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domingo, 26 de novembro de 2023

A Regionalização Administrativa

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Introdução


Dentro do universo de princípios que regem a Administração Pública, podemos encontrar um grupo de princípios constitucionais que se destinam a reger a organização administrativa, entre os quais encontramos o princípio da descentralização administrativa - este princípio funciona como uma divisão daquilo que é o exercício dos poderes por diversas entidades administrativas, nomeadamente as funções política, legislativa e administrativa como irá ser abordado em detalhe posteriormente. Para além do princípio mencionado, é essencial referir o princípio da subsidiariedade, refletindo que tudo aquilo que pode ser feito por estruturas mais próximas ou inferiores não deverá ser feito pelas estruturas menos próximas ou de nível mais elevado, por razões de eficiência e racionalidade.

É neste panorama que nos surge o Poder Local, para o qual a Constituição impõe a existência de autarquias locais no seu artigo 235.º, sendo estas as freguesias, os municípios e as regiões administrativas segundo o disposto no artigo 236.º/1 – administração autónoma do Estado. As atribuições e competências das autarquias locais são reguladas por lei, visando sempre o princípio da descentralização administrativa, segundo o artigo 237.º/1, tendo de haver uma divisão naquilo que é o exercício das várias funções do estado, dizendo essencialmente respeito aquilo que são os interesses próprios da respetiva população. 

Ao longo deste post irá ser abordado o tema da regionalização tem sido alvo de uma ampla discussão, tanto no meio político como no meio académico, por dizer respeito à disciplina do Direito Administrativo devido às suas inevitáveis repercussões a nível jurídico.

 

 

Princípio da descentralização 

 

            O princípio da descentralização encontra-se tutelado no art.267º, nº2 da CRP. Este princípio exige que a administração seja exercida também por pessoas coletivas distintas do Estado – não impõe um grau de descentralização mas impede o surgimento de normas que o possam colocar em causa.[1] Quer isto dizer que o  exercício de funções do Estado não pode ser um monopólio Estadual[2], pelo que deve estar repartido por uma pluralidade de entendides – pessoas coletivas públicas – uma vez que a descentralização envolve o descongestionamento de poderes, originando novos centros de imputação de efeitos jurídicos ou reforçando as suas áreas de intervenção decisória.[3] Assim, a descentralização supõe uma divisão política, legislativa e administrativa entre o Estado e várias entidades – uma manifestação da separação institucional de poderes. 

            No entanto, nunca poderá envolver tarefas que a Constituição confia no Estado ou competência que atribui a órgãos de soberania. 

Princípio da subsidiariedade 

 

            O princípio da subsidiariedade, dotado de um sentido descentralizador, foi introduzido em na Revisão Constitucional de 1997 em correlação com o princípio da descentralização, encontrando-se tutelado no art.6º da CRP. Como já foi referido, tem subjacente o entendimento de que tudo aquilo que puder ser feito pelas estruturas mais próximas ou de nível inferior, não deverá ser feito pelas estruturas mais distantes ou de nível mais elevado, relevando-se dotado de uma operatividade que permite a sua classificação como um modelo de repartição de áreas materiais de decisão ou de diferentes níveis de intervenção decisória.[4]

            O papel principal é o de assegurar que as atribuições administrativas são prosseguidas pelo nível de administração melhor colocado para o fazer, com mais racionalidade[5], eficácia e proximidade em relação aos cidadãos – art.2º, nº2 da Lei nº159/99, de 14 de setembro – assegurando a sua concretização.

 

O Poder local 

 

            Dentro desta categoria do poder local, surgem-nos, na Constituição, as regiões administrativas, no entanto, atualmente, ainda não estão instituídas, tendo ao longo da vigência da constituição de 1976 subsistido os governos civis com a circunscrição administrativa dos distritos, como definido pelo artigo 291.º da CRP, até à sua abolição em 2011, sobrevivendo apenas a circunscrição administrativas dos distritos, que no entender do Professor Freitas do Amaral não se qualificam como autarquia local. As regiões administrativas, segundo este mesmo professor, seriam autarquias locais supramunicipais, que visam a prossecução dos interesses próprios das respetivas populações que a lei considere que são melhor geridos em áreas intermédias entre o escalão nacional e municipal, diferindo-se das regiões autónomas, uma vez que estas são regiões político-administrativas com estatuto político-administrativo próprio, com poderes legislativos e órgãos de governo próprios. As atribuições das regiões administrativas são referidas tanto na Constituição como na Lei-Quadro das Regiões Administrativas, visando essencialmente o desenvolvimento económico e social das regiões. Os princípios constitucionais abordados anteriormente, conferem às autarquias locais dois poderes distintos: o poder administrativo e o poder político. 

            O poder local, está organizado em Portugal numa lógica de democracia representativa – integra a estrutura organizativa do Estado, dispõe de instrumentos legislativos que lhe conferem autonomia política e territorial, consubstanciando-se numa autonomia administrativa e financeira – dispondo de capacidade eleitoral própria, órgãos políticos locais (deliberativos e executivos), atribuições e competências próprias, funcionários que integram os quadros de pessoal das autarquias assim como a autonomia para elaborar e executar orçamentos (receitas e despesas), cumprindo as medidas deliberadas nas grandes opções do plano de atividades e do plano plurianual de investimento.

