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terça-feira, 16 de abril de 2024

O Problema da boa administração enquanto parâmetro de controle jurisdicional


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O Pro blema da boa administração enquanto parâmetro de controle jurisdicional

 

Sancho Miedzir

 

 

 

Índice

 

 

 

1- Introdução

2- Posições Doutrinais

3- Interpretação do princípio da separação e interdependência dos poderes

4- Dever jurídico semi-perfeito

5- Bibliografia

 

 

 



Introdução

 

Antes de aprofundarmos a discussão fundamental do tema, cabe fazer um enquadramento rápido sobre o princípio da boa administração. Este encontra-se expresso no Art 5º do Código de Procedimento Administrativo, tendo sido aditado pela reforma implementada pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 07 de janeiro. Está também positivado como princípio no artigo 81º/c da Constituição da República Portuguesa e no Artigo 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

A consagração da boa administração é selecionada, pelo preâmbulo do diploma que aprova o CPA como a primeira entre as “inovações significativas” em matéria de princípios, tendo o seu contorno normativo sido importado pela doutrina, jurisprudência nacional e direito comparado, especificamente do direito Alemão, Italiano, e da União Europeia.

 

Existe no próprio princípio um quadro de falta de unidade do princípio. Pois analisando o princípio da boa administração temos “os princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização”. Não só a letra do princípio que demonstra falta de unidade, ao contrário da unanima compreensão da juridicidade deste direito, mas a própria justicibilidade do princípio é muito discutida.

 

O ponto mais relevante em análise, apesar de não aparente de forma imediata, será a interpretação do princípio da separação e e interdependência dos poderes, que se encontra positivado no artigo 2º da CRP e reforçado pelo artigo 111º do mesmo diploma legal. Esta interpretação pela sua complexidade não pode ser exercida apenas com o elemento literal, mas será necessário socorrer-se do contexto histórico, da  doutrina diversa e por fim da jurisprudência. A dimensão e o alcance que retirarmos da interpretação do conceito levar-nos-á a uma resposta sobre a justicibilidade do princípio da boa administração.

 

 

 

 

 

Posições Doutrinais

 

Antes de contrapormos posições doutrinais, considero mais produtivo encontrar os pontos coincidentes entre as mesmas. Considera-se de forma unânime que à luz do Art 5º, aquando se fala do princípio da boa administração referimo-nos a um dever de boa administração que obriga a encontrar sempre a melhor solução para os interesses públicos e esse dever assume assim um dever jurídico (se é perfeito ou imperfeito discute-se infra). Tendo a característica da juridicidade.

 

Passando para as duas posições antagonicas sob o escopo de controle jurisdicional, ou seja, sobre a justiçabilidade do princípio. Que nos irá esclarecer se estamos perante um dever jurídico perfeito ou imperfeito.

 

Comecemos com a posição maioritária, defendida entre outros, pelo professor Freitas do Amaral. Esta defende que não há sanção jurídica, não havendo assim um dever jurídico “Perfeito”, mas sim “Imperfeito”[1], em contraposição, com outros princípios gerais. Defende-se tal posição devido a estar-se a invadir a esfera do mérito, visando a separação de poderes. A doutrina não se fica por este argumento e evoca mais dois. Um primeiro relaciona-se com a não capacidade deste princípio de constituir direitos subjetivos dos particulares. O segundo está intrinsecamente ligado com a segurança jurídica e a sua não frustração à luz da possibilidade de fiscalização dos atos da administração pública (doravante AP)[2].

