PRINCÍPIO DA
IMPARCIALIDADE
Primeiramente, o
conceito de imparcial, significa não tomar o partido de qualquer das partes,
que estão em questão. Numa situação em que há duas partes num litígio, e um
terceiro procura separá-las, ou afirmar quem tem razão, para não só adquirir
autoridade, mas também ter o respeito das partes, necessariamente, tem de
adotar uma postura imparcial. No fundo, tem de assumir uma posição de fora e
acima das partes, traduzindo para latim: super partes.[1]
O surgimento deste conceito advém do Direito Processual e
das práticas dos tribunais, iniciando-se pela exigência da imparcialidade do
juiz, daí que a estátua que demonstra a justiça é uma representação humana, que
tem não só uma venda na face, como também agarra pelas mãos uma espada. Estes
símbolos tem um significado bastante relevante, dado que a venda nos olhos tem
como objetivo transmitir o repto de que a justiça deve ser cega, ou seja, a
amizade ou a inimizade para com qualquer das partes não se deve refletir, tal
como a balança que procura transmitir a igualdade.
Há que salientar
que o princípio da imparcialidade se encontra positivado no artigo 9 CPA.
Traduzindo, o que se encontra nos termos desse mesmo artigo,
é de que a Administração Pública deve adotar decisões que tem como critérios
objetivos de interesse público, que se adequam à persecução das suas respetivas
funções específicas. Não se devendo tolerar quaisquer critérios, que sejam
alterados, ou de certa forma, desvirtuados através da influência de interesses
alheios à função. Independentemente de serem interesses pessoais do órgão, do
respetivo funcionário, agente, de indivíduos, grupos sociais, partidos
políticos, ou inclusivamente de interesses políticos do Governo.
Resumindo, o princípio da imparcialidade impõe que os órgãos
e agentes administrativos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante
relativamente aos interesses em jogo nas situações, que devem decidir, ou sobre
as quais se pronunciam sem caráter decisório.
Das escassas notas relativas a esta exigência, acaba por se
demonstrar que a relevância das soluções de organização, que transcendem as
garantias de imparcialidade na eliminação, e principalmente na prevenção,
traduzem-se em situações de quebra da imparcialidade. [2]
-Do valor ao princípio:
A determinação de
um espaço de autonomia normativa atribuída aos princípios jurídicos obriga que
se deva reconhecer uma dimensão jurídica de atuação diferente a cada um. Para
além dos detalhes de natureza histórica e das conceções semânticas que estão relacionados
com os enunciados jurídicos, há uma relação à existência de determinações
nucleares de um campo de densidade própria.[3]
Esta preocupação de reconhecer uma zona de normatividade própria está
simultaneamente ligada com a respetiva identidade própria que cada princípio
comporta, associada à descoberta desse valor, à premissa de fundamento da
operação de identificação.[4]
À noção de
imparcialidade está subjacente uma noção de ligação entre o todo e a parte.
Efetivamente, o todo é considerado a dimensão abrangente do ser, que em
proporções infinitas, é composta por patamares inferiores, perfeitamente
identificáveis com o patamar superior, da qual resulta, segundo a sua
materialidade, a relação de integração que se define.
A ligação entre o todo e a parte estabelece um
desvirtuamento do ser, na sua dimensão ontológica, na circunstância de ser
identificado, unicamente, ou numa ou em várias das suas partes. Evidentemente
que, na sua globalidade e no aglomerado de todos os patamares, que o todo
compreende é o que o ser demonstra na dimensão que o individualiza como um
todo. [5]
A noção de imparcialidade ao incutir esta ligação, abarca,
logicamente, a proposição que, de maneira deontológica, condena a conexão entre
a parte e o todo. A parcialidade é considerada como um fator negativo, e que
logicamente corresponde a uma violação da premissa proposicional, e é esse
balanço entre uma parte do todo e o todo propriamente dito. Apesar das
implicações presentes na ideia de imparcialidade, tendo como ponto de partida a
sua génese histórica ou semântica, é nessa proposição que nega a equivalência
entre a parte e o todo e que advém de uma avaliação totalmente objetiva, que
estará o conteúdo valorativo da imparcialidade e, por conseguinte, uma garantia
de normatividade[6].
