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segunda-feira, 27 de maio de 2024

A Validade e Eficácia do Ato Administrativo

     No Direito Administrativo, tanto a legalidade como a eficácia são regidas por regras e requisitos diferentes. É comum encontrar atos no Direito Administrativo que, mesmo que cumpram todos os requisitos de legalidade não são eficazes e, consequentemente, não produzam efeitos. A função administrativa exige a separação entre a legalidade (que é a conformidade do ato administrativo com o ordenamento jurídico) e a eficácia (que se refere à produção dos efeitos jurídicos do ato).

Validade- a validade refere-se à capacidade específica de um ato administrativo, para gerar os efeitos jurídicos correspondentes ao seu tipo legal, devido à sua concordância com a ordem jurídica. Os requisitos da validade de um ato administrativo incluem diversas condições necessárias para que uma ação administrativa seja considerada legal. Em primeiro lugar temos a competência, o que significa que o ato deve ser realizado por um órgão com autoridade legal para tal. Seguidamente, vêm os requisitos de procedimento, pois os atos administrativos resultam de um processo formalizado, mais conhecido como procedimento administrativo. Também não nos podemos esquecer dos requisitos formais, que se referem à aparência externa do ato e à sua apresentação e, por último, temos as ilegalidades materiais, que dizem respeito ao conteúdo do ato. Para o Professor Vasco Pereira da Silva, não há apenas uma ilegalidade isolada num ato administrativo pois, normalmente, há uma associação de problemas, como uma incompetência , falhas no procedimento, questões formais e ilegalidades materiais;

Eficácia- a eficácia refere-se à capacidade legítima do ato produzir efeitos jurídicos previstos na realidade. Os requisitos de eficácia são as condições estabelecidas pela lei para que um ato administrativo possa gerar certos efeitos. Um ato começa a produzir efeitos a partir do momento em que é realizado (Artigo 155º, nº1 do CPA). Contudo, temos as exceções previstas nos Artigos 156º e 157º do CPA. Ademais, para que o ato seja eficaz, é sempre necessário que haja notificação e/ou publicação, consoante o estipulado nos Artigos 158º a 160º do CPA;

Invalidade- acreditava-se que a única causa de invalidade de um ato administrativo era a ilegalidade, ou seja, todo o ato administrativo ilegal era considerado inválido e todo o ato inválido era assim por ser ilegal. Atualmente, reconhecem-se outras fontes de invalidade. Agora, um ato administrativo pode ser inválido (nulo ou anulável) por razões que não se relacionam diretamente com a sua legalidade. Essas razões podem incluir motivos comuns ao Direito Privado, como o erro, o dolo, a coação ou a simulação. Nesses casos, o ato é considerado ilícito e pode enquadrar-se em pelo menos quatro situações, tais como:

1. Quando um ato administrativo não infringe a lei, mas prejudica um direito subjetivo ou interesse legítimo de um particular;

2. Quando um ato administrativo viola um contrato que não é de natureza administrativa;

3. Quando um ato administrativo contraria a ordem pública ou os bons costumes;

4. Quando um ato administrativo apresenta elementos de usura.

Para além disso, podemos estar perante vícios da vontade, como quando um particular engana a Administração que, então, age sob dolo ou coação. A vontade da Administração deve ser livre e informada.

A ilegalidade de um ato administrativo ocorre quando este contraria a lei (entendida como todo o conjunto de normas jurídicas). Pode manifestar-se de várias formas, particularmente em vícios do ato administrativo. Vale ressalvar que essas ilegalidades podem persistir indefinidamente se ninguém recorrer ao tribunal para contestar a validade do ato, ou se a Administração não tomar iniciativa de anular ou revogar o ato.


Os vícios do Ato Administrativo

    Há situações em que os atos administrativos não são considerados inválidos, mas sim ineficazes. Esses atos são criados em consonância com as normas jurídicas e obedecem aos requisitos de validade, porém, não cumprem com os requisitos de eficácia (quando o ato não é comunicado aos destinatários ou não é devidamente publicado, por exemplo). Ademais, há atos administrativos que mesmo que sejam inválidos por não estarem de acordo com a lei, ainda produzem efeitos até serem anulados logo, a anulação desses atos tem efeitos retroativos. Todavia, se a invalidade do ato não for contestada este continuará em vigor. Em situações de manifesta ilegalidade, os atos ainda podem produzir efeitos caso não sejam impugnados. O Princípio da Proteção da Confiança pode justificar a produção de efeitos de um ato inválido e, em contrapartida, segundo o Princípio da Proteção dos Particulares, um ato inválido pode não ser eficaz.

