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sábado, 20 de abril de 2024

Procedimento Administrativo e a Importância da audiência dos interessados

      A generalidade de decisões da Administração, dos seus atos administrativos, é um produto de um procedimento administrativo, i.e., de uma “sucessão ordenada de atos e formalidade” (art.º 1/1 do CPA) que são realizados em ordem à produção e operatividade.[1]

     “Prosseguir o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos” dos particulares, como exige a CRP, numa contexto em que o conteúdo das decisões a tomar, por norma, não se encontra pré-determinado, mas deve resultar do exercício de poderes de valoração dos próprios do exercício da função administrativa, exige a cuidadosa identificação e ponderação imparcial de todos os interesses em presença, conforme o princípio da imparcialidade, consagrado no art.º 9 do CPA. 

       Supõe participação multipolar, análise técnica e razoabilidade na apreciação, ponderada e aberta, das alternativas e dos sacrifícios que cada uma delas pode envolver.

     O procedimento é a sede na qual cumpre à Administração formular todos estes juízos e ponderações, em ordem à tomada das decisões que lhe incumbem. E a complexidade da vida moderna reflete-se na estrutura dos modernos procedimentos administrativos – basta pensar em fenómenos como o da multiplicação de procedimentos complexos, que se desdobram em subfases ou mesmo em diferentes procedimentos autónomos mas interligados, no âmbito dos quais se produzem decisões intermédias; ou da crescente participação de indivíduos e grupos portadores de interesses difusos, designadamente no âmbito dos chamados procedimentos de massa, que, não sendo embora os mais frequentes, são aqueles que mais chamam a atenção da opinião pública.

 

       Este desempenha várias funções: visa permitir o esclarecimento e ponderação dos dados de facto e dos interesses que devem ser tidos em conta na tomada das decisões; visa assegurar a coordenação da atuação e intervenção dos vários órgãos (e entidades) administrativas envolvidas; visa proporcionar aos interessados a possibilidade de fazerem valer as suas razões.

      O procedimento é um instrumento indispensável à adequada prossecução dos interesses públicos. Revela-se como um instrumento de recolha e tratamento de informação, aproxima a Administração à realidade dos interesses que se debatem na comunidade concreta reduzindo a conflitualidade subsequente à tomada das decisões administrativas, identifica as soluções que melhor prosseguem o interesse público e, nesta perspetiva, deve abrir-se à participação o mais amplo leque de agentes exteriores à própria Administração, no propósito de contribuir para a racionalidade da atividade administrativa e dos seus resultados.

      Este também tem uma importante dimensão de tutela subjetiva, enquanto instrumento de defesa dos titulares dos direitos e interesses que podem ser afetados pelas decisões que nele se preparam e venham a adotar – dimensão de tutela subjetiva cuja importância é acrescida quando esteja em jogo a defesa, no âmbito do procedimento, de direitos fundamentais, dada a dimensão de “garantia do procedimento” que a moderna doutrina lhes associa e que se concretiza num direito à existência do justo procedimento e a que nele seja assegurada a participação e a defesa efetiva das posições subjetivas com relevância jusfundamental.

     É a sede privilegiada de intervenção dos titulares de direitos e interesses individuais, em defesa das posições substantivas de fundo de que são titulares perante a Administração e que podem ser afetadas pelas decisões que no procedimento se preparam.

     A partir do momento em que os particulares são reconhecidos como titulares de situações jurídicas substantivas perante a Administração, não pode admitir-se que eles sejam colocados numa posição passiva, de sujeição, relativamente aos efeitos jurídicos que as decisões administrativas possam vir a determinar e, portanto, que sejam tratados como um mero objeto do procedimento.

     Pelo contrário, os titulares de situações jurídicas substantivas passíveis de serem afetadas pelas decisões que no âmbito do procedimento se preparam são reconhecidos como sujeitos do procedimento, no sentido em que são titulares de um conjunto de situações jurídicas ativas – que podem ser qualificadas como situações subjetivas procedimentais – que lhes permitem intervir no procedimento, em defesa das respetivas posições jurídicas substantivas, no âmbito de relações jurídicas específicas, que se estabelecem e desenvolvem em sede procedimental e, por isso, podem ser qualificadas, também elas, como relações jurídicas procedimentais.