O âmbito de
aplicação da proposição na normatividade que o princípio da imparcialidade
remete é para a circunscrição da decisão e na sua respetiva ligação com os seus
contextos tipológico e concretos. Pode-se concluir que a decisão administrativa
se considera imparcial, quando não representa apenas um segmento daquilo que é
o seu todo, o que se verifica não só pelos factos e interesses, que a previsão
normativa na conexão com o contexto específico em que vai atuar, se impera a
manifestar nas circunstâncias da sua respetiva realização.[7]
O comando que a
imparcialidade possuiu, traduz-se numa orientação da concretização da decisão
mediante a necessidade de avaliação, e naturalmente de ponderação, entre a
totalidade dos interesses em causa no panorama da decisão. Esta proposição
normativa possibilita extrair dois comandos, que lhe estão subjacentes, que
são: não devem ser tirados fora da equação os factos ou interesses que devem
ser avaliados na respetiva ponderação da decisão, e também os que não devem ser
introduzidos os que não devem ser considerados.[8]
A diferença entre
a conceção tradicional e a relacionada com a relação objetiva entre o todo e a
parte, traduz-se na circunstância de na imparcialidade, enquanto proibição de
preferência estar implícito a formulação, de que tomar a parte pelo todo
significa, ter em equação o fator subjetivo do interesse. No fundo, nesta
visão, a parcialidade implica tomar parte. Porém, a imparcialidade
administrativa é colocada em questão, na situação em que não está relacionada a
situação de tomar parte, mas sim, de não ter em equação determinados elementos
relativos à ponderação e respetiva decisão. Ou seja, devem representar
imperativamente, independentemente das relações subjetivas que podem estar
relacionadas. [9]
Esta condição é reforçada, pelo facto de que, mesmo que o
decisor tenha em equação o respetivo titular do interesse, não se traduz, necessariamente,
que a exclusão desse mesmo interesse tenha por detrás uma intenção de
favorecimento ou de prejuízo. Portanto, o decisor não pode ter em conta factos
e interesses, que utopicamente deveria de ter de avaliar, não sendo considerado
a vontade de favor ou odia, e a decisão que daí surgir tem de ser parcial,
tendo como fundamento justificações objetivas.
Este princípio
adquire um campo de alcance muito mais alargado do que simples proibição de
favores e odia.[10]
Esta afirmação justifica-se pelo facto de os elementos
integrantes da parte, que abarcam a modelação do processo de decisão poderão
ser relacionados com a ponderação, ou seja, o todo, numa circunstância que é
completamente independente de ligações subjetivas. Este lado do princípio da
proporcionalidade permite extrair, principalmente, uma obrigação objetiva da
decisão, e por conseguinte, do respetivo processo de decisão, que é referente a
todos os dados, que eventualmente tem implicação na construção do efeito
jurídico a aplicar.
De certa forma, a
imparcialidade concretiza uma obrigação de decisão em respeito ao que é
preponderante para ponderação através do panorama da decisão.
Este é considerado
o campo expansivo e originário deste princípio em análise, numa dimensão
restritiva a componente da proibição de preferências está inserida num espaço
da sua dimensão, onde o princípio não aceita a introdução de interesses não
relevantes no âmbito da ponderação. Através desta via, a penetração de
elementos estranhos, que são introduzidos, os elementos que reforçam as
decisões onde estão presentes as preferências.
O conjunto de interesses relevantes a considerar é complementado
por um interesse pessoal, na perspectiva de um interesse relevante para a
formulação da decisão, que posteriormente na decisão, já será outro problema,
que se demonstra como preponderante. Esta caraterística demonstra que existe
uma efetiva conexão entre a imparcialidade, na perspectiva de isenção e o
princípio da persecução do interesse público. Efetivamente, o que está aqui em
questão é que a inclusão de um interesse idóneo, tal como são os interesses
pessoais, permite a hipótese de uma elaboração satisfatória do interesse
público secundário no âmbito dos restantes interesses em conflito. Portanto, a
Administração na prossecução do interesse público, nem suporta, nem contraria a
qualquer interesse particular, a não ser através de critérios objetivos.[11]
Um dos alcances de comandos que o princípio da
imparcialidade abarca é a proibição de preferências. Porém, o seu campo
preponderante de aplicação traduz-se num sentido objetivo, não só se exige a
obrigação de delimitação do que é importante para a tomada de decisão, por não
se incluir interesses considerados irrelevantes, mas sim a consideração dos
relevantes, que tem como fundamento uma imposição de aspetos destinada à
concretização da operação de circunscrição[12].
Exige-se que se considere a totalidade dos factos e interesses, que corresponde
a uma obrigação de aquisição material de ponderação.
Desta forma
ordenada, a imparcialidade pode ser vista como um princípio de caráter
instrumental, uma vez que se restringe por via indireta a tomada de uma decisão
concreta. Há que salientar que o princípio da imparcialidade não regula a forma
como os interesses deverão ser contrapostos entre si, contudo impõe que na
ponderação do seu respetivo balanço recíproco, só deverão ser equacionados os
que consideram preponderantes. Na obrigação de ponderar todos os interesses,
efetivamente, importantes no âmbito do contexto de decisão, este princípio
acaba por estabelecer comandos que se refletem, e se prolongam ao momento da
decisão, nas considerações da construção da decisão, e também no conjunto dos
interesses que são contrapostos.
O princípio da
imparcialidade é composto por duas vertentes: a positiva e a negativa.
Relativamente à positiva traduz-se no dever por parte da
Administração Pública, de avaliar todos os interesses públicos e secundários,
bem como os privados legítimos, relevantes para a produção de certa decisão,
antes da sua respetiva efetivação.[13]
Neste segundo plano, devem considerar-se os atos parciais ou
comportamentos parciais, que manifestamente, não resultem de uma exaustiva
ponderação dos interesses juridicamente protegidos.
