A administração Pública e o Poder
Discricionário
Afonso Paiva
Subturma 15 Turma B
Nº68247
Introdução
Ora um dos grandes poderes da administração é
o poder discricionário, este poder é importantíssimo para a atividade
administrativa. Ao longo deste trabalho iremos analisar e desenvolver este
poder desde uma análise histórica da sua conceção e aplicação nos dias de hoje.
Iremos também analisar como é que nos nossos dias este poder funciona.
O poder discricionário ao
longo da história
A evolução histórica do poder discricionário
está diretamente ligada à evolução do princípio da legalidade e à subordinação
da Administração para com a lei.
No Estado Absoluto em virtude de não ser ainda
concessionado o princípio da legalidade o poder discricionário também era inexistente,
visto que havia uma ilimitação jurídica do poder do Estado[1]. Ora com a consagração do princípio
da legalidade no Estado Liberal, dá-se também o surgimento da discricionariedade,
que nesta altura era muito ampla devido ao facto de o princípio da legalidade
ter apenas uma vertente proibitiva e limitadora da atividade administrativa[2]. É no seculo XX em Portugal
que também são introduzidos limites legais à discricionariedade como, a
anulação de atos administrativos violadores da lei ou do regulamento
administrativo[3].É
neste século que se limita também a atividade administrativa com a introdução de
modalidades de vicio do ato administrativo, que abrangem a usurpação de
poderes, o desvio de poderes, a incompetência, a violação da lei e o vicio de
forma[4].
Com o avançar dos tempos, a discricionariedade
foi de certa forma mais uma vez alterada(limitada), com todas estas evoluções
que fizerem com o principio da legalidade passa-se de uma vertente limitadora
para uma vertente fundamentadora também a discricionariedade foi afetada, reduzida
portanto do seu amplo alcance dos tempos do principio da legalidade na vertente
limitadora, para uma existência apenas quando o legislador lhe permite, tendo inclusive agora
de ser permitida por todos os legisladores intervenientes no bloco de
legalidade devido à mais contemporânea concepção desse principio[5].
A relação entre o
princípio da legalidade e o poder discricionário;
Ora como já foi visto supra, é por nós sabido
que a Administração Publica se encontra vinculada à lei por força do Princípio
da legalidade, principio este exposto por exemplo no artigo 3º do CPA e nos
artigos 2º e 266º/2 da Constituição. Devido a este princípio a legalidade tem
uma função fundamentadora, na medida em que é através do Bloco De Legalidade
que a Administração encontra o fundamento para as suas ações, visto que é
através das normas que emanam deste bloco que a Administração tem ou não
competências. Ora o poder discricionário quase que nasce do princípio da
legalidade, isto pois pode-se dizer que sem este não haveria necessidade do
outro.
Isto, pois, embora a
administração esteja de facto subordinada à lei há casos em que a lei é precisa
e pormenoriza como deve de ser efetuada a atividade administrativa e há outros
em que não e em que a lei é imprecisa, dando assim “margem de manobra” à
Administração Publica[6].
Um exemplo de um ato cujo
a lei é extremamente precisa e pormenorizada cabendo à Administração apenas a
tarefa de aplicar a lei é o do ato tributário. Este ato é aquele em que a Administração
fiscal após fazer a liquidação dos impostos diretos declara ao contribuinte
qual o valor que este deve de pagar a título de imposto.[7] Este processo está todo
legislado, desde a incidência do imposto até à taxa devida e com todos os
outros passos relevantes para o processo[8]. Neste tipo de atos a administração
tem apenas de seguir a lei funcionando quase que como um computador a processar
os inputs que lhe foram dados. Neste tipo de casos a lei regula toda a
atuação administrativa, o que faz com que a Administração no desempenho de
funções só pode chegar a um resultado legalmente possível[9].
Neste tipo de casos o professor Diogo Freitas
do Amaral defende que a lei vincula toda a atuação administrativa, e que este
ato é, portanto, um ato vinculado[10].
Por outro lado, há casos em que a
administração tem mais margem de manobra, como é por exemplo da nomeação de um
governador civil[11].
A disposição que dá à Administração Publica a competência de escolher um
governador civil não legisla sobre todo o processo de como exercer a dita
competência pelo que a administração fica capacidade para, dentro da margem da
norma fazer uma escolha, que no caso é a possibilidade para nomear qualquer
cidadão nacional maior e com pleno gozo dos seus direitos. Esta situação em que
a lei não pormenoriza todo o processo de escolha faz com que a escolha da
administração seja um ato discricionário.
Não obstante cabe fazer a ressalva de que não
há atos totalmente discricionários nem totalmente vinculado, visto que todos os
atos têm um certo grau de discricionariedade ou de vinculação[12]. Quanto mais não seja um
ato nunca pode ser totalmente vinculado por exemplo pois a administração tem
sempre discricionariedade para interpretar a lei. Quanto aos atos
discricionários estes também nunca são 100% discricionários, visto que são
sempre vinculados pela competência e pelo fim da norma de competência.