   Deste ponto de vista, este aspeto ora mencionado, reveste-se da maior importância que ganhou nova visibilidade com a revisão de 2015 do CPA, que nele introduziu um novo art.º 65 no CPA, na qual são reconhecidos como sujeitos da relação jurídica procedimental, a par dos sujeitos públicos competentes para a prática de atos administrativos ou atos preparatórios no âmbito do procedimento, os particulares interessados e as pessoas singulares e coletivas de direito privado em defesa de interesses difusos, de acordo com os critérios de legitimidade do art.º 68/1 a 3 CPA.

    Acrescente-se que os artigos 65º e 68º/4, do CPA, não descuram também o fenómeno das relações jurídicas interadministrativas, reconhecendo que, para além do sujeito público que conduz o procedimento, também nele podem intervir como sujeitos da relação jurídica procedimental outros sujeitos públicos, titulares de poderes, direitos subjetivos, interesses legalmente protegidos, deveres ou sujeições passíveis de serem conformados pela decisão que pode ser tomada no âmbito do procedimento ou que atuem em defesa de interesses difusos que lhes caiba defender e que possam ser beneficiados ou afetados por tal decisão.

   Pode-se dizer que o exercício das diferentes funções do Estado obedece a um procedimento, em sentido amplo, enquanto sistema de regras e/ou princípios dirigidos à obtenção de um resultado. O Estado obedece a uma lógica e a um conjunto de regras próprias, que resulta da natureza de cada uma dessas funções. É isso que explica que o exercício da função jurisdicional se processe nos termos específicos que são próprios do processos judicial. E também o procedimento a que obedece o exercício da demais funções do Estado, e em especial a função administrativa, se configure em termos diferentes daquele.

         As coisas nem sempre foram assim.

       Nos séculos XVII, XVIII e XIX, a lógica da Administração era uma lógica agressiva e o centro era o ato administrativo.

       Depois com a lógica do Estado Social, no início do século XX, começaram a surgir as formas de Administração que não apenas o ato administrativo e, a partir do anos 60 do século XX, começa-se à procura de novos centros para o Direito Administrativo (DA).

      Os dois novos centros utilizados eram o procedimento, na doutrina italiana e a relação jurídica na doutrina alemã. Porquê o procedimento em Itália? Porque era o modo como uma decisão administrativa era tomada e, portanto, o procedimento servia para explicar não apenas os atos administrativos, mas os regulamentos, os contratos e quase todas as operações jurídicas da Administração, a vontade desta era a que se expressava nos procedimentos administrativos. Porquê a relação jurídica na Alemanha? Pelo contrário, no Direito Alemão, em que tinha havido o nazismo e se estava com a lei fundamental a reconstruir o DA, é o conceito de relação jurídica, em que há dois sujeitos em relação de paridade, há o particular e a Administração, que são partes, são sujeitos de Direito, que têm a mesma posição, que têm direitos e deveres diferenciados, em razão do seu papel na relação jurídica, mas são sujeitos de direito. E essa lógica personalista e de equilíbrio entre a Administração e os particulares fazia com que se procurasse a figura da relação jurídica como novo centro do DA.

       Do posto de vista do Sr. Professor Regente, o procedimento é um elemento essencial para a formação da vontade administrativa e é um elemento que deve ser considerado autonomamente.

      Apesar de naquela altura se afirmar que o procedimento e a relação jurídica eram termos distintos, eles não são excludentes, são realidades complementares e são realidades essenciais no moderno DA porque, se o particular pede algo à Administração ou a Administração pretende praticar algo, tem de iniciar um procedimento, onde existe, desde o primeiro até ao último momento, relações procedimentais. E se houver um litígio, há relações processuais, há relações contenciosas porque o particular e a Administração vão a um processo, onde há uma lógica relacional de partes, estabelecida na nossa ordem jurídica.

