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terça-feira, 21 de novembro de 2023

O princípio da legalidade- breve comentário

 

1.      Enquadramento temático

O princípio da legalidade, consagrado no artigo 266.º da Constituição da República portuguesa e 3/1 do Código do Procedimento Administrativo, consubstancia-se na ideia de que todo o agere administrativo está sujeito à lei, ao direito e aos limites que estes impõem. Assim, a prossecução do interesse público por parte da Administração nunca pode pôr em causa certos princípios e regras, caso contrário estaríamos perante uma conduta administrativa arbitrária.

No que respeita à sua definição, tendo em conta uma parte da doutrina, a submissão da Administração implica uma mera compatibilidade, de prevalência ou preferência de lei, pelo que fora de matérias reservadas ao ato legislativo, a administração poderia criar ou até mesmo atuar à revelia da existência de lei, desde que esta não se traduzisse numa atuação contra legem. Tendo em conta o entendimento de outra parte da doutrina, o princípio da legalidade administrativa, impõe uma conformidade da Administração Pública à lei, na medida em que, todo o agir administrativo, independentemente do seu âmbito, apenas se pode desenvolver precedendo habilitação legal.

 

2.      Subprincípios do princípio da legalidade

Na verdade, a relevância do princípio da legalidade administrativa traduz-se em torno de alguns subprincípios densificadores, sendo eles: o princípio da precedência de lei, o princípio do primado ou preferência de lei e o princípio da reserva de lei.

2.1.  Princípio da precedência de lei

No que diz respeito ao princípio da precedência de lei, segundo o Professor Paulo Otero, este princípio refere-se à necessidade do agir administrativo ser sempre fundamentada em ato legislativo prévio, na medida em que, “sem lei habilitante a administração encontra-se impedida de agir, devendo adotar uma conduta omissiva”.

No mesmo sentido, segundo a posição da Professora Ana Raquel Gonçalves Moniz, o facto da função administrativa se fixar por fins definidos pelo legislador, impõe uma exigência de lei habilitante. Esta exigência encontra previsão explicita, no que toca aos regulamentos administrativos, por força do n.º 7 do artigo 112.º da Constituição da República portuguesa.

Ainda no que toca ao princípio da precedência de lei, é necessário destacar ainda que subordinação da administração à precedência de lei, deve ser entendida, tendo em conta a posição do Professor João Caupers, como uma “subordinação ao bloco central” , no qual se englobam o direito da União Europeia, o direito internacional, bem como preceitos constitucionais e princípios gerais.

2.2.  Princípio do primado ou preferência de lei

Por força deste princípio, todo o agir administrativo deve obediência à lei, caso contrário, padeceria de ilegalidade (aludindo-se assim a um princípio da legalidade em sentido negativo). Neste sentido, tendo em conta o entendimento do professor Paulo Otero, a lei adquire uma força jurídica especial, na medida em que possui capacidade de resistência relativamente a atos de diferente natureza. Segundo a perspetiva da professora Ana Raquel Gonçalves Moniz, o princípio encontra-se restrito em certos aspetos. Veja-se por exemplo o caso das leis injustas, (isto é, normas que uma vez contrárias à conceção do Direito não podem ser denominadas de normas jurídicas): quando um órgão administrativo é confrontado com estas situações deverá não apenas desaplicá-las, como também declarar a invalidade de todos os atos injustos, visto que, por força do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, deve entender-se que a Administração Pública tem um dever de atuar justamente.

Ainda no que toca aos limites relativos a este princípio, em caso de verificação de condicionalismos excecionais, permite-se o afastamento dos órgãos administrativos relativamente a leis inconstitucionais, de forma a que as suas ações, (dos órgãos administrativos) se conformem com o texto constitucional, algo que noutra situação significava uma invalidade no que toca à atuação administrativa. Um outro caso relevante de limitação ao princípio da primazia da lei, seria a situação da “ilegalidade funcionalmente orientada” circunstância na qual certos setores da “Administração de Massas”, por razão de agilidade administrativa acabam por desrespeitar algumas normas legais, sem que isto importe uma ilegalidade da conduta, haverá apenas uma mera irregularidade.

2.3.  Princípio da reserva de lei

O princípio da reserva de lei, consiste essencialmente, na adstrição de disciplina jurídica sobre certas matérias, sujeitas à intervenção do poder legislativo. Neste sentido, como defende o professor Paulo Otero, a reserva de lei constitui um espaço cuja decisão compete apenas ao legislador. Na verdade, o alcance das matérias de reserva, contempladas nos artigos 164.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa, significam que a Administração Pública está sujeita a uma vinculação mais intensa, diminuindo assim o seu poder discricionário. Razão pela qual, tendo em conta o entendimento do Professor Vieira Andrade, a reserva de lei não implica para o legislador o dever de disciplinar a matéria de modo absoluto, existindo apenas uma “necessidade de uma certa abertura ou de uma certa porosidade legal que permita a respiração administrativa”, limitada pelo respeito pelo núcleo essencial das matérias reservadas.

