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segunda-feira, 27 de maio de 2024

A administração Pública e o Poder Discricionário

 

A administração Pública e o Poder Discricionário

Afonso Paiva

Subturma 15 Turma B

Nº68247

 

 Introdução

 Ora um dos grandes poderes da administração é o poder discricionário, este poder é importantíssimo para a atividade administrativa. Ao longo deste trabalho iremos analisar e desenvolver este poder desde uma análise histórica da sua conceção e aplicação nos dias de hoje. Iremos também analisar como é que nos nossos dias este poder funciona.

 

O poder discricionário ao longo da história

 A evolução histórica do poder discricionário está diretamente ligada à evolução do princípio da legalidade e à subordinação da Administração para com a lei.

 No Estado Absoluto em virtude de não ser ainda concessionado o princípio da legalidade o poder discricionário também era inexistente, visto que havia uma ilimitação jurídica do poder do Estado[1]. Ora com a consagração do princípio da legalidade no Estado Liberal, dá-se também o surgimento da discricionariedade, que nesta altura era muito ampla devido ao facto de o princípio da legalidade ter apenas uma vertente proibitiva e limitadora da atividade administrativa[2]. É no seculo XX em Portugal que também são introduzidos limites legais à discricionariedade como, a anulação de atos administrativos violadores da lei ou do regulamento administrativo[3].É neste século que se limita também a atividade administrativa com a introdução de modalidades de vicio do ato administrativo, que abrangem a usurpação de poderes, o desvio de poderes, a incompetência, a violação da lei e o vicio de forma[4].

 Com o avançar dos tempos, a discricionariedade foi de certa forma mais uma vez alterada(limitada), com todas estas evoluções que fizerem com o principio da legalidade passa-se de uma vertente limitadora para uma vertente fundamentadora também a discricionariedade foi afetada, reduzida portanto do seu amplo alcance dos tempos do principio da legalidade na vertente limitadora, para uma existência apenas quando o  legislador lhe permite, tendo inclusive agora de ser permitida por todos os legisladores intervenientes no bloco de legalidade devido à mais contemporânea concepção desse principio[5].

 

A relação entre o princípio da legalidade e o poder discricionário;

 Ora como já foi visto supra, é por nós sabido que a Administração Publica se encontra vinculada à lei por força do Princípio da legalidade, principio este exposto por exemplo no artigo 3º do CPA e nos artigos 2º e 266º/2 da Constituição. Devido a este princípio a legalidade tem uma função fundamentadora, na medida em que é através do Bloco De Legalidade que a Administração encontra o fundamento para as suas ações, visto que é através das normas que emanam deste bloco que a Administração tem ou não competências. Ora o poder discricionário quase que nasce do princípio da legalidade, isto pois pode-se dizer que sem este não haveria necessidade do outro.

Isto, pois, embora a administração esteja de facto subordinada à lei há casos em que a lei é precisa e pormenoriza como deve de ser efetuada a atividade administrativa e há outros em que não e em que a lei é imprecisa, dando assim “margem de manobra” à Administração Publica[6].

Um exemplo de um ato cujo a lei é extremamente precisa e pormenorizada cabendo à Administração apenas a tarefa de aplicar a lei é o do ato tributário. Este ato é aquele em que a Administração fiscal após fazer a liquidação dos impostos diretos declara ao contribuinte qual o valor que este deve de pagar a título de imposto.[7] Este processo está todo legislado, desde a incidência do imposto até à taxa devida e com todos os outros passos relevantes para o processo[8]. Neste tipo de atos a administração tem apenas de seguir a lei funcionando quase que como um computador a processar os inputs que lhe foram dados. Neste tipo de casos a lei regula toda a atuação administrativa, o que faz com que a Administração no desempenho de funções só pode chegar a um resultado legalmente possível[9].

 Neste tipo de casos o professor Diogo Freitas do Amaral defende que a lei vincula toda a atuação administrativa, e que este ato é, portanto, um ato vinculado[10].

 Por outro lado, há casos em que a administração tem mais margem de manobra, como é por exemplo da nomeação de um governador civil[11]. A disposição que dá à Administração Publica a competência de escolher um governador civil não legisla sobre todo o processo de como exercer a dita competência pelo que a administração fica capacidade para, dentro da margem da norma fazer uma escolha, que no caso é a possibilidade para nomear qualquer cidadão nacional maior e com pleno gozo dos seus direitos. Esta situação em que a lei não pormenoriza todo o processo de escolha faz com que a escolha da administração seja um ato discricionário.

