VAMOS DAR UM RISCO
A expressão “vamos dar um risco” é usada em linguagem popular
urbana para identificar o consumo de cocaína na forma de pó, inalada,
“snifada”.
Um pouco ao jeito de duetos improváveis, vou tentar com este
pequeno trabalho fazer uma relação entre o consumo de estupefacientes,
nomeadamente cocaína, e as matérias de Direito Administrativo II,
principalmente o Regulamento Administrativo.
Na primeira abordagem, a legislação criada pelo tradicional
processo legislativo, tem nos regulamentos administrativos várias funções, das
quais destaco a função de execução, com matérias necessárias
para a plena execução da lei, bem como uma função de complementaridade, com o
regulamento a visar aspetos que a lei não regulou diretamente.
Começo por recorrer ao artigo 135.º do Código de Procedimento
Administrativo (CPA) que define Regulamentos como “As normas jurídicas gerais e
abstratas que, no exercício de poderes administrativos, visem produzir efeitos
jurídicos externos”.
Na sequência de análise, o artigo 136.º do CPA, no seu nº 1
determina que “A emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante.”
Podemos assim verificar que a validade dos regulamentos
depende do seu respeito por um “bloco de legalidade” composto pela
Constituição, normas de Direito Internacional Público e Europeu, a lei
ordinária, os princípios gerais de Direito Administrativo e os regulamentos de
hierarquia superior (art.º 143.º do CPA).
Vamos então fazer uma relação entre um bloco de legalidade,
uma lei habilitante, o surgimento de um Regulamento administrativo, e
transportar essa tramitação para o nosso tema, consumo de estupefacientes.
Quando falamos de estupefacientes e legislação aplicável, é
incontornável a referência ao Decreto-Lei nº 15/93 de
22 de janeiro, vulgarmente designado por “Lei da Droga”.
Essa
legislação foi parcialmente revogada com a Lei n.º 55/2023 de 8 de setembro que
clarifica o regime sancionatório relativo à detenção de droga para consumo independentemente
da quantidade, alterando também a Lei nº 30/2000 de 29 de novembro (vulgarmente
designada por lei de consumo).
Na
sequência da denominada Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, foi
reconhecida a importância de se desenvolverem programas e medidas que contribuam
para a redução de riscos e a minimização de danos do consumo de drogas.
Assim surgiu
o Decreto-Lei
n.º 183/2001, de 21 de Junho, que seguindo a orientação política e social do
momento, criou um bloco de legalidade com uma vertente mais humanista para
todos os dependentes de estupefacientes, que desde logo estabelece;
Artigo
1.º
Âmbito
O presente diploma tem
como objetivo a criação de programas e de estruturas sócio sanitárias
destinadas à sensibilização e ao encaminhamento para tratamento de
toxicodependentes bem como à prevenção e redução de atitudes ou comportamentos
de risco acrescido e minimização de danos individuais e sociais provocados pela
toxicodependência.
(…)
Artigo 58.º
Objetivos
As equipas
de rua destinam-se a promover a redução de riscos, intervindo no espaço público
onde o consumo de drogas seja vivido como um problema social.
(…)
Artigo
60.º
Funcionamento
Para a prossecução do objetivo previsto no número
anterior, as equipas de rua podem:
a) Divulgar utensílios e programas de redução de
riscos;
b) Fornecer informação no âmbito das dependências;
c) Interagir com os consumidores face a situações de
risco;
d) Promover o encaminhamento adequado das pessoas em
situação de risco;
e) Intervir nos primeiros socorros face a situações de
emergência ou de negligência;
f) Substituir seringas, de acordo com a lei.
(…)
Artigo
73.º
Condições de financiamento
As condições de
financiamento de estruturas e programas necessários para o cumprimento do n.º 1
do artigo 2.º serão objeto de diploma próprio.
A
referência a estes artigos do diploma legal tem o claro propósito de fazer aqui
a transição entre a existência do referido “Bloco de legalidade” e a
necessidade / obrigação de regulamentar algumas matérias, seja para
complementar a lei, seja para a tornar de aplicação possível.
Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de janeiro,
vulgarmente designado por “Lei da Droga”.
