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sexta-feira, 3 de maio de 2024

Princípio da imparcialidade, Bernardo Zurzica Dias

 

PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

  Primeiramente, o conceito de imparcial, significa não tomar o partido de qualquer das partes, que estão em questão. Numa situação em que há duas partes num litígio, e um terceiro procura separá-las, ou afirmar quem tem razão, para não só adquirir autoridade, mas também ter o respeito das partes, necessariamente, tem de adotar uma postura imparcial. No fundo, tem de assumir uma posição de fora e acima das partes, traduzindo para latim: super partes.[1]

O surgimento deste conceito advém do Direito Processual e das práticas dos tribunais, iniciando-se pela exigência da imparcialidade do juiz, daí que a estátua que demonstra a justiça é uma representação humana, que tem não só uma venda na face, como também agarra pelas mãos uma espada. Estes símbolos tem um significado bastante relevante, dado que a venda nos olhos tem como objetivo transmitir o repto de que a justiça deve ser cega, ou seja, a amizade ou a inimizade para com qualquer das partes não se deve refletir, tal como a balança que procura transmitir a igualdade.

   Há que salientar que o princípio da imparcialidade se encontra positivado no artigo 9 CPA.

Traduzindo, o que se encontra nos termos desse mesmo artigo, é de que a Administração Pública deve adotar decisões que tem como critérios objetivos de interesse público, que se adequam à persecução das suas respetivas funções específicas. Não se devendo tolerar quaisquer critérios, que sejam alterados, ou de certa forma, desvirtuados através da influência de interesses alheios à função. Independentemente de serem interesses pessoais do órgão, do respetivo funcionário, agente, de indivíduos, grupos sociais, partidos políticos, ou inclusivamente de interesses políticos do Governo.

Resumindo, o princípio da imparcialidade impõe que os órgãos e agentes administrativos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações, que devem decidir, ou sobre as quais se pronunciam sem caráter decisório.

Das escassas notas relativas a esta exigência, acaba por se demonstrar que a relevância das soluções de organização, que transcendem as garantias de imparcialidade na eliminação, e principalmente na prevenção, traduzem-se em situações de quebra da imparcialidade. [2]

-Do valor ao princípio:

    A determinação de um espaço de autonomia normativa atribuída aos princípios jurídicos obriga que se deva reconhecer uma dimensão jurídica de atuação diferente a cada um. Para além dos detalhes de natureza histórica e das conceções semânticas que estão relacionados com os enunciados jurídicos, há uma relação à existência de determinações nucleares de um campo de densidade própria.[3] Esta preocupação de reconhecer uma zona de normatividade própria está simultaneamente ligada com a respetiva identidade própria que cada princípio comporta, associada à descoberta desse valor, à premissa de fundamento da operação de identificação.[4]

    À noção de imparcialidade está subjacente uma noção de ligação entre o todo e a parte. Efetivamente, o todo é considerado a dimensão abrangente do ser, que em proporções infinitas, é composta por patamares inferiores, perfeitamente identificáveis com o patamar superior, da qual resulta, segundo a sua materialidade, a relação de integração que se define.

A ligação entre o todo e a parte estabelece um desvirtuamento do ser, na sua dimensão ontológica, na circunstância de ser identificado, unicamente, ou numa ou em várias das suas partes. Evidentemente que, na sua globalidade e no aglomerado de todos os patamares, que o todo compreende é o que o ser demonstra na dimensão que o individualiza como um todo. [5]

A noção de imparcialidade ao incutir esta ligação, abarca, logicamente, a proposição que, de maneira deontológica, condena a conexão entre a parte e o todo. A parcialidade é considerada como um fator negativo, e que logicamente corresponde a uma violação da premissa proposicional, e é esse balanço entre uma parte do todo e o todo propriamente dito. Apesar das implicações presentes na ideia de imparcialidade, tendo como ponto de partida a sua génese histórica ou semântica, é nessa proposição que nega a equivalência entre a parte e o todo e que advém de uma avaliação totalmente objetiva, que estará o conteúdo valorativo da imparcialidade e, por conseguinte, uma garantia de normatividade[6].