 Não obstante cabe fazer a ressalva de que não há atos totalmente discricionários nem totalmente vinculado, visto que todos os atos têm um certo grau de discricionariedade ou de vinculação[12]. Quanto mais não seja um ato nunca pode ser totalmente vinculado por exemplo pois a administração tem sempre discricionariedade para interpretar a lei. Quanto aos atos discricionários estes também nunca são 100% discricionários, visto que são sempre vinculados pela competência e pelo fim da norma de competência.

 Podemos concluir, portanto, que existe discricionariedade quando a norma dá um poder de escolha das atuações da administração desde que estas se conformem com a dita lei. Cabe, no entanto, fazer a ressalva de que este poder não é restrito apenas pela lei em questão, mas a atuação da administração tem sempre de respeitar outras normas do Direito Administrativo, como é o caso dos princípios, o que limita ainda mais o poder de decisão da administração[13], visto que a administração mesmo nos casos em que a lei lhe dá margem de decisão deve de tomar esta decisão atentando e respeitando os princípios administrativos.

 Surge também uma discussão à cerca do poder discricionário e da sua ligação com o princípio da legalidade. Com esta discussão tenta-se apurar se o poder discricionário é ou não uma exceção deste princípio. A doutrina defende que não, visto que o poder discricionário só existe quando a lei o permite e nesses casos é a lei que estabelece o seu âmbito de utilização. [14]

 

Porque é que há poder discricionário?

 Numa ordem jurídica em que a administração está subordinada à lei por força do princípio de legalidade seria de esperar que fosse a lei que regulasse minuciosamente toda a atividade administrativa, no entanto isso não é o que acontece pelo que se assim fosse não estaríamos aqui a discutir o poder discricionário. Cabe-nos, portanto, questionar o porquê de isto não acontecer.

 Realisticamente seria impossível que o legislador regulasse minuciosamente todo o âmbito da atividade administrativa, pois não só há casos em que o legislador reconhece que não tem capacidade para prever todas as futuras circunstâncias que possam ocorrer como há outras situações em que o legislador tem consciência que pode não ter a capacidade para determinar a melhor solução para uma determinada situação.[15] Para tal o legislador considera que a melhor solução para prosseguir um interesse publico seja dar à Administração o poder de escolher, dentro do âmbito legalmente permitido, a melhor opção[16]. O legislador quis por isso que a administração tivesse uma margem de escolha para poder determinar a melhor solução para o interesse publico[17]

 Ainda para mais, o poder discricionário tem como objetivo assegurar o tratamento equitativo dos casos concretos[18], visto que à certos casos e, que no caso de haver uma legislação minuciosa que restrinja a atividade administrativa isto pode gerar soluções injustas.  

 O poder discricionário encontra ainda fundamentação no princípio da separação de poderes e na ideia de estado de direito democrático, visto que para que cada um destes seja realizado o executivo precisa de alguma autonomia[19], se não como se poderia dizer que haveria por exemplo uma separação de poderes tripartida quando o poder legislativo regulava por completo a administração e esta operava apenas de forma robótica.

Sabemos também que nem todas as instâncias em que a administração tem poder discricionário são iguais, havendo casos em que a Administração tem mais ou menos discricionariedade dependendo da matéria em causa. São diferentes os tipos de discricionariedade, sendo estes:

- Discricionariedade de Ação- este tipo consiste no facto de a administração ter o poder para decidir se age ou não. (Por exemplo, quando uma norma de competência diz “pode” em vez de “deve”)

- Discricionariedade de escolha- este tipo ocorre quando a Administração tem o poder para escolher entre possibilidades de atuação que se encontram dispostas na lei. (Por exemplo escolher governador civil.)

- Discricionariedade criativa- é a criação de uma atuação concreta dentro dos limites legais. Há doutrina que considera esta figura igual à discricionariedade de escolha

- Discricionariedade técnica- Neste tipo de discricionariedade a Administração, em virtude de o caso concreto precisar de um conhecimento científico especializado para melhor lidar com a situação, recorre a um parecer técnico-profissional para tomar a sua decisão. (Por exemplo, a administração pede um parecer a profissionais de saúde para combater uma epidemia.)

 

Os limites do poder discricionário:

A administração pode ser limitada através de duas formas diferentes, através de limites legais ou através da autovinculação[20], sendo os legais os que resultam da própria lei[21], como já temos vindo a expor ao longo do trabalho. Quanto à autovinculação, esta ocorre quando a administração dentro do âmbito de discricionariedade legalmente concedido cria normas que a vinculam a ela própria reduzindo assim o seu âmbito de discricionariedade, estas normas podem ser, mas não só, por exemplo regulamentos externos.[22] Nestes casos a administração não fica no entanto absolutamente impedida de mudar o critério em caso semelhante ao que se encontre autovinculada, desde que o faça fundamentadamente, para prosseguir o interesse publico.[23]

A Administração também não se pode autovincular em todas as circunstâncias, pode haver casos em que a própria lei queira que a administração faça apreciações caso a caso do assunto. A autovinculação tem também sempre de respeitar o artigo 112º da CRP.[24]

Como se controla o poder discricionário?

