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terça-feira, 30 de abril de 2024

O Regulamento Administrativo

 

O Regulamento Administrativo

Os regulamentos administrativos são as respetivas normas jurídicas provenientes no exercício do poder administrativo. Tanto podem ser emanadas por um órgão da Administração ou, até mesmo, por uma entidade pública ou privada, desde que esteja para tal habilitada por lei.

Na perspetiva do SR. Professor Vieira de Andrade, os regulamentos administrativos compõem “o nível inferior do ordenamento jurídico administrativo” [1]. Nos mais altos níveis estão ocupados pelas normas e por princípios de direito internacional e de direito da União Europeia, pela lei ordinária e ainda, pelas normas e princípios constitucionais. Com isto, admite-se dizer que os regulamentos são uma fonte secundária do Direito Administrativo.

No entanto, os regulamentos são indispensáveis para o funcionamento do Estado moderno, já que constituem, digamos como que, um produto da atividade da Administração. Desde já, permitem ao Parlamento dispensar tarefas consideradas por vezes incómodas ou das quais se sente pouco munido, ou até mesmo por razões materiais e por razões de tempo.  

Também porque facilitam uma adaptação célere do tecido normativo a várias situações específicas do quotidiano, que devido a muitas razões, a maior parte delas técnicas, sofrem, nos dias de hoje, bastantes mutações. Além disso, porque relativo aos regulamentos das entidades administrativas independentes ou até mesmo dos entes autónomos, possibilitam o enquadramento normativo da respetiva atividade.

Para se perceber melhor a noção de regulamento há que ter em atenção três elementos fundamentais: (i) elemento de natureza material; (ii) elemento de natureza orgânico-formal; e, (iii) elemento de natureza funcional.

(i)              O regulamento administrativo, quando abordado de um ponto de vista material, vai consistir em normas jurídicas. Ou seja, as características de abstração e generalidade vão surgir, porque são elementos que definem aquilo que é a norma jurídica. Um comando regulamentar vai ser aplicado a uma pluralidade de sujeitos, definidos através de conceitos gerais (generalidade). Ou um comando regulamentar ser aplicado a situações definidas pelos elementos típicos constantes da previsão normativa, ou seja, também por conceitos universais (abstração).

O regulamento quando se constitui como um elemento abstrato, ele não se vai esgotar numa aplicação. Isto significa que vai ser sempre aplicado a situações concretas, sempre que se verificarem as situações típicas que nele se encontram previstas. Já com o ato administrativo, as coisas são diferentes.

O ato administrativo, quando aplicado é, na maior parte das vezes, somente a um destinatário (um indivíduo, uma pessoa coletiva, uma empresa). E somente para se solucionar uma questão em concreto, já que vai acabar por absorver nela todos os seus efeitos jurídicos.

Quando, por exemplo, a Administração concede ou não, um requerimento de um estudante, com o objetivo de adquirir uma bolsa de estudo, vai estar a decidir um caso concreto que tem haver com aquele destinatário. Por outro lado, quando a Administração tem estabelecidas, por regulamento, as condições para que se possam atribuir bolsas (como só se atribuir a alunos economicamente menos favorecidos), vão ser ignoradas todas as outras pessoas que não se enquadram nas condições estabelecidas. Nestes casos, o comando já é de natureza geral e abstrata.

O regulamento é uma norma jurídica. É como se tratasse de uma própria regra de direito que pode ser imposta mediante a ameaça de coação e, sua violação acarreta a aplicação de sanções.

No Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA) são referidas várias expressões como “diretiva”, “instruções”, “recomendação” como sendo regulamentos, mas que o CPA os distingue de “comunicações dos órgãos da Administração Pública que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade”. No entanto, por questões mais práticas, o legislador, apesar de não lhes conferir uma natureza regulamentar, refere que tais comunicações “carecem de lei habilitante”, para que possam ser emitidas (art. 136º, nº 4 do CPA).

