Revogação e Anulação Administrativa
As principais diferenças entre a revogação e a anulação
administrativa são algumas e notórias, e neste post iremos desvendar as mesas. O
regime legal destes institutos encontra-se nos artigos 166º a 172º
do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
A revogação, prevista no artigo 165º/1 CPA, é o ato que decide
extinguir, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, no todo ou em
parte, os efeitos de um ato administrativo anterior. O autor do ato revogatório
exerce uma competência dispositiva idêntica a disciplina do ato revogado, sem,
no entanto, introduzir uma nova.
Tal como nos diz o artigo 171º/1, 1ª parte, por
regra, a revogação apenas produz efeitos para o futuro, é a chamada revogação
ab-rogatória ou ex nunc. Por outro lado, o autor da revogação pode,
no próprio ato, atribuir-lhe eficácia retroativa, quando for favorável aos
interessados ou quando haja concordância expressa dos mesmos e não estejam em
causa direitos ou interesses indisponíveis.
Temos então de analisar quais os efeitos jurídicos da
revogação sancionatória: considera-se como princípio geral de Direito o de
as sanções jurídicas em geral não terem efeitos retroativos, o que significa
que este tipo de revogação apenas produzirá efeitos para o futuro – salvo se a
lei dispuser de modo diferente.
De acordo com o acórdão de 23-06-1994 do Supremo Tribunal
Administrativo, que teve como recorrente Francisco Mascarenhas e como recorrido
a Direção dos Serviços da Caixa NAC de Previdência da CGD, conclui-se que:
l A revogação anulatória é aquela que, tendo o seu
fundamento em ilegalidade, retroage os seus efeitos jurídicos ao momento da
prática do ato revogado e, em consequência, os efeitos desse mesmo ato
ter-se-ão como não verificados. Os atos de execução e os atos consequentes do
ato revogado tornar-se-ão ilegais e as operações materiais desencadeadas ao
abrigo do ato revogado tornar-se-ão ilícitas, já que a revogação opera com
efeitos "ex tunc", fazendo desaparecer o anterior ato da ordem
jurídica num todo.
l A revogação ab-rogatória é aquela que, fundamentando-se numa
simples conveniência ou oportunidade, faz cessar para o futuro os efeitos
produzidos entre o início da eficácia do ato revogado e o início da eficácia do
ato revogatório, respeitando os efeitos já produzidos pelo ato ulteriormente
considerado inconveniente e apenas faz cessar, para o futuro, os efeitos que
tal ato ainda estivesse em condições de produzir, operando com efeitos "ex
nunc".
l Deve considerar-se como revogação anulatória e não
extintiva ou ab-rogatória e que, assim, retroage os seus efeitos ao momento da
prática do ato revogado a resolução da Caixa Nacional de Pensões que, a
reclamação do interessado, aceita e determina, por "razões de
justiça", a revogação de uma pensão de aposentação do referido
interessado, quanto ao seu quantitativo, a fixar de acordo com os valores que
legalmente teria se tivesse sido fixada com efeitos a partir da data em que foi
requerida, mas com efeitos para o futuro.
l A nova pronúncia ou regulamentação da situação operada
pelo ato revogatório, ou seja, os efeitos construtivos da revogação hão de
produzir-se de acordo com as normas legais existentes no momento em que foi
praticado o ato revogado, sob pena do ato revogatório enfermar do vício de
violação de lei.
Por sua vez, a anulação, prevista no artigo 165º/2 do CPA, é
o ato administrativo que, fundado na invalidade de um ato anterior, se destina
a corromper os seus efeitos. Aqui, o autor da anulação já exerce um poder dominante,
em vista da reposição da legalidade.
Os seus efeitos jurídicos passam por: (171º/3,
1ª parte) – salvo disposição em especial, reporta a sua eficácia ao momento da
prática do ato anulado, destruindo todos os efeitos já produzidos no passado.
Esta é a chamada anulação com eficácia retroativa ou ex tunc. No
entanto, o autor da anulação pode, na própria decisão, atribuir-lhe mera
eficácia para o futuro, quando o ato se tenha tornado inimpugnável por via
jurisdicional (171º/3 CPA). Tudo se passa como se o ato nunca tivesse existido.
A anulação constitui a Administração no dever de
reconstituir a situação que existiria caso o ato anulável não tivesse sido
praticado, bem como de dar seguimento aos deveres que não tenha cumprido na
sequência daquele ato (172º/1 CPA). Assim, a Administração terá poder para
praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não estejam envolvidas
imposições prejudiciais aos destinatários do ato (172º/2 CPA).
Analisando cada uma destas figuras, conclui-se que uma
anulação administrativa tem caráter mais danoso, precisamente por interferir
tanto com o futuro, quanto com o passado, o que claramente abala a confiança do
público na Administração, bem como afeta o princípio da segurança jurídica, de
modo a que possa existir um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade
das normas jurídicas.
A eficácia ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o
órgão administrativo competente tenha resolvido que um determinado ato anterior
se tornou inconveniente ao interesse público; já a eficácia retroativa está
reservada, por lei, para os casos de anulação administrativa respeitante a atos
inválidos. Excecionalmente, a retroatividade pode ser utilizada para casos de
inconveniência do ato, ao invés da invalidade. Isto acontece nos casos em que
não tenha sido afetada a confiança pública na Administração – 2ª parte do nº1,
do artigo 171º CPA.