    O desvalor jurídico da invalidade, que é mais específico do que a ilegalidade, pode ser definido como a consequência jurídica que decorre do facto de um ato administrativo não estar em concordância com os princípios e normas jurídicas aplicáveis. Atualmente, a invalidade do ato está intimamente ligada ao crescente reconhecimento e autonomia do Procedimento Administrativo, além da valorização da validade material da decisão administrativa. Este conceito engloba tanto os regimes de nulidade como os de anulabilidade.

    É necessário considerar dois aspetos essenciais, um de natureza mais teórica, que é a fonte, e outro relacionado com os elementos do ato administrativo, que é a espécie. Os elementos essenciais da atuação administrativa incluem a competência, o procedimento, a forma e os requisitos materiais. A violação de qualquer um desses requisitos de validade resulta numa ilegalidade. No entanto, em Portugal, essa interpretação é bastante complicada pela teoria dos vícios do ato administrativo. Essa complexidade deve-se à evolução histórica da figura do ato, à qual diferentes leis adicionaram novos elementos ao longo do tempo, especialmente no direito francês e português.

    No nosso ordenamento jurídico, seguindo as orientações doutrinárias das décadas de 1970 e 1980, o legislados enumerou os vícios do ato administrativo entre os quais estão a usurpação de poderes, a incompetência,  a violação da lei, o desvio de poder e o vício de forma. Segundo o Professor André Gonçalves Pereira, esta enumeração é ilógica e, no contexto atual está incompleta. Já o Professor Vasco Pereira da Silva considera que essa enumeração deve ser considerada ilegal, uma vez que não está prevista nem na Constituição da República Portuguesa nem em qualquer lei.

    A usurpação de poderes e a incompetência subscrevem-se ao mesmo elemento do ato administrativo que é a competência, sendo que a usurpação de poderes é uma forma de incompetência que pode ser absoluta ou relativa. A distinção entre os tipos de incompetência é difícil de suportar, pois ambos envolvem uma violação dentro da esfera do poder administrativo. O vício de forma abrange duas situações distintas, sendo estas o vício strictu sensu e o vício prodecimental (que estava ausente na enumeração tradicional). Portanto, dentro de um único vício, encontramos também dois elementos materiais do ato administrativo.

    A distinção entre desvio de poder e violação da lei implica a separação entre o poder discricionário e poder vinculado, o que, como vimos anteriormente, não é juridicamente possível. Esta lógica omite o procedimento pois, todos os vícios da vontade (que dizem respeito aos requisitos de validade material de qualquer atuação), como o erro, o dolo e a coação devem ser incluídos numa noção mais ampla da violação da lei.

    Podemos encontrar no Artigo 161º, nº2 do CPA a única referência legal aos vícios da nossa legislação, que se limitam a dois: a usurpação de poderes e o desvio de poder para fins de interesse privado. Todos os outros vícios estão ausentes, assim como a necessidade de qualificar as ilegalidades segundo a teoria dos vícios. Assim, deve-se considerar que a atuação administrativa é válida ou inválida conforme viole as regras de competência, procedimento e forma, bem como os requisitos materiais de validade. Todas estas situações constituem fundamentos para a anulação da atuação viciada.


Sanções que a ordem jurídica estabelece para os atos administrativos inválidos

    Para um ato administrativo ter existência jurídica, este deve conter um conjunto de elementos essenciais: a identificação do autor, do destinatário, do objeto e do conteúdo (Artigo 155º, nº2 do CPA). Se por acaso faltar qualquer um destes elementos, o ato torna-se inexistente. Nem todos os atos existentes são implicitamente válidos e é importante distinguir entre as condições para a existência do ato e os requisitos para a sua validade.