 

(ii)            De uma perspetiva orgânico-formal, o regulamento é sugerido por um órgão de uma pessoa coletiva pública que integra a Administração Pública. No entanto, existem outras entidades aptas a exercerem poderes regulamentares já que, como se sabe, o poder regulamentar é um poder característico da função administrativa. Esta função é exercida, na maior parte das vezes, por pessoas coletivas não integrantes da Administração como, por exemplo, o Parlamento, ou até mesmo por entidades de direito privado. Para isto e, de acordo com o artigo 136º, nº 1 do CPA, tem de haver uma lei habilitante. 

Ora estes órgãos de pessoas coletivas públicas que integram a Administração Pública, exercem tarefas materialmente administrativas, logo precisam de elaborar regulamentos. Assim como certos serviços, obras ou bens públicos quando concedidos a pessoas coletivas privadas, a lei vai sujeitar os utentes desses serviços às normas regulamentares por eles fixadas.

Isto para dizer que todos os regulamentos que se aprovem, vão estar subordinados ao regime de regulamentos (externos) presente nos artigos 135º e seguintes do CPA[2].

 

(iii)          Relativo ao último elemento, ao funcional, o regulamento é emanado no exercício do poder administrativo. Esta situação aplica-se com maior relevância em casos, em que o órgão em causa não é somente órgão da Administração[3].

Ainda se deve ter em conta, que como se trata do exercício do poder administrativo, a atividade regulamentar é uma atividade secundária (subordinada à atividade legislativa, que depende apenas da Constituição[4]).

Assim sendo, o regulamento administrativo, enquanto norma secundária, encontra tanto na Constituição como na lei, o seu próprio fundamento e parâmetro de validade. Após isto ser referido, sabemos, através de Direito Constitucional, que se o regulamento contraria a lei, é ilegal, se viola qualquer preceito estabelecido com a Constituição, é inconstitucional[5].

 

Espécies

Quando abordadas as espécies existentes de regulamentos administrativos, falamos essencialmente em quatro critérios: (i) um que considera a sua relação com a lei; (ii) outro que atenda ao seu objeto; (iii) um terceiro que tenha em conta o âmbito da sua aplicação; e por fim, (iv) um que aborde a projeção da sua eficácia.

(i)              Da relação existente entre regulamentos regulamentares e a lei, surgem de imediato, duas espécies: os regulamentos complementares ou de execução, e os regulamentos independentes ou autónomos. Os primeiros vão aprofundar/ desenvolver a disciplina jurídica que consta de uma determinada lei, no que culminará, numa maior complementação para que se consiga aplicar aos casos concretos.

De novo o exemplo das bolsas acima referido. A lei define que os alunos que sofram de carência económica poderão beneficiar de bolsas de estudo, em termos que a Universidade, por via de regulamento, venha a estabelecer. Escusado dizer que esta norma vai ser aplicada a casos concretos da vida real, depois de ser elaborado um regulamento complementar.

Por sua vez, este regulamento complementar vai servir para que se estabeleçam, neste caso, os montantes das bolsas a serem atribuídas, os documentos necessários a anexar no pedido de bolsa, … Ou seja, estes regulamentos são o desenvolvimento da previsão legislativa, que vai tornar possível a aplicação do comando primário às situações do quotidiano.

Ainda podem ser espontâneos [a lei nada diz quanto à sua complementarização, mas à Administração é lhe facultado, quando esta achar adequado, a edição do mesmo] ou devidos [para que se atribuía uma certa exequibilidade à lei é necessária, numa primeira parte, adotar o regulamento, no que culmina, que a  tarefa de se desenvolver a previsão do comando legislativo, pertença à própria Administração (art. 137º, nº1 do CPA)].

Por outro lado, os regulamentos independentes ou autónomos são elaborados pelos órgãos administrativos dentro da sua competência, para garantir a realização das suas atribuições específicas. Não completam ou desenvolvem a lei[6]. Eles estabelecem de forma autónoma, a disciplina jurídica que há de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador às entidades consideradas. É como se servisse para que a lei distinguisse entidades públicas, confiando na sua capacidade de autodeterminação[7].

