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domingo, 26 de novembro de 2023

Análise de Jurisprudência: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27/05/2009, relativo ao processo n.º 0182/09


 Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, o direito administrativo atual não se resume a um conjunto de normas que conferem privilégios excessivos à Administração Pública, como ocorria no século XIX - as abordagens autoritárias desse período já não são pertinentes nos dias atuais. Na sua perspetiva, o direito administrativo é, na verdade, o direito que regula a função administrativa, procurando atender às necessidades públicas por meio de ações tanto do setor público como do privado, permitindo a combinação de ambas. Esta visão não implica que apenas o Estado seja responsável por promover o interesse público - outras entidades criadas pelo Estado também desempenham esse papel. Isto é relevante para a análise do acórdão em questão, uma vez que se trata de um caso de administração indireta do Estado. No seguimento desta questão, importa definir o conceito de administração indireta – segundo o professor Freitas do Amaral, trata-se do “conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma atividade destinada à realização de fins do Estado”. Ora, para o professor as entidades públicas empresariais (E.P.E.) fazem parte da administração indireta do Estado, descrito anteriormente. No caso específico, deparamo-nos com um hospital que se configura como uma Entidade Pública Empresarial (E.P.E.), caracterizando-se como uma pessoa coletiva dotada de personalidade jurídica que adota a forma de empresa.

Está presente neste caso um funcionário público, mais especificamente um médico, a quem foi autorizado exercer atividade médica – a mesma que desempenhava no seu papel de funcionário público – de forma privada, nas instalações habituais de trabalho enquanto agente do Estado, mas fora do seu horário normal de serviço. O contexto envolve um recurso apresentado pelo médico gastroenterologista em relação a um despacho imitido pela Ministra da Saúde que rejeitou um recurso hierárquico contra uma decisão do Inspetor-Geral da Saúde, que tinha ordenado a restituição de uma quantia de 7.998.509 escudos (agora euros).

A fundamentação desse recurso inclui a alegação de três vícios: incompetência, falta de fundamentação e violação de lei.

A (recorrente) fez alegações relevantes: afirma que, de acordo com a lei de gestão hospital, apenas os órgãos do hospital têm autoridade para determinar a reposição de qualquer quantia, e que essa autoridade não pertence a uma entidade com competência disciplinar, como o Inspetor-Geral da Saúde ou a Ministra da Saúde, e que não poderia, por isso, condenar o recorrente a fazer qualquer reposição – a fundamentação deste vício é a violação dos artigos 30.º CPA (atual 37.º) e 33.º CPA (atual 40.º). É importante destacar que este caso ocorreu em 2009, mas o CPA foi alterado em 2015.

Ainda assim, a questão será examinada principalmente com base no sistema em vigor na época.

No que respeita ao vício de falta de fundamentação, A afirma que não há fundamentos de facto nem de direito para a solicitação da reposição. Para além disso, afirma que houve benefícios para os utentes, eliminando as filas de espera, apoiando-se nos artigos 124.º CPA (atual 152.º) e 125.º CPA (atual 153.º). Finalmente, em relação ao vício de violação de lei, o despacho violaria o artigo 3.º CPA porque não há lei que justifique a reposição solicitada. A considera, assim, que os importantes benefícios do acordo foram postos em causa a pretexto de violação de aspetos meramente formais, o que é prejudicial.

Perante isto, é crucial apresentar a análise realizada pelo tribunal: primeiramente, a Ministra da Saúde concluía que na Inspeção-Geral dos Serviços de Saúde, um órgão central do Ministério da Saúde, determinou a reposição das quantias devidas como parte de um procedimento disciplinar. Para além disso, esta quantia foi determinada por uma conduta que violou os termos do contrato, das leis e dessa mesma conduta. Importa ainda referir que as habilidade do Inspetor-Geral da Saúde não entram em conflito com as habilidade do Conselho de Administração do hospital. Relativamente a este ponto é importante destacar que, no âmbito da administração indireta e deste acórdão, a Ministra da Saúde tem poderes de superintendência e tutela sobre os órgãos de administração dos hospitais. Assim, em relação à organização e funcionamento dos hospitais”, é sua obrigação, nos termos do artigos 3.º/1 do DL 19/88, realizar todas as ações que, por lei, lhe caibam. Para além disso, tem autoridade para “ordenar inspeções e inquéritos ao funcionamento dos hospitais”, conforme especificado no artigo 3.º/3. De acordo com o artigo 75.º/6 do estatuto disciplinar tem, ainda, autoridade para “decidir definitivamente, podendo mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena”.

A Inspeção-Geral da Saúde analisou minuciosamente o assunto e concluiu que tais exames, ou a maioria deles, foram realizados durante o horário de trabalho do recorrente, com recurso ao pessoal de apoio. Isso resultou, entre outras coisas, em que o hospital pagasse duas vezes por esses exames. No que diz respeito à falta de fundamentação, basta somar os valores indevidamente recebidos pelo médico, que foram feitos fora do horário normal do serviço, violando as regras do acordo. Podemos concluir que não há erro nos pressupostos de facto; é evidente que o recorrente recebeu indevidamente honorários pelos exames realizados durante o horário normal de trabalho - isto foi provado e o recorrente não forneceu qualquer prova em contrário.

Resumindo, não há dúvidas relativamente ao facto de que, durante o período de vigência do acordo, A terá realizado exames a doentes em horário coincidente com o horário de trabalho enquanto médico do SNS e ter sido remunerado por ambos os desempenhos, na qualidade de funcionário público e prestador de serviço privado.

Considerando os argumentos de A e a decisão do tribunal, acredito que o Supremo Tribunal Administrativo agiu corretamente ao negar o recurso. O princípio da boa-fé (artigo 227.º CC), que é crucial no nosso sistema jurídico, foi ignorado por A. O seu comportamento resultou numa situação de abuso de direito (artigo 334.º CC), em vez da conduta da administração que apenas pretendia restaurar a legalidade violada pela conduta do recorrente. O artigo 10.º CPA enfatiza o princípio da boa-fé. Após a leitura deste preceito, chegamos à conclusão de que o princípio da boa-fé sustenta a relação entre a Administração e os particulares, pois é necessário protegê-los contra a Administração pública. Existem 2 subprincípios dentro do princípios da boa-fé: o princípio da tutela de confiança e o princípio da primazia da materialidade subjacente. Desta forma, as ações da administração refletem o cumprimento do princípio da legalidade (artigo 3.º CPA) e respeito pelo princípio pacta sunt servanta (artigo 406.º CC).

 

BIBLIOGRAFIA:

- DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Manual de Direito Administrativo

 

Beatriz Albuquerque – Subturma 15

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