O Poder administrativo e as suas manifestações
1. – Apresentação do tema
Ao longo da nossa vida são vários os momentos do nosso dia-a-dia onde ouvimos falar da “Administração Pública”, como por exemplo através da visualização das notícias pela televisão, após a leitura do jornal ou até mesmo em conversas de café, porém, e se me permitem a sinceridade, após o inicio deste ano letivo rapidamente percebi que a Administração é muito mais densa e complexa do que aquela expressão tantas vezes utilizada pelas pessoas, de forma abstrata.
Conseguimos então analisar vários temas essenciais relacionados com a Administração Pública que nos permitem ter uma ideia mais aprofundada quanto á sua organização e competências, porém há um conceito que aparece enumeras vezes associado á Administração, especialmente durante o estudo de
Direito Administrativo II, sendo esse o de poder administrativo.
Assim sendo, ao longo deste trabalho irei fazer uma caracterização do poder administrativo e identificar as várias manifestações possíveis do mesmo, sendo que segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral[1], existem atualmente 5 formas:
· O poder regulamentar;
· O poder de decisão unilateral;
· O poder de execução coerciva;
· O conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos;
· O conjunto de poderes especiais das autoridades de polícia
Estas manifestações do poder administrativo serão também alvo de uma analise mais aprofundada e completa, de maneira a explicar o conceito e conteúdo de cada uma delas.
2. – O que é o poder administrativo?
Como disse anteriormente a Administração Pública pode ser muito complexa, visto que está associada a inúmeros conceitos, a uma organização desenvolvida e interligada ou até mesmo a um conjunto de competências, porém há um termo que acaba por se destacar sendo esse o de poder administrativo.
Rapidamente e de forma muito abstrata conseguimos pensar em várias características relacionadas com a expressão poder administrativo, mas o que é que o mesmo realmente significa e representa?
Inicialmente é importante ter uma breve noção sobre a definição de poder administrativo, que segundo o professor Diogo Freitas do Amaral pode ser considerado como um poder público, ao afirmar que“É um poder público, faz parte daquilo a que se costuma chamar poderes públicos”[2]. Em seguida e através da continuação do pensamento do professor, é relevante fazer uma observação entre poder administrativo e executivo, que segundo o autor não são o mesmo tipo de poder nem se deve englobar o poder administrativo no poder executivo, uma vez que só faria sentido falar apenas em poder executivo se só existisse Administração Pública estadual, ou seja, do estado, e como sabemos existem vários tipos de Administrações Públicas como as autarquias locais ou as regiões autónomas. Assim faz mais sentido falar em poder administrativo, que de um lado tem o poder executivo do estado e do outro o poder público das entidades administrativas não estaduais.
Outro ponto essencial que nos ajuda a entender um pouco melhor o poder administrativo é nos apresentado por vários autores como o professor Marcello Caetano. Segundo o mesmo para além da administração pública em sentido orgânico e em sentido material, há também em sentido formal, que basicamente caracteriza a Administração Pública como uma manifestação de autoridade e uma afirmação de poder, uma vez que para o professor “A Administração é um verdadeiro poder, porque define de acordo com a lei, a sua própria conduta e dispõe dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha relação”, visão também partilhada pelo professor Freitas do Amaral.
Por fim, falta então explicar no que consiste o poder administrativo. Podemos então caracterizar o poder administrativo como um dos poderes públicos que tem como objetivo o cumprimento e a realização das tarefas essenciais para a comunidade. Uma definição que na minha opinião nos ajuda a entender de forma clara o que é o poder administrativo, é-nos apresentada pelo professor Freitas do Amaral, que segundo o mesmo, define o poder administrativo “como o sistema de órgãos do Estado e das entidades públicas menores que se carateriza pela faculdade de, com base nas leis e sob controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões, em termos obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-lhe confiado o monopólio do uso legítimo da força pública (militar ou policial), a fim de assegurar a execução coerciva quer das suas próprias normas e decisões, quer das normas e decisões dos outros poderes do Estado (leis e sentenças)”[3].
Agora que já entendemos o que é o poder administrativo, passemos então á analise individual de cada um dos tipos de manifestações do mesmo.