   O âmbito de aplicação da proposição na normatividade que o princípio da imparcialidade remete é para a circunscrição da decisão e na sua respetiva ligação com os seus contextos tipológico e concretos. Pode-se concluir que a decisão administrativa se considera imparcial, quando não representa apenas um segmento daquilo que é o seu todo, o que se verifica não só pelos factos e interesses, que a previsão normativa na conexão com o contexto específico em que vai atuar, se impera a manifestar nas circunstâncias da sua respetiva realização.[7]

   O comando que a imparcialidade possuiu, traduz-se numa orientação da concretização da decisão mediante a necessidade de avaliação, e naturalmente de ponderação, entre a totalidade dos interesses em causa no panorama da decisão. Esta proposição normativa possibilita extrair dois comandos, que lhe estão subjacentes, que são: não devem ser tirados fora da equação os factos ou interesses que devem ser avaliados na respetiva ponderação da decisão, e também os que não devem ser introduzidos os que não devem ser considerados.[8]

     A diferença entre a conceção tradicional e a relacionada com a relação objetiva entre o todo e a parte, traduz-se na circunstância de na imparcialidade, enquanto proibição de preferência estar implícito a formulação, de que tomar a parte pelo todo significa, ter em equação o fator subjetivo do interesse. No fundo, nesta visão, a parcialidade implica tomar parte. Porém, a imparcialidade administrativa é colocada em questão, na situação em que não está relacionada a situação de tomar parte, mas sim, de não ter em equação determinados elementos relativos à ponderação e respetiva decisão. Ou seja, devem representar imperativamente, independentemente das relações subjetivas que podem estar relacionadas. [9]

Esta condição é reforçada, pelo facto de que, mesmo que o decisor tenha em equação o respetivo titular do interesse, não se traduz, necessariamente, que a exclusão desse mesmo interesse tenha por detrás uma intenção de favorecimento ou de prejuízo. Portanto, o decisor não pode ter em conta factos e interesses, que utopicamente deveria de ter de avaliar, não sendo considerado a vontade de favor ou odia, e a decisão que daí surgir tem de ser parcial, tendo como fundamento justificações objetivas.

     Este princípio adquire um campo de alcance muito mais alargado do que simples proibição de favores e odia.[10]

Esta afirmação justifica-se pelo facto de os elementos integrantes da parte, que abarcam a modelação do processo de decisão poderão ser relacionados com a ponderação, ou seja, o todo, numa circunstância que é completamente independente de ligações subjetivas. Este lado do princípio da proporcionalidade permite extrair, principalmente, uma obrigação objetiva da decisão, e por conseguinte, do respetivo processo de decisão, que é referente a todos os dados, que eventualmente tem implicação na construção do efeito jurídico a aplicar.

 De certa forma, a imparcialidade concretiza uma obrigação de decisão em respeito ao que é preponderante para ponderação através do panorama da decisão.

    Este é considerado o campo expansivo e originário deste princípio em análise, numa dimensão restritiva a componente da proibição de preferências está inserida num espaço da sua dimensão, onde o princípio não aceita a introdução de interesses não relevantes no âmbito da ponderação. Através desta via, a penetração de elementos estranhos, que são introduzidos, os elementos que reforçam as decisões onde estão presentes as preferências.

O conjunto de interesses relevantes a considerar é complementado por um interesse pessoal, na perspectiva de um interesse relevante para a formulação da decisão, que posteriormente na decisão, já será outro problema, que se demonstra como preponderante. Esta caraterística demonstra que existe uma efetiva conexão entre a imparcialidade, na perspectiva de isenção e o princípio da persecução do interesse público. Efetivamente, o que está aqui em questão é que a inclusão de um interesse idóneo, tal como são os interesses pessoais, permite a hipótese de uma elaboração satisfatória do interesse público secundário no âmbito dos restantes interesses em conflito. Portanto, a Administração na prossecução do interesse público, nem suporta, nem contraria a qualquer interesse particular, a não ser através de critérios objetivos.[11]

Um dos alcances de comandos que o princípio da imparcialidade abarca é a proibição de preferências. Porém, o seu campo preponderante de aplicação traduz-se num sentido objetivo, não só se exige a obrigação de delimitação do que é importante para a tomada de decisão, por não se incluir interesses considerados irrelevantes, mas sim a consideração dos relevantes, que tem como fundamento uma imposição de aspetos destinada à concretização da operação de circunscrição[12]. Exige-se que se considere a totalidade dos factos e interesses, que corresponde a uma obrigação de aquisição material de ponderação.

   Desta forma ordenada, a imparcialidade pode ser vista como um princípio de caráter instrumental, uma vez que se restringe por via indireta a tomada de uma decisão concreta. Há que salientar que o princípio da imparcialidade não regula a forma como os interesses deverão ser contrapostos entre si, contudo impõe que na ponderação do seu respetivo balanço recíproco, só deverão ser equacionados os que consideram preponderantes. Na obrigação de ponderar todos os interesses, efetivamente, importantes no âmbito do contexto de decisão, este princípio acaba por estabelecer comandos que se refletem, e se prolongam ao momento da decisão, nas considerações da construção da decisão, e também no conjunto dos interesses que são contrapostos.

     O princípio da imparcialidade é composto por duas vertentes: a positiva e a negativa.