Podemos concluir, portanto, que existe
discricionariedade quando a norma dá um poder de escolha das atuações da administração
desde que estas se conformem com a dita lei. Cabe, no entanto, fazer a ressalva
de que este poder não é restrito apenas pela lei em questão, mas a atuação da
administração tem sempre de respeitar outras normas do Direito Administrativo,
como é o caso dos princípios, o que limita ainda mais o poder de decisão da
administração[13],
visto que a administração mesmo nos casos em que a lei lhe dá margem de decisão
deve de tomar esta decisão atentando e respeitando os princípios administrativos.
Surge também uma discussão à cerca do poder
discricionário e da sua ligação com o princípio da legalidade. Com esta
discussão tenta-se apurar se o poder discricionário é ou não uma exceção deste princípio.
A doutrina defende que não, visto que o poder discricionário só existe quando a
lei o permite e nesses casos é a lei que estabelece o seu âmbito de utilização.
[14]
Porque é que há poder discricionário?
Numa ordem jurídica em que a administração
está subordinada à lei por força do princípio de legalidade seria de esperar
que fosse a lei que regulasse minuciosamente toda a atividade administrativa,
no entanto isso não é o que acontece pelo que se assim fosse não estaríamos
aqui a discutir o poder discricionário. Cabe-nos, portanto, questionar o porquê
de isto não acontecer.
Realisticamente seria impossível que o
legislador regulasse minuciosamente todo o âmbito da atividade administrativa,
pois não só há casos em que o legislador reconhece que não tem capacidade para
prever todas as futuras circunstâncias que possam ocorrer como há outras
situações em que o legislador tem consciência que pode não ter a capacidade
para determinar a melhor solução para uma determinada situação.[15] Para tal o legislador
considera que a melhor solução para prosseguir um interesse publico seja dar à
Administração o poder de escolher, dentro do âmbito legalmente permitido, a
melhor opção[16].
O legislador quis por isso que a administração tivesse uma margem de escolha para
poder determinar a melhor solução para o interesse publico[17]
Ainda para mais, o poder discricionário tem
como objetivo assegurar o tratamento equitativo dos casos concretos[18], visto que à certos casos
e, que no caso de haver uma legislação minuciosa que restrinja a atividade
administrativa isto pode gerar soluções injustas.
O poder discricionário encontra ainda
fundamentação no princípio da separação de poderes e na ideia de estado de
direito democrático, visto que para que cada um destes seja realizado o
executivo precisa de alguma autonomia[19], se não como se poderia
dizer que haveria por exemplo uma separação de poderes tripartida quando o poder
legislativo regulava por completo a administração e esta operava apenas de
forma robótica.
Sabemos também que nem
todas as instâncias em que a administração tem poder discricionário são iguais,
havendo casos em que a Administração tem mais ou menos discricionariedade
dependendo da matéria em causa. São diferentes os tipos de discricionariedade,
sendo estes:
- Discricionariedade de
Ação- este tipo consiste no facto de a administração ter o poder para decidir
se age ou não. (Por exemplo, quando uma norma de competência diz “pode” em vez
de “deve”)
- Discricionariedade de
escolha- este tipo ocorre quando a Administração tem o poder para escolher
entre possibilidades de atuação que se encontram dispostas na lei. (Por exemplo
escolher governador civil.)
- Discricionariedade
criativa- é a criação de uma atuação concreta dentro dos limites legais. Há
doutrina que considera esta figura igual à discricionariedade de escolha
- Discricionariedade
técnica- Neste tipo de discricionariedade a Administração, em virtude de o caso
concreto precisar de um conhecimento científico especializado para melhor lidar
com a situação, recorre a um parecer técnico-profissional para tomar a sua
decisão. (Por exemplo, a administração pede um parecer a profissionais de saúde
para combater uma epidemia.)
Os limites do poder discricionário:
A administração pode ser
limitada através de duas formas diferentes, através de limites legais ou
através da autovinculação[20], sendo os legais os que
resultam da própria lei[21], como já temos vindo a
expor ao longo do trabalho. Quanto à autovinculação, esta ocorre quando a
administração dentro do âmbito de discricionariedade legalmente concedido cria
normas que a vinculam a ela própria reduzindo assim o seu âmbito de discricionariedade,
estas normas podem ser, mas não só, por exemplo regulamentos externos.[22] Nestes casos a administração
não fica no entanto absolutamente impedida de mudar o critério em caso
semelhante ao que se encontre autovinculada, desde que o faça fundamentadamente,
para prosseguir o interesse publico.[23]
A Administração também
não se pode autovincular em todas as circunstâncias, pode haver casos em que a própria
lei queira que a administração faça apreciações caso a caso do assunto. A autovinculação
tem também sempre de respeitar o artigo 112º da CRP.[24]
Como se controla o poder discricionário?