Lei
n.º 55/2023 de 8 de setembro que clarifica o regime sancionatório relativo à
detenção de droga para consumo independentemente da quantidade.
Lei
nº 30/2000 de 29 de novembro (vulgarmente designada por lei de consumo).
Decreto-Lei
n.º 183/2001, de 21 de Junho, que visa apoiar, através de trabalho nas ruas, os
dependentes de estupefacientes.
Este
último Decreto-Lei assume aqui a forma de lei
habilitante, como podem constatar na parte final do artigo 73º refere a
criação de “…diploma próprio.” no que diz respeito ao financiamento das
“equipas de rua”.
O
artigo 136º nº 2 do CPA refere claramente que o Regulamento deve indicar
expressamente as leis que pretende regulamentar, como podemos constatar já de
seguida com a transcrição do teor do regulamento criado.
REGULAMENTO
DO FINANCIAMENTO DAS EQUIPAS DE RUA
Ao
abrigo do disposto no artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de Junho,
manda o Governo, pelo Secretário de
Estado da Presidência do Conselho de Ministros, o seguinte:
É aprovado o Regulamento do Financiamento das Equipas de
Rua, que se publica em anexo à presente portaria e que dela faz parte
integrante.
O Secretário de Estado da
Presidência do Conselho de Ministros, Vitalino José Ferreira Prova Canas, em 21
de Agosto de 2001
I
Disposições gerais
Artigo
1.º
Objeto
O presente Regulamento estabelece
as condições e o procedimento de financiamento público das entidades promotoras
da criação e gestão das equipas de rua, previstas nos artigos 58.º e seguintes
do Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de Junho.
Artigo
2.º
Condições
de acesso
1 — O financiamento
previsto no presente Regulamento destina-se a entidades privadas sem fins
lucrativos, cujas finalidades estatutárias incluam a promoção da saúde.
2 — As entidades
referidas no número anterior devem preencher as seguintes condições: a) Terem a
sua situação contributiva regularizada perante o fisco e a segurança social;
b) Comprometerem-se a
manter uma contabilidade adequada às análises requeridas para o acompanhamento
do projeto;
c) Terem assegurado o
financiamento do projeto na parte que cabe à entidade promotora; d)
Comprometerem-se a assegurar um horário de prestação de serviços adequado às
necessidades da população servida; e) Possuírem capacidade para iniciar a
execução do projeto no prazo de 60 dias contados da aprovação do financiamento.
(…)
“___________”
Neste
caso muito concreto da análise de financiamento das equipas de rua no apoio aos
toxicodependentes, partimos do bloco de legalidade, da lei habilitante e
podemos também referir a competência do órgão, neste caso Secretário de Estado
da Presidência, mas termino com uma análise sucinta do procedimento
regulamentar, ao caso concreto;
A
iniciativa de criação do regulamento surgiu de imperativo legal, pelo que, para
a possibilidade de financiamento e consequente atuação das equipas de rua,
teria que haver esse formalismo administrativo. Poderá ter sido fruto do
trabalho de gabinetes técnico-jurídicos de assessoria ministerial, mas sempre
sob determinação do órgão administrativo competente.
A
preparação do regulamento surge em espaço de um trabalho muito específico, onde
são ouvidas entidades com experiência na área a regulamentar, solicitados
pareceres e ouvidas as entidades e serviços públicos encarregues da sua
aplicação e fiscalização. Neste caso entidades administrativas ou sociais tão
diversas como da área da Saúde, Segurança Pública, Ensino ou outras.
A
participação dos interessados é facultativa em alguns casos, como este em
apreço, mas obrigatória quando a adoção de certos regulamentos seja
desfavorável para os destinatários. Aqui poderiam ser ouvidas as equipas de
rua, para explanar as suas dificuldades no terreno, necessidades técnicas e
económicas.
Por
fim a fase de conclusão em que o regulamento é publicado em Diário da
República, conforme art.º 139 e art.º140 do Código de Procedimento
Administrativo.
Sejamos
discricionários nos prazeres da vida. Sejamos vinculativos na recusa em “correr
riscos “.
JORGE
MANUEL CERDEIRA COSTA
ALUNO
67617
2º
Ano - Turma B – 15
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