            Os princípios subjacentes à função autárquica encontram-se tutelados na Lei nº75/2013 (RJAL) e o Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de janeiro (CPA), sendo os seguintes: 

·       Princípio da especialidade – determina que os órgãos autárquicos só possam deliberar no âmbito da sua competência e para a realização das atribuições que lhes são concedidas – art.45º do RJAL.

·       Princípio da independência- determina que os órgãos das autarquias locais são independentes, no âmbito das suas competências e as deliberações só podem ser suspensas, modificadas, revogaras ou anuladas na forma prevista na lei – art.44º do RJAL.

·       Princípio da legalidade – impõe aos órgãos da administração pública o dever de atuação em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes foram atribuídos e em conformidade com os fins para que os poderes lhes foram conferidos – art.3º, nº1 do CPA.

 

 

A regionalização 

 

            Como referido anteriormente, o tema da regionalização tem sido alvo de bastante discussão, pelo que importa primeiramente definir o que é a regionalização. A regionalização é, nas palavras do Sr. Professor Freitas do Amaral, a criação de novas entidades públicas autónomas, eleitas por sufrágio direto e universal pela população residente na região, com competência para resolver os seus problemas com os seus recursos. É necessário, para este efeito, definir as competências a atribuir às regiões administrativas, a afetação de recursos à mesma e ainda a sua divisão territorial.

Uma regionalização levaria à criação de novos cargos de poder local, nova legislação e uma nova repartição de competências na escala intermédia entre o escalão municipal e nacional. O processo de regionalização vem previsto na constituição, no entanto, é um processo bastante difícil e demorado. A regionalização está bloqueada desde 1998 depois do referendo, um dos passos necessários para a regionalização, no entanto, o referendo sobre a regionalização foi chumbado, o que levou esta discussão ao esquecimento, sendo referida muito esporadicamente, quando há eleições. 

Atualmente, aquilo que temos em Portugal são CCDR’s  (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional), que são serviços da administração local do Estado, no entanto, uma vez que estão sujeitos à direção do Ministério da Coesão Territorial, não podemos considerar que são sequer um órgão da Administração Autónoma do Estado e muito menos uma autarquia local, não substituindo as regiões administrativas.

Para conseguirmos chegar ao ponto da regionalização, há todo um processo exigido pela Constituição nos artigos 256.º e 257.º com vários passos que deve ser observado. O primeiro passo exigido seria a aprovação de uma Lei-Quadro das Regiões Administrativas (a Lei 56/91 de 13 de agosto, já aprovada pela Assembleia da República). Depois seria necessário proceder à divisão territorial das regiões administrativas, definindo quais seriam as regiões (a Lei 19/98 de 28 de abril, uma lei também já aprovada pela Assembleia da República). Seria ainda necessária a aprovação da lei de cada uma das regiões administrativas. Por fim, é também exigido pela Constituição o voto favorável da maioria dos cidadãos eleitores, tanto a nível nacional como a nível regional, referendo que já foi realizado. Foi perguntado aos cidadãos se concordavam com a instituição das regiões administrativas e se concordavam em específico com a instituição da região administrativa a que pertenciam, referendo realizado a 8 de novembro de 1998 e que foi chumbado com 63% de votos contra.

 Antes da Revisão Constitucional de 1997, este requisito era substituído por uma audiência e voto favorável das Assembleias Municipais, isto é, um voto favorável da população representada pela respetiva assembleia. Vários autores vão contra este procedimento por ser moroso e exagerado, como nos diz o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Nas palavras do Sr. Professor António Cândido de Oliveira, este procedimento imposto constitucionalmente não existe por se querer que existam regiões administrativas, antes pelo contrário, esta dezena de artigos estão na constituição para evitar que se faça ou pelo menos dificulta-la. Recorrendo ao exemplo francês, o Sr. Professor explica que se deveria estabelecer a existência das regiões administrativas e deixar a sua criação para lei ordinária. Um dos maiores entraves à regionalização, tanto a meu ver como de vários autores, é o processo imposto pela constituição. Um outro problema que se suscita é: e se, quando o referendo é realizado, existem municípios que votam contra a instituição em concreto da sua região administrativa? Teríamos a instituição de algumas regiões administrativas e não de outras? Poderia ser bastante problemático, uma vez que teríamos a administração com diferentes estruturas e velocidades, pois isto levaria efetivamente a que não se instituísse a região em concreto.