    Relativamente às modalidades de invalidade do ato, o Código do Procedimento Administrativo adotou uma abordagem mais facilitadora e distinguiu duas formas: a anulabilidade e a nulidade (esta última a forma mais grave e que é considerada excecional). Os Artigos 161º e 162º do CPA estabelecem as condições e o regime de nulidade, com a especificação de que "o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade" (Artigo 162º, nº1 do CPA). O CPA permite a incumbência de efeitos jurídicos a situações de facto que resultem de atos nulos, em concordância com os princípios da boa-fé, com a proteção da confiança e da proporcionalidade, além de outros princípios jurídicos constitucionais, especialmente relacionados com o decurso do tempo (Artigo 162º, nº3 do CPA).

    Relativamente aos casos que não se enquadrem na nulidade, aplica-se o regime da anulabilidade. Os atos anuláveis têm efeitos jurídicos que podem ser anulados retroativamente por decisões dos tribunais administrativos ou pela própria Administração (Artigo 163º, nº2 do CPA). Surge a questão da tipificação dos atos nulos. A revisão de 2015 do CPA alterou o nº1 do Artigo 168º para incluir a especificação (segundo os autores da reforma, como o Professor Sérvulo Correia), o que influenciaria a interpretação do Artigo 161º, nº1 do CPA. Por outras palavras, o regime da nulidade seria aplicado de forma restrita, e a anulabilidade seria a sanção padrão da ordem jurídica para os atos administrativos.

    O ponto de vista do Professor Vasco Pereira da Silva difere nesse aspeto. O Artigo 161º, nº1 do CPA estabelece que "são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade". No entanto, essa formulação não implica uma técnica de tipificação, pois o nº2 do mesmo Artigo menciona que "são, designadamente, nulos" certos atos enumerados. Estes são, portanto, exemplos dados nas alíneas a) e l), definidos por conceitos gerais amplos. Assim, não é o correto afirmar que há uma tipificação, mantendo-se uma cláusula aberta. O legislador aborda todos os requisitos de validade e faz apenas uma distinção entre anulabilidade e nulidade com base num juízo de intensidade. Portanto, não há no Código uma regra geral de anulabilidade ou nulidade. O valor jurídico depende da intensidade do vício.

O Regime da Revogação e anulação dos atos administrativos

    Na revisão de 2015 do Código do Procedimento Administrativo, foi abordada a distinção entre a revogação e a anulação administrativa. Estas mudança foi, na verdade, uma questão principalmente terminológica, conforme descrito nos motivos apresentados no Código. Para a Escola de Lisboa, essa distinção centra-se na definição dos efeitos de um ato sobre o outro ato anterior. Tradicionalmente, a doutrina distinguia duas formas de revogação: a revogação anulatória, que corrigia a invalidade de um ato com efeitos retroativos (ex tunc), e a revogação ab-rogatória, ou extintiva, que correspondia a uma alteração motivada por avaliações de mérito, conveniência ou oportunidade, e apenas podia produzir efeitos futuros (ex nunc).

    Segundo a versão atual do Código, a revogação anulatória é denominada de anulação e a revogação ab-rogatória é denominada de revogação. A alteração terminológica teve como objetivo esclarecer essas figuras porém, isso não implica, ao contrário do argumento da Escola de Coimbra, que haja uma distinção completa entre os regimes jurídicos. De facto, os Artigos 165º e seguintes do CPA estabelecem um regime de aplicação único para ambas as formas (com o Artigo 167º dedicado especificamente à revogação e o 168º à anulação). De facto, ambos os tipos de atos são sempre derivados e eliminam os efeitos de um ato anterior.

    Para os autores de Coimbra, especialmente o Professor Vieira de Andrade, a questão subjacente à alteração terminológica em 2015 não se limitou apenas à terminologia, mas também envolveu uma preocupação com a rigidez das regras de revogação e anulação existentes em Portugal. O regime anterior estipulava que só seria possível agir sobre um ato já praticado dentro de um ano, após o qual os efeitos do ato decidido tornar-se-iam definitivos. A necessidade de flexibilizar o sistema foi motivada pela consideração dos valores constitucionais , como o princípio da legalidade, que exige uma abordagem flexível à anulação, e também pelo interesse público. Isso implica que, quando a Administração encontrar formas preferíveis de agir, deve fazê-lo, embora limitada pelos princípios da boa-fé e da proteção da confiança.

