1. Enquadramento temático
O
princípio da legalidade, consagrado no artigo 266.º da Constituição da
República portuguesa e 3/1 do Código do Procedimento Administrativo,
consubstancia-se na ideia de que todo o agere administrativo está sujeito à
lei, ao direito e aos limites que estes impõem. Assim, a prossecução do
interesse público por parte da Administração nunca pode pôr em causa certos
princípios e regras, caso contrário estaríamos perante uma conduta
administrativa arbitrária.
No
que respeita à sua definição, tendo em conta uma parte da doutrina, a submissão
da Administração implica uma mera compatibilidade, de prevalência ou
preferência de lei, pelo que fora de matérias reservadas ao ato legislativo, a
administração poderia criar ou até mesmo atuar à revelia da existência de lei,
desde que esta não se traduzisse numa atuação contra legem. Tendo em conta o
entendimento de outra parte da doutrina, o princípio da legalidade
administrativa, impõe uma conformidade da Administração Pública à lei, na
medida em que, todo o agir administrativo, independentemente do seu âmbito,
apenas se pode desenvolver precedendo habilitação legal.
2. Subprincípios do princípio da
legalidade
Na
verdade, a relevância do princípio da legalidade administrativa traduz-se em
torno de alguns subprincípios densificadores, sendo eles: o princípio da
precedência de lei, o princípio do primado ou preferência de lei e o princípio
da reserva de lei.
2.1. Princípio da precedência de lei
No
que diz respeito ao princípio da precedência de lei, segundo o Professor Paulo
Otero, este princípio refere-se à necessidade do agir administrativo ser sempre
fundamentada em ato legislativo prévio, na medida em que, “sem lei habilitante
a administração encontra-se impedida de agir, devendo adotar uma conduta
omissiva”.
No
mesmo sentido, segundo a posição da Professora Ana Raquel Gonçalves Moniz, o
facto da função administrativa se fixar por fins definidos pelo legislador,
impõe uma exigência de lei habilitante. Esta exigência encontra previsão
explicita, no que toca aos regulamentos administrativos, por força do n.º 7 do
artigo 112.º da Constituição da República portuguesa.
Ainda
no que toca ao princípio da precedência de lei, é necessário destacar ainda que
subordinação da administração à precedência de lei, deve ser entendida, tendo
em conta a posição do Professor João Caupers, como uma “subordinação ao bloco
central” , no qual se englobam o direito da União Europeia, o direito
internacional, bem como preceitos constitucionais e princípios gerais.
2.2. Princípio do primado ou preferência
de lei
Por
força deste princípio, todo o agir administrativo deve obediência à lei, caso
contrário, padeceria de ilegalidade (aludindo-se assim a um princípio da
legalidade em sentido negativo). Neste sentido, tendo em conta o entendimento
do professor Paulo Otero, a lei adquire uma força jurídica especial, na medida
em que possui capacidade de resistência relativamente a atos de diferente
natureza. Segundo a perspetiva da professora Ana Raquel Gonçalves Moniz, o
princípio encontra-se restrito em certos aspetos. Veja-se por exemplo o caso
das leis injustas, (isto é, normas que uma vez contrárias à conceção do Direito
não podem ser denominadas de normas jurídicas): quando um órgão administrativo
é confrontado com estas situações deverá não apenas desaplicá-las, como também
declarar a invalidade de todos os atos injustos, visto que, por força do n.º 2
do artigo 266.º da Constituição, deve entender-se que a Administração Pública
tem um dever de atuar justamente.
Ainda
no que toca aos limites relativos a este princípio, em caso de verificação de
condicionalismos excecionais, permite-se o afastamento dos órgãos
administrativos relativamente a leis inconstitucionais, de forma a que as suas
ações, (dos órgãos administrativos) se conformem com o texto constitucional,
algo que noutra situação significava uma invalidade no que toca à atuação
administrativa. Um outro caso relevante de limitação ao princípio da primazia
da lei, seria a situação da “ilegalidade funcionalmente orientada”
circunstância na qual certos setores da “Administração de Massas”, por razão de
agilidade administrativa acabam por desrespeitar algumas normas legais, sem que
isto importe uma ilegalidade da conduta, haverá apenas uma mera irregularidade.
2.3. Princípio da reserva de lei
O
princípio da reserva de lei, consiste essencialmente, na adstrição de
disciplina jurídica sobre certas matérias, sujeitas à intervenção do poder
legislativo. Neste sentido, como defende o professor Paulo Otero, a reserva de
lei constitui um espaço cuja decisão compete apenas ao legislador. Na verdade,
o alcance das matérias de reserva, contempladas nos artigos 164.º e 165.º da
Constituição da República Portuguesa, significam que a Administração Pública
está sujeita a uma vinculação mais intensa, diminuindo assim o seu poder
discricionário. Razão pela qual, tendo em conta o entendimento do Professor
Vieira Andrade, a reserva de lei não implica para o legislador o dever de
disciplinar a matéria de modo absoluto, existindo apenas uma “necessidade de
uma certa abertura ou de uma certa porosidade legal que permita a respiração
administrativa”, limitada pelo respeito pelo núcleo essencial das matérias
reservadas.