                  

      Uma regra importantíssima, que define a legalidade do ato, é a da Administração não poder tomar decisão alguma que afete um cidadão sem primeiro o ouvir, tem de haver uma audiência do interessado. Este princípio de audiência é um corolário do princípio da participação (art.º 12 do CPA e ainda o princípio da colaboração dos particulares, art.º 11 do mesmo diploma), gera um direito fundamental na tomada de decisões. Se alguém pedir à Administração alguma informação/satisfação que caiba no exercício das suas funções, tem de ter uma resposta. Se não tiver, pode ir exigir a Tribunal, só não há dever de resposta quando essa reposta já tenha existido num prazo de dois anos, para evitar queixosos repetentes (art.º 13/2 do CPA).

      Por causa da crescente evolução do procedimento administrativo e a nova conceção do DA, nas constituições do anos 70, consagraram-se novos direitos fundamentais como também processuais, incluindo o da audiência. Os cidadãos têm o direito de saber porque é que a Administração decide daquela maneira e quais são as razões que levam a decidir daquela maneira.

   O direito de audiência (art.º 121 do CPA) é um direito que não pode ser diminuído ou disfarçado.

 

     Dando um exemplo do quão importante é a audiência dos interessados[2]: no regulamento administrativo, no seu processo de elaboração, no art.º 99, o CPA impõem que os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, a qual deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas. A exigência de uma prévia avaliação de custos e benefícios é um corolário do princípio da boa administração (art.º 5/1 do CPA), em especial da relevância de critérios de eficiência e de economicidade.

    Os artigos 100º e 101º do CPA consagram, respetivamente, o princípio da audiência dos interessados e da consulta pública dos projetos de regulamento em homenagem aos princípios da colaboração com os particulares e da participação (arts. 11º e 12º respetivamente, como já forma mencionados anteriormente).

   Tratando-se de um regulamento que contenha disposições que afetem – positiva ou negativamente – de modo direito e imediato direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o respetivo projeto é submetido por prazo razoável, mas não inferior a 30 dias, a audiência escrita ou oral dos interessados que, como tal, se tenham constituído no procedimento. A audiência só pode ser dispensada – devendo nesses casos a decisão final indicar os fundamentos da não realização da audiência só nas seguintes situações (art.º 124 do CPA):

                      - a emissão do regulamento seja urgente;

                     - seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade do regulamento;

              - o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível, devendo nesse caso proceder-se à consulta pública;

                  - os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as questões que importam à decisão.

    Tirando estas situações, se os interessados não forem ouvidos, pode ser motivo para a anulabilidade do regulamento (art.º 163/1 do CPA). É uma violação aos princípios acima já referidos: participação e colaboração dos particulares.

 

   Concluindo, podemos observar que neste texto compreende-se o quão importante é a audiência dos interessados, pode mesmo colocar em causa a legalidade de um ato da Administração Pública.

      Se é um direito fundamental, está consagrado no CPA, é para se cumprir e não para tentar adulterar o procedimento em si mesmo.

 

 

Maria Leonor Sebastião De Sousa, nº 67661, subturma 15

 

 

Bibliografia:

                  

       ALMEIDA, Mário Aroso de. 2015. Teoria Geral do Direito Administrativo: O novo Regime do código Procedimento de Administrativo. 2ª edição. Coimbra: Almedina. 

            AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo volume II. 4ª edição. Coimbra: Almedina. 2018 

             Transcrições dos apontamentos das aulas do Sr. Professor Regente

 

           NABAIS, José Cabalta. 2023. Procedimento e Processo Administrativos. 13ª edição. Coimbra: Almedina.


[1] ALMEIDA, Mário Aroso de. 2015. Teoria Geral do Direito Administrativo: O novo Regime do Código Procedimento de Administrativo. 2ª edição. Coimbra: Almedina. 

[2] AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo volume II. 4ª edição. Coimbra: Almedina. 2018

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