 

(ii)            Atendendo ao seu objeto, vêm de imediato à tona os regulamentos de organização, os regulamentos de funcionamento e os regulamentos de polícia.

Os regulamentos de organização, tal como o nome indica, vão proceder à distribuição das funções pelos variados departamentos de uma pessoa coletiva pública, assim como, da repartição de tarefas pelos seus funcionários. Organizam a “máquina administrativa”.

Aqueles que mantêm a ordem ou disciplinam o quotidiano dos serviços públicos denominam-se de regulamentos de funcionamento e, os que fixam as regras são os regulamentos procedimentais.

 Já os regulamentos de polícia vão impor limitações à liberdade individual, com o objetivo de que não haja danos sociais, provocados por condutas perigosas por parte dos indivíduos como, por exemplo, os regulamentos de trânsito[8].

Pode-se ainda fazer a distinção entre as posturas e os regulamentos policiais que são ambos regulamentos locais, de polícia, mas o primeiro, independentes ou autónomos, e o segundo, complementares ou de execução.

 

(iii)          No que toca ao âmbito da sua aplicação, temos de fazer a distinção entre regulamentos gerais, locais e institucionais. Os gerais aplicam-se/vigoram em todo o território continental. Os locais vão ter o seu domínio de aplicação limitado, como, por exemplo os regulamentos regionais (só se aplicam nas regiões autónomas) e os regulamentos autárquicos (somente aplicados no âmbito das autarquias locais). Por último, os institucionais provêm de institutos públicos ou associações públicas e, só são aplicados às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição.

 

Os regulamentos internos

Respeitante à projeção da sua eficácia, os regulamentos dividem-se em internos e externos. São regulamentos internos aqueles que produzem os seus efeitos jurídicos somente no interior da esfera jurídica da entidade de que emanam. Estes não são tidos em conta na definição legal do artigo 135º do CPA ao contrário dos regulamentos externos.

Os externos produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direito diferentes (como pessoas coletivas públicas ou particulares). Tendo em conta a explicação dada acima, um exemplo: há regulamentos de organização que são internos, mas todos os regulamentos de polícia são externos.

Devido à distinção que é feita entre regulamentos internos e externos nascem dois problemas. O primeiro é devido ao facto de os regulamentos institucionais disciplinarem o comportamento dos utentes de um serviço público, ou seja, relações entre particulares e a pessoa coletiva pública.  

Estes particulares ao serem utentes de um dado serviço público vão estar submetidos a uma peculiar forma de subordinação à Administração Pública, no que vai culminar em relações especiais de poder. Assim, vão ser permitidos que determinados direitos dos particulares possam ser objeto de limitações mais densas do que aqueles que vigoram para todos os outros cidadãos, como por exemplo, dos presos em relação às prisões, ou dos doentes em relação aos hospitais.

Face a isto há quem concorde que são regulamentos internos por serem direcionados somente a grupo de pessoas em especial, que aceitaram, através de um ato de admissão, estarem submetidas a uma certa jurisdição própria. Todavia, outros defendem que são regulamentos externos, porque não projetam a sua eficácia somente na esfera jurídica de uma pessoa coletiva pública. Ou seja, produzem efeitos jurídicos em pessoas que são sujeitos de direitos distintos da pessoa coletiva pública em causa.

Os presos e os doentes são particulares que usam os serviços, não são elementos da Administração. Ao serem regulamentos externos podem e devem ser impugnados contenciosamente se forem ilegais ou se violarem, de forma inconstitucional, direitos subjetivos.

Abordando agora o segundo problema que consiste em se saber se são regulamentos externos ou internos, aqueles cuja a Administração produz para se disciplinar a atuação dos seus próprios funcionários públicos.

Segundo o Sr. Professor Freitas do Amaral, aqueles regulamentos que são direcionados aos funcionários, com o objetivo de disciplinar somente a organização ou o funcionamento do serviço são considerados internos. Porém, se os regulamentos forem aplicados aos funcionários na qualidade de cidadãos, parte de uma relação jurídica de emprego com a Administração, com o grande objetivo de se disciplinar essa relação, então serão regulamentos externos.