No
mesmo sentido, segundo a posição do professor Paulo Otero, a reserva de lei
apresenta limites jurídicos e fáticos, pelo que não se consubstanciam numa
reserva total da disciplina por parte do legislador, uma vez que a reserva
conhece diferentes tipos de intensidade, existindo sempre margem de disciplina
por parte da Administração Pública.
Por
outras palavras, tendo em conta a perspetiva da Professora Ana Moniz, é
possível retirar desta asserção que a atribuição ao legislador da disciplina de
matérias essenciais, através da reserva, permite, certamente, à Administração
Pública a disciplina das restantes matérias.
3. A diminuição de âmbito do princípio
da legalidade
Não
obstante a sua importância fulcral no ordenamento jurídico, segundo a
professora Ana Moniz, o princípio da legalidade tem vindo a ser prejudicado
devido a fatores como a conceção multinível de sistema jurídico, multiplicação
dos centros de poder normativos e até mesmo pela incapacidade do legislador de
emanar normas jurídicas suficientemente densas sobre todas as matérias a
tutelar no ordenamento jurídico. Pelo exposto, a Professora defende a
existência de uma certa “marginalização da legalidade” em certas questões,
como: a deslegalização e o aumento das normas de atribuição e a retração das
normas de competência.
3.1. A Deslegalização
Ao
longo do tempo tem-se assistido a uma retração no que toca à influência da lei
no plano interno, verificando-se assim uma introdução progressiva de outras
fontes normativas, como é o caso do regulamento. Isto porque, no entendimento
da Professora Ana Moniz, a lei revela-se em certos casos incapaz de fazer face
aos novos acontecimentos, pelo que naturalmente, tende a ser substituída por
outros instrumentos, (chama-se a isto o fenómeno da deslegalização).
Veja-se
a hipótese em que não existindo anteriormente disciplina sobre determinada
matéria, a nova lei remete para o plano infralegal aspetos de conteúdo
fundamental do regime jurídico. Ou outra hipótese em que, a lei permita a sua
alteração através de um regulamento, desvirtuando o princípio da primazia da
lei. Ainda dentro do âmbito da deslegalização, mas tendo em conta uma
perspetiva diferente, temos ainda o princípio da contra corrente, que se traduz
no facto da lei, em certos casos, estar vinculada a normas regulamentares e não
o seu inverso, colocando assim em causa o princípio da precedência de lei.
Dentro
desta questão, o problema que se coloca é quanto à preocupação da possibilidade
do poder regulamentar impor-se ao legislador, mais concretamente no que toca à
existência de direitos fundamentais consagrados em regulamentos, colocando-se
em causa as restrições no que tocas aos direitos, liberdades e garantias, o que
se revelaria atentatório ao Estado de Direito.
3.2. Emergência das normas de
atribuição e a retração das normas de competência
Finalmente,
é apontado ainda como fator de retração do princípio da legalidade, o facto das
leis conterem cada vez mais normas de atribuição que habilitam genericamente
entidades públicas, diferentemente de conterem normas de estabelecem
competências materiais e ainda “os poderes públicos de atuação em cada situação
típica” relativamente a cada um dos órgãos.
É
daqui que resulta a posição do professor Paulo Otero para uma mudança do“Direito
de princípios”, (com afloramento de uma “normatividade principialista”), ao
invés de um “Direito de regras”. Esta transformação, não deixa de ter
implicações no exercício dos poderes administrativos de autoridade, partindo
dos exemplos da Professora Ana Moniz, um dos casos é o da “destipicização dos
atos administrativos” .
A
lei deve estabelecer o conteúdo e os respetivos efeitos dos atos
administrativos, no entanto é frequente a situação em que o legislador se
ausente desta tarefa, remetendo aos órgãos das entidades administrativas o
poder para a prática dos atos necessários para a prossecução das suas
atribuições, resultando numa redução do princípio da tipicidade dos atos
administrativos. Para além disso, também o afloramento dos regulamentos
independentes, em que o legislador permite à Administração definir o conteúdo
do regime jurídico a traçar pelas normas regulamentares, contribuem para este
estreitamento do princípio da legalidade (para além de serem ainda evidência da
deslegalização), visto que o legislador apenas define “a competência objetiva e
subjetiva para a emissão do regulamento”.
Referências Bibliográficas:
AMARAL, Diogo Freitas (2011). Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2º Edição, Coimbra: Almedina Editora.
GONÇALVES, Fernando., Alves, Manuel João., Vieira, Vítor., Gonçalves, Rui Miguel., Correia, Bruno., Gonçalves, Mariana Violante, Novo Código do Procedimento Administrativo- Anotado e Comentado, 7º Edição. Coimbra, Almedina
MONIZ, Ana Raquel (2020). Direito Administrativo, 3º Edição. Coimbra: Almedina
OTERO, Paulo (2003). Legalidade e Administração Pública, 3º Edição, Coimbra: Almedina Editora, (2003)
OTERO, Paulo (2021). Manual de Direito Administrativo, Volume I, 3º Edição. Coimbra: Almedina
Patrícia Falé, nº 68139
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