3. – Manifestações do poder administrativo
3.1 – Poder regulamentar
Poder regulamentar, ou para alguns autores faculdade regulamentária consiste tal como o nome indica na capacidade de fazer regulamentos. Podemos encontrar vários artigos na nossa Constituição da República Portuguesa onde o processo da criação de regulamentos se encontra estabelecido, tal como o artigo 199º/c), que estabelece como competência administrativa a realização de regulamentos necessários à boa execução das leis, ou o artigo 227º/1 d), que atribui ás regiões autónomas o poder de regulamentar a legislação regional e as leis emanadas dos órgãos de soberania que não tenham reserva sobre o poder regulamentar, ou ainda o artigo 241º onde fica estipulado que as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da constituição, leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou autoridades com poder tutelar.
Assim e de acordo com o Professor Freitas do Amaral[4] os regulamentos que sejam elaborados pela a Administração são considerados como uma fonte de direito autónoma, abaixo da lei, na hierarquia das fontes de direito.
Este poder acaba por ser extremamente útil, especialmente na interpretação das leis, uma vez que que permite á Administração definir em que sentido vai interpretar e aplicar as leis em vigor. Relativamente a esta questão, o Professor Vasco Pereira da Silva carateriza o regulamento “como a decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e/ou abstractas”[5].
3.2 — Poder de decisão unilateral
O poder de decisão unilateral, ou para alguns autores autotutela declarativa, é um dos poderes da Administração Pública e permite á mesma decidir casos individuais e concretos, ou seja, é o poder de definir o direito que deve ser aplicado com o objetivo de resolver o problema que enfrenta.
É um poder unilateral, uma vez que é exercido por exclusiva autoridade da Administração Pública, sem necessidade de obter acordo do interessado, ou de pedir uma autorização judicial, ou seja, a Administração, por lei, tem competência para decidir e exercer o direito que deve ser aplicado sem ter de recorrer ao tribunal, sendo que a decisão final é obrigatória e deve ser respeitada pelos particulares, como por exemplo no caso dos impostos, onde a Administração acaba por definir o montante a ser cobrado, de acordo com a lei fiscal, sem qualquer tipo de discussão ou debate com os particulares.
Inicialmente, este poder pode ser visto como algo um pouco injusto, porém tem uma boa razão de ser que justifica a sua existência, uma vez que o mesmo tem o objetivo de facilitar a concretização do interesse coletivo, sendo este um dos princípios que a Administração Pública deve respeitar e que se encontra estipulado no artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 4º do Código do Procedimento Administrativo.
Como seria extremamente difícil chegar a um acordo entre todas as partes relativamente a assuntos como os impostos, licenças de atividades privadas ou até mesmo sanções, surge então a decisão da Administração, que declara o direito aplicável no caso concreto e que terá valor jurídico e obrigatório.
Os Particulares devem obediência aos atos administrativos, porém, podem ser ouvidos antes da decisão final da administração, segundo o artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Podem também apresentar reclamações ou recursos hierárquicos contras as decisões tomadas, através do artigo 184º do CPA, sendo que as mesmas serão analisadas pela própria administração, ou então podem impugnar as decisões perante os tribunais administrativos, que anulam ou declaram nulidade se as mesmas forem ilegais e lesarem posições jurídicas.
Assim conseguimos perceber a importância deste poder para a Administração Pública, bem como a sua influência na nossa sociedade, uma vez que muitas das decisões acabam por interferir em situações do nosso quotidiano.
3.3 — Poder de execução coerciva
O poder de execução coerciva é outro dos poderes da Administração Pública e acaba por estar extremamente relacionado com o poder que identificámos anteriormente, ou seja, o poder de decisão unilateral, uma vez que permite á Administração impor coativamente aos particulares os deveres ou encargos estabelecidos pelas decisões unilaterais nos casos em que não sejam voluntariamente cumpridos.
O Professor Marcello Caetano definiu como nome original o conceito de privilégio da execução prévia, porém alguns autores acabaram por criticar esta expressão, sendo um deles o Professor Freitas do Amaral, que segundo o mesmo[6] não é um privilégio, visto ser comum a quase todas as entidades públicas, e porque para além da execução, também a tomada de decisão unilateral da administração pode ser feita sem recurso aos tribunais, logo, na sua opinião, a melhor definição é mesmo a de poder de execução prévia.
Conseguimos encontrar este poder ao abrigo do artigo 176º/1 do CPA, onde está também estabelecido que a Administração pode impor coercivamente os seus atos, apenas nos casos e segundo as formas e termos das leis, ou em situações de urgente necessidade pública, devidamente fundamentadas.