Esta diferença de regimes entende-se no sentido de se
proteger e não ameaçar os legítimos interesses e expectativas fundadas dos
particulares.
O efeito geral da extinção do ato anterior por uma destas
vias, é o do desaparecimento dos respetivos efeitos jurídicos, sendo, por isso,
a revogação e a anulação integradas na categoria de atos
secundários ou atos sobre atos, pois os seus efeitos não fazem
sentido algum sem a existência de um “pré-ato”.
Do acórdão número 04480/11 do STA de 15-02-2011 pode-se
concluir que:
l Pertencendo a revogação à categoria dos denominados atos
secundários ou atos sobre atos, necessariamente que os seus efeitos jurídicos
recaem sobre um ato anteriormente praticado, sendo inconcebível a sua prática
desligada desse ato pré-existente;
l Ao fazê-lo, pratica a AT um ato revogatório implícito, ou
seja, um ato administrativo que, não declarando expressamente suprimir os
efeitos de ato anterior, produz na realidade consequências jurídicas que, sendo
incompatíveis com os efeitos produzidos pelo ato anterior de liquidação
adicional, conduzem à eliminação destes;
l Com o ato impugnado, foi estabelecida uma nova
regulamentação material sobre situação já regulada por ato anterior, ou seja,
resulta uma incompatibilidade implícita entre a nova regulamentação e os
efeitos do ato anterior.
l Retira-se do exposto que, na ausência de normas jurídicas
especiais que permitam a alteração de situações criadas por ato definitivo,
qualquer extinção subsequente de toda ou parte dos respetivos efeitos de
direito cai sempre sob a alçada dos preceitos legais que estabeleçam o regime
geral da revogação do ato administrativo, sendo indispensável à qualificação de
um ato como revogatório, não a declaração expressa de revogação, mas apenas a
contradição, entre o conteúdo do ato em questão e os efeitos decorrentes de ato
anterior.
No mesmo acórdão, cita-se o Professor Freitas do Amaral,
quando este define a “revogação” como sendo o ato administrativo que se
destina a extinguir os efeitos de outro ato administrativo anterior,
para concluir que os atos administrativos que sejam inválidos, podem ser
revogados pela entidade que os praticou ou pelos respetivos superiores
hierárquicos, desde que não se trate de ato da competência exclusiva do
subalterno, por um posterior ato administrativo, de sentido contrário ao
primeiro, havendo assim, portanto, para além da revogação por inconveniência
dos atos válidos, também, a revogação por ilegalidade ou invalidade, isto é, a
revogação anulatória, a anulação administrativa do ato ilegal: os atos
feridos de invalidade são anuláveis pela Administração, mediante ato
administrativo.
Quanto à natureza jurídica da revogação e da anulação
administrativa, pode-se concluir que existem duas principais correntes
doutrinárias:
l Numa das posições, a revogação ou a anulação
administrativa são essencialmente atos de natureza negativa ou destrutiva –
através deles, o órgão administrativo extingue os efeitos de um ato anteriormente
praticado, eliminando da ordem jurídica uma determinada decisão previamente
tomada. Apenas um órgão com competência dispositiva poderá acrescentar à
revogação ou à anulação uma nova decisão sobre o mesmo caso concreto (173º e
172º/1 e 2 CPA), porém, esta já será uma nova configuração de um ato
administrativo, diferente da revogação ou anulação administrativa sendo, por
isso, um novo ato.
l Outra das posições adotadas é a que entende os dois atos
como de natureza positiva ou construtiva, através dos quais se substitui certa
decisão por outra, ao contrário da primeira teoria enunciada. Esta corrente
atribui o efeito repristinatório à revogação ou à anulação, fundamentando com a
previsão legal do nº4 do artigo 171º CPA, não trazendo aos atos da AP um cariz
de negativo mas sim de reconstrução e de melhoria do sistema jurídico nacional.
Em suma, a distinção
entre revogação e anulação administrativa, delineada pelos artigos 166º a 172º
do Código de Procedimento Administrativo (CPA), revela nuances cruciais no
ordenamento jurídico. Enquanto a revogação atua com base em critérios de
mérito, conveniência ou oportunidade, extinguindo os efeitos de um ato
administrativo anterior para o futuro, a anulação, fundada na invalidade do ato
prévio, retroage os seus efeitos ao momento da sua prática, eliminando todos os
efeitos já produzidos no passado.
Esta diferenciação
ressalta não apenas as distintas bases legais e consequências jurídicas de cada
instituto, mas também a sua relevância na garantia da segurança jurídica e na
proteção dos interesses dos particulares. Enquanto a revogação, de caráter predominantemente
prospetivo, busca adequar as decisões administrativas à evolução das
circunstâncias e do interesse público, a anulação, com sua eficácia retroativa,
visa corrigir atos inválidos e restabelecer a legalidade, embora possa implicar
impactos mais amplos e complexos.
Assim, a compreensão e aplicação adequada desses instrumentos são essenciais para assegurar a estabilidade e previsibilidade do sistema jurídico, bem como para proteger os direitos dos cidadãos perante a Administração Pública. A análise cuidadosa das diferenças entre revogação e anulação administrativa contribui, portanto, para a consolidação do Estado de Direito e para o fortalecimento dos princípios fundamentais da legalidade e da justiça administrativa.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito
Administrativo", volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2013
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