Este controlo é feito por
duas modalidades, controlos de mérito e controlos jurisdicionais[25].
O controlo de mérito só
pode ser feito pela administração, e aqui cabem o uso de poderes discricionários
que tenham sido usados de maneira inconveniente[26].
É comum no âmbito da discricionariedade
dizer que as decisões feitas ao abrigo desta figura e que não extravasem os
limites impostos pelo Direito não são suscetíveis de ser julgadas em tribunal[27],visto até que isto seria
um juízo de mérito e não um de legalidade. Há, no entanto, autores que dentro
da discricionariedade distinguem duas situações;[28]
-Os casos em que devido ao
facto da lei não impor à Administração determinada decisão esta tem discricionariedade
propriamente dita[29].
-Os casos em que não há controlo
jurisdicional pois o contencioso administrativo atual é insuficiente para tal,
nestes casos enquadram-se os casos de discricionariedade técnica, liberdade probatória
e justiça administrativa.[30]
A interpretação de
conceitos indeterminados
Outro tema de discussão relevante para a
questão da discricionariedade é a sua relação com os conceitos indeterminados. Mais
em concreto se a interpretação destes conceitos é uma atividade vinculada ou
discricionária.[31]
O Professor Diogo Freitas do Amaral reconhece
que os conceitos ditos indeterminados não são todos iguais e que por isso não
devem todos de ser tratados da mesma maneira em matéria de discricionariedade.[32]
Este autor distingue entre casos em que o conceito
dito indeterminado pode facilmente se preenchido através da própria
interpretação da lei através tanto de conhecimentos jurídicos como da experiência
comum na aplicação de leis semelhantes[33], e casos nos quais o
preenchimento do conceito indeterminado já apela a um juízo valorativo feito
pela Administração. Dentro deste segundo conceito o Professor distingue ainda
duas ocasiões; as em que é exigido à Administração um juízo objetivo para o
preenchimento do conceito[34]o e os casos em que o
legislador remete para a administração a faculdade de através da sua experiência
e das suas convicções preencher o conceito[35].
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa por outro
lado não considera que a interpretação destes conceitos possa ser tida como um
ato discricionário, visto que a lei quando utiliza conceitos indeterminados oferece
pistas interpretativas, as quais o interprete deve de seguir.[36]
Conclusão
Ora com este trabalho vimos o que é o poder discricionário,
a sua relação com o princípio da legalidade, como as suas evoluções estão
interligadas, vimos o porquê de existir poder discricionário, os seus limites e
a sua forma de controlo. Cabe-nos agora fazer uma previsão para o futuro deste princípio
e a sua evolução. Como temos observado ao longo da história do direito
administrativo a administração tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela
lei e o princípio da legalidade tem vindo cada vez mais a ser mais amplo o que
por consequência fez com que o poder discricionário fosse perdendo espaço[37]. A meu ver isto é uma tendência
que se vai manter, sendo o poder discricionário cada vez mais limitado, no
entanto não acredito que este venha a desaparecer, pelo menos não no nosso
modelo de governo atual, cabe também considerar a possibilidade de passar a ser
mais comum dentro das modalidades de discricionariedade a discricionariedade
técnica, talvez quem sabe esta ideia até seja reforçada pelo impacto que os pareceres
de especialistas da área de saúde tiveram no combate à ainda tão recente
pandemia de Covid 19, as respostas só o futuro as guarda e a nós cabe-nos
esperar e observar até onde irá este poder.
Bibliografia
- Lições de Direito
Administrativo, Professor Marcelo Rebelo de Sousa
-Introdução ao Direito
Administrativo, Professor João Caupers
- Curso de Direito
Administrativo Volume II, Professor Diogo Freitas do Amaral
[1] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 124
[2] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 124
[3] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 124-125
[4] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 125
[5] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 126
[6] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II, pg 83
[7] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 84
[8] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 84
[9] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 84
[10] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 84
[11] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 85
[12] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 86
[13] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 88-89
[14] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 98
[15] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 95
[16] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 78
[17] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 79
[18] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 97
[19] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 97
[20] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 104
[21] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 104
[22] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 105
[23] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 106
[24] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 107
[25] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 108
[26] Freitas
do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 108-112
[27] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 79
[28] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 79
[29] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 79
[30] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 79
[31] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 118
[32] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 119
[33] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 119-120
[34] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 120
[35] Freitas do Amaral, Diogo Curso de
Direito Administrativo Vol. II pg 122
[36] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de
Direito Administrativo pg 131-133
[37] Caupers, João Introdução ao
Direito Administrativo pg 80
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