No mesmo sentido, segundo a posição do professor Paulo Otero, a reserva de lei apresenta limites jurídicos e fáticos, pelo que não se consubstanciam numa reserva total da disciplina por parte do legislador, uma vez que a reserva conhece diferentes tipos de intensidade, existindo sempre margem de disciplina por parte da Administração Pública.

Por outras palavras, tendo em conta a perspetiva da Professora Ana Moniz, é possível retirar desta asserção que a atribuição ao legislador da disciplina de matérias essenciais, através da reserva, permite, certamente, à Administração Pública a disciplina das restantes matérias.

 

3.      A diminuição de âmbito do princípio da legalidade

Não obstante a sua importância fulcral no ordenamento jurídico, segundo a professora Ana Moniz, o princípio da legalidade tem vindo a ser prejudicado devido a fatores como a conceção multinível de sistema jurídico, multiplicação dos centros de poder normativos e até mesmo pela incapacidade do legislador de emanar normas jurídicas suficientemente densas sobre todas as matérias a tutelar no ordenamento jurídico. Pelo exposto, a Professora defende a existência de uma certa “marginalização da legalidade” em certas questões, como: a deslegalização e o aumento das normas de atribuição e a retração das normas de competência.

 

3.1. A Deslegalização

Ao longo do tempo tem-se assistido a uma retração no que toca à influência da lei no plano interno, verificando-se assim uma introdução progressiva de outras fontes normativas, como é o caso do regulamento. Isto porque, no entendimento da Professora Ana Moniz, a lei revela-se em certos casos incapaz de fazer face aos novos acontecimentos, pelo que naturalmente, tende a ser substituída por outros instrumentos, (chama-se a isto o fenómeno da deslegalização).

Veja-se a hipótese em que não existindo anteriormente disciplina sobre determinada matéria, a nova lei remete para o plano infralegal aspetos de conteúdo fundamental do regime jurídico. Ou outra hipótese em que, a lei permita a sua alteração através de um regulamento, desvirtuando o princípio da primazia da lei. Ainda dentro do âmbito da deslegalização, mas tendo em conta uma perspetiva diferente, temos ainda o princípio da contra corrente, que se traduz no facto da lei, em certos casos, estar vinculada a normas regulamentares e não o seu inverso, colocando assim em causa o princípio da precedência de lei.

Dentro desta questão, o problema que se coloca é quanto à preocupação da possibilidade do poder regulamentar impor-se ao legislador, mais concretamente no que toca à existência de direitos fundamentais consagrados em regulamentos, colocando-se em causa as restrições no que tocas aos direitos, liberdades e garantias, o que se revelaria atentatório ao Estado de Direito.

 

3.2. Emergência das normas de atribuição e a retração das normas de competência

Finalmente, é apontado ainda como fator de retração do princípio da legalidade, o facto das leis conterem cada vez mais normas de atribuição que habilitam genericamente entidades públicas, diferentemente de conterem normas de estabelecem competências materiais e ainda “os poderes públicos de atuação em cada situação típica” relativamente a cada um dos órgãos.

É daqui que resulta a posição do professor Paulo Otero para uma mudança do“Direito de princípios”, (com afloramento de uma “normatividade principialista”), ao invés de um “Direito de regras”. Esta transformação, não deixa de ter implicações no exercício dos poderes administrativos de autoridade, partindo dos exemplos da Professora Ana Moniz, um dos casos é o da “destipicização dos atos administrativos” .

A lei deve estabelecer o conteúdo e os respetivos efeitos dos atos administrativos, no entanto é frequente a situação em que o legislador se ausente desta tarefa, remetendo aos órgãos das entidades administrativas o poder para a prática dos atos necessários para a prossecução das suas atribuições, resultando numa redução do princípio da tipicidade dos atos administrativos. Para além disso, também o afloramento dos regulamentos independentes, em que o legislador permite à Administração definir o conteúdo do regime jurídico a traçar pelas normas regulamentares, contribuem para este estreitamento do princípio da legalidade (para além de serem ainda evidência da deslegalização), visto que o legislador apenas define “a competência objetiva e subjetiva para a emissão do regulamento”.


Referências Bibliográficas:

AMARAL, Diogo Freitas (2011). Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2º Edição, Coimbra: Almedina Editora. 

GONÇALVES, Fernando., Alves, Manuel João., Vieira, Vítor., Gonçalves, Rui Miguel., Correia, Bruno., Gonçalves, Mariana Violante, Novo Código do Procedimento Administrativo- Anotado e Comentado, 7º Edição. Coimbra, Almedina 

MONIZ, Ana Raquel (2020). Direito Administrativo, 3º Edição. Coimbra: Almedina 

OTERO, Paulo (2003). Legalidade e Administração Pública, 3º Edição, Coimbra: Almedina Editora, (2003)

OTERO, Paulo (2021). Manual de Direito Administrativo, Volume I, 3º Edição. Coimbra: Almedina


Patrícia Falé, nº 68139

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