 

Já a posição minoritária, defendida entre outros pelo professor Miguel Assis Raimundo[3], começa por defender, de forma oposta, que estamos perante uma clara injunção dirigida à administração. Injunção esta, que é vinculativa à luz do direito administrativo moderno e do princípio da legalidade limite, onde o que não for permitido considera-se proibido - Quae non sunt permissa prohibita intelliguntur (Art 136º, Art 47º…). Diz-nos também em resposta ao argumento levantado por parte da doutrina maioritária do mérito, que o critério jurídico-normativo existe, e é inequívoco, a doutrina não tem dúvidas acerca do seu sentido: trata-se de, para um dado objectivo, conseguir uma "repartição ponderada" dos meios, de modo a conseguir maximizar as vantagens. Simplesmente, o modo de aplicar esse critério jurídico é que precisa do contributo de outros saberes, o que é corriqueiro no direito administrativo. Em tom de conclusão argumentativa, refere-nos a doutrina que há uma diferença basilar entre um controle jurisdicional e uma substituição da administração. O primeiro é aceite, com as devidas cautelas, e o segundo é rejeitado na doutrina. Utilizando um paralelismo do Professor Reis Novais: “ O Tribunal Constitucional, para cumprir sua missão, têm de se meter na política, porque o objecto do controlo do Tribunal, que é a lei, é um resultado da actividade política e é desta inseparável; mas meter-se na política não é a mesma coisa que fazer política.”

 

Interpretação do princípio da separação e interdependência dos poderes

 

O princípio da separação de poderes idealizdo pelas luzes da revolução francesa, teve como  principais proponentes Locke e Montesquieu. Que na famosa tripartição (Excecutivo, Legislativo, Jurisdicional), queria-se que entre eles, houves se um controle e fiscalização, com o objetivo de evitar abusos de poderes. Como nos explica o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva[4], o autotitulado “Juíz doméstico” foi a primeira experiência parigmática de controle judicial, havendo uma realidade de aplicação do princípio de separação de poderes diferente da teorizada por os clássicos já referidos, levando a seprarção ao grau máximo, não havendo colabração com o controlo do Poder executivo e jurisdicional. Os chamados Checks and balances que hoje são utilizados em qualuquer sistema de governo, só começaram a ser batizados a partir de 1787, pela experiênicia constitutcional norte-americana.

 

O Sistema Português em contraste como o da França Revolucionária, opera a fiscalização da lei para o Tribunal judiciário. Havendo uma flexibilidade da regidez com que se interpreta o princípio da separação de poderes. Atualmente quando falamos em princípio da separação e interdependência dos poderes, e no poder jurisdicional, referimo-nos não a uma estrita observância de dispositivos legais, mas a uma juridicidade em sentido ampla, que por sua vez integra de forma sistêmica um conjunto de regras e princípios jurídicos, não só presentes no CPA e na legislação adminsitrativa esparsa, mas também com fonte na Constituição[5]. O Professor Vasco Pereira da Silva, no Art 3º do CPA, refere mesmo uma evolução do princípio da legalidade para o princípio da juridicidade (Direito Global, Direito Europeu, Direito Internacional, Direito Constituional). Tendo esta evolução em conta, compreendemos que de forma proporcional, o aumento do escopo do princípio leva a que o escopo da ação dos tribunais também seja ampliado.

 

Dever jurídico semi-perfeito

 

Mesmo com uma evolução jurisprodencial e doutrinal da interpretção do princípio da sepraçrão de poderes, não podemos afirmar que todo o ato administrativo é passível de uma fiscalização jurisdicional absoluta. Isso seria por em risco a subordinação das entidades administrativas ao poder jurisdicional e por sua vez o princípio da separação de poderes.

 

Compete-me agora tomar posição e fundamentar a mesma. Tendo uma visão muito certa e dura do princípio da separação de poderes, pergunto-me se estaremos ou não a entrar no chamado: “Teoria do núcleo essencial”[6]. Núcleo este que compete por um lado ao poder jurisdicional e ao poder administrativo do outro. Poderemos estar perante um problema do primeiro invadir o segundo? A regra geral do direito administrativo é que não há controle jurisdicional do mérito. Justifica-se a meu ver, pois dentro do mérito abstraído-nos tanto da lei que à luz do Art 203º da CRP, as instâncias judiciais deixam de ter competência, logo deixando de ter permissão de ação.