 

Distinção entre regulamento e lei  

É importante explicar antes, de que temos de ter consciência do relativismo da delimitação entre lei e o regulamento. O limite não é definido por postulados técnicos-jurídicos de valor absoluto, mas sim de cada momento histórico e do tipo de organização político-administrativa de cada Estado[9].  A Constituição não remete para nenhum critério de definição entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar. Ao Governo são atribuídas competências de caráter legislativo e regulamentar [arts. 198º, nº1, alínea a), e art. 199º, alínea c) da CRP].

Numa perspetiva de aspetos formais e orgânicos consegue-se estabelecer a diferença entre lei e regulamento. No direito positivo vigente, diz-se que é lei todo o ato normativo desde que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei. Um regulamento é todo o ato normativo manado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, mesmo que seja independente/autónomo ou até mesmo inovador.

A distinção entre lei e regulamento tem uma utilidade prática baseada em três pontos: o de fundamento jurídico [a lei é baseada na Constituição; o regulamento só é válido se a lei de habilitação atribuir competência para a sua emissão (art. 112º, nº 7 da CRP)]; o de ilegalidade [lei contrária a outra lei revoga-a ou senão coexistem, mas com domínios de aplicação diferentes; o regulamento contrário à lei é ilegal]; e, por fim, o da impugnação [a lei, no geral, só é impugnada com fundamento em inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional; o regulamento ilegal é impugnável administrativa e contenciosamente, com a fundamentação da própria ilegalidade, ou devido à violação de um outro regulamento que devia ter sido respeitado; mas há a exceção de que se possa impugnar diretamente perante o Tribunal Constitucional].

 

Distinção entre regulamento e ato administrativo

Para se fazer, de uma forma simples, a distinção entre regulamento e ato administrativo reconduz-se à distinção entre norma jurídica e ato jurídico. O regulamento, como norma jurídica, é uma regra geral (sem individualização de pessoas) e abstrata (define a que situações do quotidiano se aplica por meio de conceitos/categorias).

E o ato administrativo, como ato jurídico, é uma decisão individual (remete-se para algumas pessoas em específico) e concreta (regula uma certa situação bem caracterizada). São ambos comandos jurídicos unilaterais emanados por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade.  

Contudo, a distinção feita, torna-se de difícil aplicação: devido a um (i) comando relativo a um órgão singular [é norma se coincidir com as caraterísticas da categoria abstrata e não da pessoa concreta titular do cargo; é ato no caso contrário]; em razão de um (ii) comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou determináveis [é norma sempre que faça uso de categorias abstratas, como “funcionários”…; é ato se identificar os indivíduos]; e, por último, em virtude de um (iii) comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicação imediata numa única situação concreta [é considerado para a maioria como um ato administrativo, mas para o Sr. Professor Freitas do Amaral é uma norma devido à generalidade [o que não há é “vigência excessiva”, algo que não é essencial ao conceito de norma jurídica].

A distinção feita vai ter importância e vai-se manifestar sobretudo na: (i) interpretação e integração [o regulamento é interpretado e, por sua vez, as lacunas são integradas de acordo com as regras de interpretação e integração das normas jurídicas; para o ato administrativo já há  regras próprias de interpretação e integração), (ii) vícios e formas de invalidade [para o regulamento são as leis; para o ato administrativo é o do negócio jurídico) e, para finalizar, a (iii) impugnação contenciosa [para além da diferença que é a dos regulamentos poderem ser considerados ilegais  em quaisquer tribunais, e o ato administrativo ter de ser em tribunais administrativos ou pelos órgãos competentes, há também diferenças relativas à impugnação, quanto à legitimidade, aos prazos, às regras processuais,…].

 

Fundamento do poder regulamentar 

O fundamento do poder regulamentar é visto sob a perspetiva prática, histórica e jurídica. Do ponto de vista prático existe um distanciamento do legislador face aos casos concretos da vida corrente, o que faz com que não consiga fazer uma previsão absoluta deixando-se “espaços em branco” na lei, sendo a Administração Pública que acaba por os preencher.

