-contratuais, a reclamação ou o recurso administrativo. São suscetíveis de impugnação administrativa de caráter facultativo, a interpor em regra no prazo de 5 dias a contar da respetiva notificação, quaisquer decisões administrativas ou outras proferidas no âmbito de formação de um contrato público (artigo 269.º CCP).
Conclusão
A Administração Pública tem um papel fundamental na execução de políticas públicas e na prestação de serviços essenciais para os cidadãos. Neste sentido, a atividade contratual também desempenha um papel fundamental na viabilização dessas políticas e serviços. Na maior parte das vezes, requerem a colaboração com entidades privadas para a aquisição de bens, realização de obras e prestação de serviços especializados.
Assim sendo, os procedimentos vêm-se obrigados a serem pautados pela legalidade, transparência, igualdade… de forma a assegurar a eficiência na aplicação de recursos públicos e a justa competição entre os fornecedores.
A colaboração entre o setor público e o setor privado, quando realizada de forma ética e transparente, pode contribuir para o progresso e a consequente melhoria de vida dos cidadãos, visando sempre o interesse coletivo e o bem comum.
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Viana, Cláudia, Os princípios comunitários na Contratação Pública, Coimbra Editora, 2007
Shania Rodrigues
Nº de aluno: 68045
Turma B, subturma 15
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