    Na regulação destes princípios conflituantes, existem duas abordagens possíveis. A abordagem alemã delega a resolução desses conflitos ao juíz, na medida que a francesa estipula que cabe sempre ao legislador resolver essas questões. Numa concepção moderna do Direito Administrativo, o caso decidido não tem lugar, pois os atos administrativos são sempre passíveis de anulação ou revogação, com base na interpretação conforme a legislação administrativa com a Constituição. Isso requer flexibilidade nas normas sobre a anulação e revogação dos atos administrativos. O sistema atual do Código flexibiliza as possibilidades de determinar esses atos, mas é notável que o legislador tenha optado por manter os prazos como critério final, o que implica alguma rigidez no sistema.

    Os atos administrativos podem ser revogados, desde que essa revogação não afete a estabilidade jurídica, não haja impedimento legal vinculativo ou não estejam em questão direitos irrenunciáveis. Portanto, em princípio, um ato que estabelece direitos não pode simplesmente ser revogado, pois há uma eficácia inabalável nessa ação administrativa. A revogação só é possível em certos casos, com o estabelecimento de direitos a servir como um limite para essa revogação. No caso de atos que estabelecem direitos e incluem também decisões desfavoráveis, é permitida a revogação parcial (conforme o Artigo 167º, nº2, alínea c) do CPA). Para além disso, quando há uma cláusula de reserva de revogação, o ato praticado permite essa revogação e há circunstâncias previstas na própria cláusula, sendo a flexibilidade condição para a eficácia do ato (conforme o Artigo 167º, nº2, alínea d) do CPA).

    O Artigo 168º do CPA, que trata da anulação, não representa a mesma flexibilidade que vimos na revogação, devido à manutenção de prazos, que alguns autores, como o Professor Vasco Pereira da Silva consideram injustificáveis e contrários à lei substantiva e processual. Pela interpretação conforme a Constituição, é razoável entender que os particulares têm o direito de ter a legalidade de determinados atos sempre apreciada. Portanto, deve admitir-se que, além do prazo, seja sempre possível anular um ato administrativo quando tal for fundamental para promover o interesse público. O Professor Vasco Pereira da Silva também considera o número 7 do Artigo 168º do CPA tanto inconstitucional como também ilegal, porque viola o princípio da separação de poderes, uma vez que a violação do Direito da União Europeia tem consequências equivalentes à violação do direito interno.

    O Artigo 169º do CPA trata das questões da iniciativa e competência para a revogação. Tradicionalmente, existem dois entendimentos. O Professor Freitas do Amaral, defende que a iniciativa e competência para a revogação devem estar no mesmo órgão que praticou o ato viciado, e o Professor Marcelo Rebelo de Sousa argumenta que a iniciativa deve caber apenas aos órgãos competentes. Por outro lado, o Professor Vasco Pereira da Silva propõe que a iniciativa para a revogação deva ser atribuída tanto ao órgão que praticou o ato como também aos órgãos competentes, uma solução que atualmente está consagrada no Código.

    Finalmente, no âmbito da execução, a reforma de 2015 trouxe uma mudança significativa ao eliminar qualquer menção à executoriedade ou ao privilégio da execução prévia, em favor do princípio da legalidade aplicado aos atos administrativos, com a tipificação das formas de execução correspondentes. O Artigo 179º do CPA proíbe explicitamente a execução coerciva de dívidas pecuniárias, ao remeter sempre a executoriedade para os tribunais. Nesse sentido, o Professor Vasco Pereira da Silva critica tanto a opção como a redação do Artigo 176º do CPA (ilegalidade da execução), que sugere que a garantia da legalidade se traduz na prática de um ato executivo prévio. Sob uma interpretação moderna do Direito Administrativo, essa garantia deve antes refletir-se na aplicação da proporcionalidade no uso da força. O cerne não está em decidir se o ato deve ou não ser praticado, mas sim em assegurar a sua proporcionalidade, especialmente quando há uma cláusula de reserva de revogação. Como podemos observar, a flexibilidade é uma condição para a eficácia do direito, conforme o Artigo 167º, nº2, alínea d) do CPA.

Bibliografia

Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2018

Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2021

Rebelo de Sousa, Marcelo; Salgado Matos, André, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 2ª edição, Lisboa, Dom Quixote, 2009

Transcrições do Professor Vasco Pereira da Silva 2024


Maria Beatriz Cardoso Pereira, nº57352, Sub 15, Turma B

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