Esta «obrigação de ponderação comparativa implica um
apreciável limite à discricionariedade administrativa, não só pela exclusão que
comporta de qualquer valoração de interesses estranhos à previsão normativa,
mas principalmente porque o real poder de escolha da autoridade pública só
subsiste onde a proteção legislativa dos vários interesses seja de igual
natureza e medida. Nesta vertente positiva da imparcialidade encontrará o juiz
administrativo a via para anular os atos que se demonstre terem sido praticados
sem a ponderação de interesses nos termos mencionados»[14]
O legislador do CPA de 2015 estipula também que devido ao
princípio da imparcialidade, a Administração deve adotar «as soluções organizativas
e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à
confiança dessa isenção»[15].
Das escassas notas relativas a esta exigência, acaba por se
demonstrar que a relevância das soluções de organização, que transcendem as
garantias de imparcialidade na eliminação, e principalmente na prevenção,
nomeadamente nas situações de quebra da imparcialidade. [16]
Em relação à vertente negativa, o conceito de imparcialidade
demonstra lucidamente, a conceção de que os titulares de órgãos e os agentes da
Administração Pública estão proibidos de intervir em procedimentos, atos ou
contratos relativos a questões quer do seu interesse pessoal, quer da sua
família, e eventualmente de pessoas com quem adquiram ligações económicas com
especial proximidade, de modo que não se possa suspeitar-se não só da isenção,
mas também da sua conduta.
As sanções que a lei refere na circunstância
das normas em vigor relativamente às garantias da imparcialidade.
De acordo com os termos presentes no artigo 76 nº1 CPA são
anuláveis nos termos gerais os atos ou contratos em que tenham intervindo
titulares de órgãos ou agentes impedidos ou em cuja preparação tenha ocorrido
prestação de serviços à Administração Pública, em violação do disposto nos nºs
3 a 5 do artigo 69 CPA. No número 2 desse mesmo artigo está estipulado que a
omissão do dever de comunicação a que alude o nº1 do artigo 70 constitui falta
grave para efeitos disciplinares. Porém, as sanções não ficam por aqui, uma vez
que há uma fora de aplicação do CPA, que está presente no artigo 8 nº2, da Lei
nº27/96, de 1 de agosto. Nesse artigo está previsto a imposição de perda de
mandato a qualquer dos membros de órgãos de autarquia, que viole as garantias
de imparcialidade. Se violarem uma única vez, o Ministério Público poderá
propor uma ação de perda de mandato, o que implica, por consequência a perda
efetiva do mandato.
Naturalmente, que esta sanção advém dos casos de impedimento
tipificados no artigo 69 nº1 CPA e nas suas respetivas alíneas. Relativo ao
processo sobre os casos de impedimento, este encontra-se previsto no artigo 70
e seguintes até ao 76 que prevê as sanções.
Por fim, o vício que
corresponde aos regulamentos que são desconformes com os princípios gerais de
dirieto administrativo, como indicam os termos do artigo 143 nº1 CPA é a
invalidade.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do; Curso de Direito
Administrativo, Volume II, Almedina, 4 edição, 2018, pp. 121- 126
Raimundo, Miguel Assis; Comentário ao Novo
Código do Procedimento Administrativo; Os princípios no novo CPA e o princípio
da boa administração em particular, Volume I, AAFDL Editora, 4 edição, p.263
Dissertação de
mestrado em Ciências jurídico-políticas apresentada na Faculdade de Direito
Universidade de Lisboa, 1995; Duarte, David; Procedimentalização, Participação
e fundamentação: Para uma concretização do princípio da imparcialidade
administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra 1996, pp. 289 - 292
Miranda, Jorge; Manual
de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 5 edição,1996 p.223
Sousa, Marcelo
Rebelo de; O concurso público na formação do contrato administrativo, Lisboa
1994, p.41
[1] Diogo
Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4
edição, 2018, p. 121
[2] Miguel
Assis Raimundo, Comentário ao Novo Código do Procedimento Administrativo; Os
princípios no novo CPA e o princípio da boa administração em particular, Volume
I, AAFDL Editora, 4 edição, p.263
[3] David
Duarte, Procedimentalização, Participação e fundamentação: Para uma
concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro
decisório, Almedina, Coimbra 1996, p.289
[4] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.289
[5] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996,p.289
[6] Cfr.David
Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.289
[7] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.290
[8] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p.290
[9] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina, Coimbra 1996, p. 290
[10] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Alemdina, Coimbra 1996, p.291
[11] Jorge
Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 5
edição,1996 p.223
[12] Cfr.
David Duarte, Procedimentalização…, Almedina Coimbra, 1996, .292
[13] Cfr.Diogo Freitas do Amaral, Curso…, Volume
II, 4 edição, 2018, Almedina, p. 126
[14] Marcelo
Rebelo de Sousa, O concurso público na formação do contrato administrativo,
Lisboa 1994, p.41
[15] Cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso…, Volume
II, 4 edição, 2018, p.127
[16] Miguel
Assis Raimundo, Comentários…, Os princípios …, AAFDL Editora, 4 edição, 2018
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