Relativamente à positiva traduz-se no dever por parte da Administração Pública, de avaliar todos os interesses públicos e secundários, bem como os privados legítimos, relevantes para a produção de certa decisão, antes da sua respetiva efetivação.[13]

Neste segundo plano, devem considerar-se os atos parciais ou comportamentos parciais, que manifestamente, não resultem de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos.

Esta «obrigação de ponderação comparativa implica um apreciável limite à discricionariedade administrativa, não só pela exclusão que comporta de qualquer valoração de interesses estranhos à previsão normativa, mas principalmente porque o real poder de escolha da autoridade pública só subsiste onde a proteção legislativa dos vários interesses seja de igual natureza e medida. Nesta vertente positiva da imparcialidade encontrará o juiz administrativo a via para anular os atos que se demonstre terem sido praticados sem a ponderação de interesses nos termos mencionados»[14]

O legislador do CPA de 2015 estipula também que devido ao princípio da imparcialidade, a Administração deve adotar «as soluções organizativas e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança dessa isenção»[15].

Das escassas notas relativas a esta exigência, acaba por se demonstrar que a relevância das soluções de organização, que transcendem as garantias de imparcialidade na eliminação, e principalmente na prevenção, nomeadamente nas situações de quebra da imparcialidade. [16]

Em relação à vertente negativa, o conceito de imparcialidade demonstra lucidamente, a conceção de que os titulares de órgãos e os agentes da Administração Pública estão proibidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos relativos a questões quer do seu interesse pessoal, quer da sua família, e eventualmente de pessoas com quem adquiram ligações económicas com especial proximidade, de modo que não se possa suspeitar-se não só da isenção, mas também da sua conduta.

    As sanções que a lei refere na circunstância das normas em vigor relativamente às garantias da imparcialidade.

De acordo com os termos presentes no artigo 76 nº1 CPA são anuláveis nos termos gerais os atos ou contratos em que tenham intervindo titulares de órgãos ou agentes impedidos ou em cuja preparação tenha ocorrido prestação de serviços à Administração Pública, em violação do disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 69 CPA. No número 2 desse mesmo artigo está estipulado que a omissão do dever de comunicação a que alude o nº1 do artigo 70 constitui falta grave para efeitos disciplinares. Porém, as sanções não ficam por aqui, uma vez que há uma fora de aplicação do CPA, que está presente no artigo 8 nº2, da Lei nº27/96, de 1 de agosto. Nesse artigo está previsto a imposição de perda de mandato a qualquer dos membros de órgãos de autarquia, que viole as garantias de imparcialidade. Se violarem uma única vez, o Ministério Público poderá propor uma ação de perda de mandato, o que implica, por consequência a perda efetiva do mandato. 

Naturalmente, que esta sanção advém dos casos de impedimento tipificados no artigo 69 nº1 CPA e nas suas respetivas alíneas. Relativo ao processo sobre os casos de impedimento, este encontra-se previsto no artigo 70 e seguintes até ao 76 que prevê as sanções.

  Por fim, o vício que corresponde aos regulamentos que são desconformes com os princípios gerais de dirieto administrativo, como indicam os termos do artigo 143 nº1 CPA é a invalidade.

 

Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4 edição, 2018, pp. 121- 126

 Raimundo, Miguel Assis; Comentário ao Novo Código do Procedimento Administrativo; Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração em particular, Volume I, AAFDL Editora, 4 edição, p.263

 

 Dissertação de mestrado em Ciências jurídico-políticas apresentada na Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, 1995; Duarte, David; Procedimentalização, Participação e fundamentação: Para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra 1996, pp. 289 - 292

Miranda, Jorge; Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 5 edição,1996 p.223

 

Sousa, Marcelo Rebelo de; O concurso público na formação do contrato administrativo, Lisboa 1994, p.41

 

 

 



[1] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4 edição, 2018, p. 121

[2] Miguel Assis Raimundo, Comentário ao Novo Código do Procedimento Administrativo; Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração em particular, Volume I, AAFDL Editora, 4 edição, p.263

[3] David Duarte, Procedimentalização, Participação e fundamentação: Para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra 1996, p.289

[4] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.289

[5] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996,p.289

[6] Cfr.David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.289

[7] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.290

[8] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.290

[9] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p. 290

[10] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Alemdina, Coimbra 1996, p.291

[11] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 5 edição,1996 p.223

[12] Cfr. David Duarte, Procedimentalização…, Almedina Coimbra, 1996, .292

[13]  Cfr.Diogo Freitas do Amaral, Curso…, Volume II, 4 edição, 2018, Almedina, p. 126

[14] Marcelo Rebelo de Sousa, O concurso público na formação do contrato administrativo, Lisboa 1994, p.41

[15]  Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, Volume II, 4 edição, 2018, p.127

[16] Miguel Assis Raimundo, Comentários…, Os princípios …, AAFDL Editora, 4 edição, 2018

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