Este controlo é feito por duas modalidades, controlos de mérito e controlos jurisdicionais[25].

O controlo de mérito só pode ser feito pela administração, e aqui cabem o uso de poderes discricionários que tenham sido usados de maneira inconveniente[26].

É comum no âmbito da discricionariedade dizer que as decisões feitas ao abrigo desta figura e que não extravasem os limites impostos pelo Direito não são suscetíveis de ser julgadas em tribunal[27],visto até que isto seria um juízo de mérito e não um de legalidade. Há, no entanto, autores que dentro da discricionariedade distinguem duas situações;[28]

-Os casos em que devido ao facto da lei não impor à Administração determinada decisão esta tem discricionariedade propriamente dita[29].

-Os casos em que não há controlo jurisdicional pois o contencioso administrativo atual é insuficiente para tal, nestes casos enquadram-se os casos de discricionariedade técnica, liberdade probatória e justiça administrativa.[30]

 

A interpretação de conceitos indeterminados

 Outro tema de discussão relevante para a questão da discricionariedade é a sua relação com os conceitos indeterminados. Mais em concreto se a interpretação destes conceitos é uma atividade vinculada ou discricionária.[31]

 O Professor Diogo Freitas do Amaral reconhece que os conceitos ditos indeterminados não são todos iguais e que por isso não devem todos de ser tratados da mesma maneira em matéria de discricionariedade.[32]

 Este autor distingue entre casos em que o conceito dito indeterminado pode facilmente se preenchido através da própria interpretação da lei através tanto de conhecimentos jurídicos como da experiência comum na aplicação de leis semelhantes[33], e casos nos quais o preenchimento do conceito indeterminado já apela a um juízo valorativo feito pela Administração. Dentro deste segundo conceito o Professor distingue ainda duas ocasiões; as em que é exigido à Administração um juízo objetivo para o preenchimento do conceito[34]o e os casos em que o legislador remete para a administração a faculdade de através da sua experiência e das suas convicções preencher o conceito[35].

 O Professor Marcelo Rebelo de Sousa por outro lado não considera que a interpretação destes conceitos possa ser tida como um ato discricionário, visto que a lei quando utiliza conceitos indeterminados oferece pistas interpretativas, as quais o interprete deve de seguir.[36]

Conclusão

 Ora com este trabalho vimos o que é o poder discricionário, a sua relação com o princípio da legalidade, como as suas evoluções estão interligadas, vimos o porquê de existir poder discricionário, os seus limites e a sua forma de controlo. Cabe-nos agora fazer uma previsão para o futuro deste princípio e a sua evolução. Como temos observado ao longo da história do direito administrativo a administração tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela lei e o princípio da legalidade tem vindo cada vez mais a ser mais amplo o que por consequência fez com que o poder discricionário fosse perdendo espaço[37]. A meu ver isto é uma tendência que se vai manter, sendo o poder discricionário cada vez mais limitado, no entanto não acredito que este venha a desaparecer, pelo menos não no nosso modelo de governo atual, cabe também considerar a possibilidade de passar a ser mais comum dentro das modalidades de discricionariedade a discricionariedade técnica, talvez quem sabe esta ideia até seja reforçada pelo impacto que os pareceres de especialistas da área de saúde tiveram no combate à ainda tão recente pandemia de Covid 19, as respostas só o futuro as guarda e a nós cabe-nos esperar e observar até onde irá este poder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

- Lições de Direito Administrativo, Professor Marcelo Rebelo de Sousa

-Introdução ao Direito Administrativo, Professor João Caupers

- Curso de Direito Administrativo Volume II, Professor Diogo Freitas do Amaral



[1] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 124

[2] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 124

 

[3] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 124-125

 

[4] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 125

 

[5] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 126

[6] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II, pg 83

[7] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 84

[8] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 84

[9] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 84

[10] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 84

[11] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 85

[12] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 86

[13] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 88-89

[14] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 98

[15] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 95

 

[16] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 78

[17] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 79

[18] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 97

[19] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 97

[20] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 104

[21] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 104

[22] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 105

[23] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 106

[24] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 107

[25] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 108

[26] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 108-112

 

[27] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 79

[28] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 79

[29] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 79

[30] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 79

[31] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 118

[32] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 119

[33] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 119-120

[34] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 120

[35] Freitas do Amaral, Diogo Curso de Direito Administrativo Vol. II pg 122

[36] Rebelo de Sousa, Marcelo Lições de Direito Administrativo pg 131-133

[37] Caupers, João Introdução ao Direito Administrativo pg 80

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