No entanto, surge, para alguns, um outro problema: saber quais as atribuições das regiões administrativas. Através da leitura do artigo 257.º e 258.º da constituição, podemos retirar que a Assembleia Constituinte conferia às regiões a direção de serviços públicos e tares de coordenação e apoio à ação municipal, assim como a realização de planos regionais para o respetivo território. Além disto, cabe ao legislador definir em lei ordinária outras competências das regiões, pelo disposto no artigo 255.º

As regiões administrativas devem assumir competências que passem pela aproximação da administração central e as populações, não podendo nunca assumir competências meramente residuais. Esta atribuição de competências já foi realizada com a Lei nº 56/91 de 13 de agosto, passando por variadíssimas matérias, a meu ver bastante explanadas, não caindo no risco que se falava à pouco e permitindo até ajudar num equilíbrio naquilo que têm sido as discrepâncias que se sentem entre o litoral e o interior. Atualmente, estas atribuições são competências, por exemplo, das CCDR’s e outros serviços da administração central, havendo, com a regionalização, uma transferência das competências.

Será que faz sentido criar regiões administrativas, tendo em conta que as suas competências são já desempenhadas por outras entidades?

Existem várias vantagens trazidas pela regionalização, discutidas tanto na doutrina como no meio político. A vantagem aparente, e que salta desde já à vista, seria uma aproximação entre a administração central e as populações, o que torna imperativo responder a outra questão - aproximar os cidadãos da administração centrar, por si só, otimiza a administração em algo?

A resposta óbvia é de que os processos utilizados pela administração, no que diz respeito à sua eficiência, permanecem inalterados pela regionalização. No entanto, não me parece que se torne numa desvantagem por isso, sendo apenas um aspeto que tem necessariamente de ser corrigido. Será até uma vantagem, todas as razões elcencadas levam a uma maior racionalidade e eficiência – responsabilidade política perante a população. 

É importante que se criem estas estruturas, mais atentas e próximas dos cidadãos, até pelo imperativo constitucional do princípio da subsidiariedade, de modo a atingir um meio termo entre aquilo que temos atualmente como o poder central e o município, muito mais próximo das populações que pretensas comissões, permitindo, inclusive, uma maior eficiência dos serviços locais e regionais da administração o que iria resultar numa facilidade na identificação de problemas e uma melhor afetação de recursos, bem como um maior equilíbrio naquilo que é a distribuição de recursos e correção de assimetrias a nível nacional, contribuindo para um desenvolvimento mais harmonioso. 

É também suscitado, muitas vezes, o argumento da integração europeia. Portugal ratificou a Carta Europeia da Autonomia Local que sublinha o princípio da subsidiariedade, e, a tendência pela Europa é para a regionalização, havendo poucos países que não tenham governos regionais. Portugal, em vários estudos, aparece inclusive como um dos países mais centralizados da União Europeia. Do ponto de vista da integração europeia, faria todo o sentido regionalizar. Por outro lado, os “adversários” da regionalização respondem dizendo que Portugal é um país muito pequeno, sendo necessária uma maior coesão territorial e optando pela não regionalização – há que dizer que mesmo pela Europa, verifica-se esta tendência até em países mais pequenos que em Portugal como a Áustria, a Bélgica, a Dinamarca ou a Holanda – pelo que, independentemente da sua dimensão, os países europeus mais desenvolvidos são queres que possuem regiões administrativas.

Outro argumento que surge, apesar de ser um argumento literal, é o próprio cumprimento daquilo que é imposto pela Constituição. A Constituição não só estabelece a existência de regiões administrativas, como impõe um processo para o fazermos, por muito moroso e exagerado que seja.

 

Conclusão 

Tal como foi referido ao longo deste post, as CCDR’s estão sob o controlo da Ministra da Coesão Territorial, o que cria dificuldades visíveis quanto à gestão de um tão elevado número de entidades. Neste modelo, teríamos órgãos de poder local diretamente eleitos pela população, que além de mais próximos da população como exposto, estariam menos sobrecarregados e mais concentrados no seu quadro de competências de que se falava há pouco.

Apesar de haver muitos mais argumentos que poderiam ser apresentados, parece-me que a regionalização traz efetivamente várias vantagens para o país, apesar de haver outros aspetos que precisam de ser corrigidos na administração pública portuguesa, mas que para lá caminhamos a meu ver. 

O argumento mais convincente dos adversários da regionalização será efetivamente a razão financeira, que reconhecemos como uma desvantagem, no entanto, apesar disso, parece mais vantajoso gastar mais para aumentar a eficiência dos serviços públicos, saindo as populações a ganhar, efetivando ainda mais a democracia participativa uma vez que a população estaria mais interessada em ir votar, quando diz respeito à administração da sua região. 

 


Inês Nabeiro

Nº de aluno: 64848

Subturma 15, TB



Bibliografia 

1.     SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019.

2.     OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013.

3.     FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativas, 3ª Edição, Vol. I, Almedina, 2010.

4.     FREITAS DO AMARAL, Diogo / SILVA, Jorge Pereira da, Estudo Aprofundado Sobre a Problemática da Regionalização, Vol. I, criada no âmbito da Assembleia da República, pela Lei nº 58/2018, de 21 de agosto.

5.     SOUSA, Marcelo Rebelo de / MATOS, André Salgado de, de Direito Administrativo Geral, Tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 1ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2004.

 

 



[1] SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019, p. 169.

[2] OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p.363.

[3] OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p.363.

[4] OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p.362.

[5] SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019, p. 169.

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