 

Olhando em específico para o mérito, quando o invoco não me refiro à ideia de justiça, pois esta já não faz parte do chamado mérito desde que foi positivada no Art 266º/2. Mas refiro-me sim à ideia de conveniência: “Adequação desse ato ao interesse público específico que justifica a sua prática ou à necessária harmonia entre tal interesse e os demais interesses públicos eventualmente afetados pelo ato”

 

A meu ver (não obstante a possibilidade de os juízes invocarem profissionais nas áreas que têm de julgar, tendo uma aproximação com os expertises nas áreas) um juiz não têm as características para decidir sobre atos tão específicos como a economicidade e eficiência. O Legislador, no ato de legislar, atribuiu esse direito, não de forma arbitrária, mas de forma dolosa à administração. Porque entende que o melhor para a prossecução do interesse público é alcançado pela prognose da administração. Não delegando essa tarefa ao poder jurisdicional nem o guardando para si (poder legislativo)

 

Citando  Engisch: “O autêntico “poder discricionário” é atribuído pelo direito e pela lei quando a decisão última sobre o justo (correto, conveniente, apropriado), no caso concreto, é deferida à concessão (em particular, à valoração) individual da personalidade chamada a decidir em concreto, e isto não apenas porque não é possível excluir um “resto” de insegurança, mesmo através de regras, por mais minuciosas que estas sejam, mas porque se considera ser melhor a solução aquela em que, dentro de determinados limites, alguém, olhando como pessoa consciente da sua responsabilidade, faça valer o seu próprio “ponto de vista”

 

Concluindo, considero que o princípio da boa administração é um dever jurídico semi-perfeito. Não devendo ser incomodado de forma constante ou habitual, mas apenas em casos excepcionais. Nos casos de erro manifesto, de manifestamente desacerto e de ostensivamente inadmissível. Considero mesmo assim ser necessário um constante olhar atento à ação do poder jurisdicional, para que este não se espalhe para o núcleo essencial dos outros poderes nem entre num ciclo de ativismo judicial que trará um distorcer do direito da vontade popular e da letra da lei.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

o AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo. 2ª reimpressão da 2ª ed. 2013 Coimbra: Almedina, 2013.


o SEGUNDO, Paulo de Olveira, O controle judicial do princípio da boa administração, Tese (Mestrado em Direito ciências jurídico-administrativas), Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2020.


o   REIS NOVAIS, Jorge. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático, Coimbra Editora, Coimbra, 2012


o   SILVA, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise : ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Coimbra, Almedina, 2009.


o   RAIMUNDO, Miguel Assis, Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular, AAFDL editora, Lisboa, 2018


o SILVA, Sara Vanessa Carvalho da, Proprocionalidade e discricionariedade instrutória, Tese (Mestrado em direito administrativo), Faculdade de Direito



Notas Rodapé

[1] AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo. 2a reimpressão da 2a ed. 2013 Coimbra: Almedina, 2013.

[2] O dever jurídico imperfeito inviabiliza questionamentos referentes ao cumprimento do conteúdo do princípio da boa administração, como afirma João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo p. 88. Também inviável seria a obtenção de uma declaração no tribunal de que a solução entregue não é a mais eficiente conforme elementos técnicos, uma vez que os
tribunais apenas se pronunciariam sobre a legalidade das decisões administrativas e não sobre o seu mérito, como aponta Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, pp. 36-37.
 
[3] RAIMUNDO, Miguel Assis, Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular, AAFDL editora, Lisboa, 2018

[4] SILVA, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise : ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, Coimbra, Almedina, 2009 – Páginas 9 a 25
 
[5] SEGUNDO, Paulo de Olveira, O controle judicial do princípio da boa administração, Tese (Mestrado em Direito ciências jurídico-administrativas), Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2020

[6] Teoria defendida pelo Professor Carlos Blanco de Morais
 

 

 


 



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