Portanto, primeiramente a Administração Pública decide unilateralmente sendo que o particular deve obedecer ao estipulado, se não cumprir, a Administração pode, segundo o artigo 176º/1 do CPA, executar coativamente a sua decisão, desde que respeite os termos do CPA e das leis.
O particular tem ainda direito a recorrer aos tribunais para impugnar a decisão, porém, normalmente este processo não tem efeito suspensivo, logo enquanto o mesmo decorre, o particular tem de cumprir o ato.
Assim e segundo o Professor Freitas do Amaral, estamos perante a plenitudo potestatis[7], onde a Administração exerce dois poderes especiais, um declarativo e outro executivo que surgem com o objetivo de garantir a segurança nacional, a ordem pública, ou em situações de urgência.
3.4 — O conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos
O conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos surge como uma alternativa ao poder de decisão unilateral da Administração Pública, uma vez que em certas ocasiões não é mais correto agir unilateralmente, logo, de forma a garantir que determinados comportamentos sejam cumpridos, a Administração pode recorrer á realização de contratos administrativos.
Ao abrigo do artigo 200º/3 do CPA, está definido que a Administração Pública, na prossecução das suas atribuições ou fins, tem competência para a celebração de contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.
Nestes contratos, a Administração usufrui de direitos e poderes, como por exemplo o facto de conseguir rescindir o contrato em prol do interesse público, porém também fica com deveres especiais, como ter de recorrer a um procedimento administrativo para escolher o cocontratante.
Apesar de na maioria dos casos a Administração agir através de atos unilaterais e de declarar a sua decisão, atualmente há cada vez mais casos em que a mesma opta por recorrer á realização de contratos administrativos.
3.5 — O conjunto dos poderes especiais das autoridades de polícia
Sabemos que no nosso país uma das mais importantes bases de segurança e organização social são as autoridades policiais, tais como a Polícia Judiciária, a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entre outras.
Ao analisar a Constituição da República Portuguesa (CRP), conseguimos encontrar as várias funções das forças policiais, como por exemplo o artigo 272º, onde está estabelecido que devem defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, devem também proceder á investigação criminal de forma a encontrar os culpados que serão, segundo o artigo 219/1 da CRP acusados pelo Ministério Público, e por último devem manter a ordem pública.
Para além das funções, as forças policiais usufruem de vários poderes, tais como a possibilidade de realizarem regulamentos policiais, praticar e executar atos administrativos policiais, podem aplicar sanções administrativas, tem poderes de vigilância geral (ordem pública) e de especial (por exemplo indivíduos com antecedentes criminais perigosos), e por fim os poderes de ação direta (uso da força pública para prevenir ou cessar um crime ou conduta perigosa).
As ações policias podem ser fáceis e de rápida resolução ou então complexas e exigentes, onde muitas das vezes os agentes não têm muito tempo para pensar e acabam por ter de agir de forma instantânea, porém sempre de acordo com as normas e princípios jurídicos de forma a atuar dentro das legalidades.
4. — Conclusão
Após a realização deste trabalho, conseguimos entender um pouco melhor cada uma das cinco manifestações do poder administrativo, bem como as suas características e enquadramento legal.
De certa forma, permite-nos perceber e analisar a relação que cada uma tem entre si, como por exemplo, quando se fala no poder de decisão unilateral e poder de execução coerciva, uma vez existe uma ligação entre ambas as manifestações.
Por outro lado, estabelecem também uma relação entre a Administração Pública e os particulares, visto que os atos realizados pela Administração acabam por ter influência na sociedade e consequentemente podem surgir várias reações, quer sejam positivas, ou negativas, sendo que se alguém não concordar com a decisão tomada, tem sempre a possibilidade de impugnar a mesma.
Por fim, é importante destacar que todas as manifestações de poder administrativo devem ser exercidas segundo as formas e termos das leis e com respeito aos princípios administrativos, principalmente o princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos que orienta a função principal que deve ser prosseguida pela Administração Pública.
5. — Bibliografia
Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018
Silva, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Reimpressão, Almedina, 2023
Tiago Rita nº66468
Subturma 15, Turma B
[1] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição: Almedina, 2018,
P.18 e ss
[2] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018,
P.16
[3] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018,
P.17
[4] Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018,
P.18
[5] Silva, Vasco Pereira da Silva. Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Reimpressão, 2023, Almedina , P.189
[6]Amaral, Diogo Freitas do, Cursos de Direito Administrativo volume II, 4ª edição, Almedina, 2018,
P.21
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