 Duma perspetiva histórica, não se aplica, de forma rigorosa, o princípio da separação de poderes senão a Administração não podia editar normas jurídicas (atributo exclusivo do poder legislativo). A acrescer, foi na Revolução Francesa que se reconheceu por lei à Administração o poder de emanar regras jurídicas.

O fundamento jurídico do poder regulamentar apesar de ter variado conforme as épocas, nos dias de hoje, no Estado Social de Direito, reside na Constituição e na lei. Face a isto, ter atenção de que o fundamento do poder regulamentar em geral é a Constituição, mas diferente é sobre o fundamento de cada regulamento em particular, através da exigência de lei prévia para o exercício do poder regulamentar (a lei desempenha a função de habilitação legal).

De acordo com a Constituição não são admissíveis regulamentos desprovidos de fundamento legal, no entanto, há duas exceções: os regulamentos internos [poder de direção, próprio do superior hierárquico], e os regimentos de órgãos colegiais [poder de auto-organização dos órgãos colegiais necessário para o seu bom funcionamento].

 

Limites do poder regulamentar

Os limites do poder regulamentar incidem sobretudo do posicionamento dos regulamentos na hierarquia das fontes de direito. O mais importante, segundo o Sr. Professor Afonso Queiró, são os princípios gerais de direito[10], ou seja, um conjunto de diretrizes jurídicas, autónomas face às decisões do legislador constituinte, ligados à ideia de Direito e Justiça. Depois, a Constituição, que dita as regras de competência e forma dos regulamentos administrativos e, em caso de inobservância, culminará na inconstitucionalidade dos mesmos.

Ainda, os princípios gerais do Direito Administrativo, em outras palavras, princípios que da ideia de Direito derivam de forma influenciada por fatores espácio-temporais, cultura… Estes princípios, apesar de não poderem ser derrogados diretamente pelos regulamentos, podem ser sim, revogados por normas legais já que têm a mesma posição hierárquica. Em caso de violação, recorre-se à anulabilidade ou à não aplicação dos regulamentos.

Importa referir a lei, ou seja, o princípio da legalidade. Como já referi, o regulamento não pode contrariar um ato legislativo, muito devido ao princípio da preferência da lei. É proibido, art. 112º, nº5 da CRP, regulamentos derrogatórios, modificativos, suspensivos e revogatórios. O princípio da legalidade seria formal se em matérias importantes ainda não reguladas por lei, o regulamento pudesse adiantar-se nessa tal disciplina jurídica (princípio da reserva de lei).

Os regulamentos de execução são os únicos que se admitem nas matérias reservadas à lei e, mesmo assim em matérias de direitos fundamentais, de tipificação legal dos crimes e respetivas penas… não são permitidos (casos de reserva absoluta ou integral de lei). Para além disto, o princípio da reserva de lei acarreta que qualquer atividade administrativa regulamentar tem de ser precedido de uma lei habilitante (precedência de lei) (art.136º, nº2 do CPA).

Outro limite, é a disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos que estejam acima do órgão que editou o regulamento[11]. Por exemplo, um regulamento de freguesia deve obediência a um regulamento municipal.

Os regulamentos também não podem impor, com efeitos retroativos, deveres, sanções e encargos que não beneficiam o destinatário (art. 141º, nº1 do CPA). Por fim, existem limites de competência e de forma estabelecidos pela Constituição e pela lei, que em casos de inobservância haverá inconstitucionalidade ou ilegalidade.

 

Competência e forma

Importa aqui referir quem é que tem competência para fazer regulamentos e as formas a que se devem submeter.  Relativamente aos regulamentos do Governo, compete a este órgão “Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis” e, “Praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas” [art. 199º, alínea c) e g) da CRP]. A competência vai ser atuada pelo Ministro da respetiva pasta [art. 201º, nº2, alínea a), da CRP] e o Concelho de Ministros intervém quando a lei o dispuser.

Há várias formas dos regulamentos do Governo, que variam consoante o órgão que atua e ordem de preferência (art. 138º, nº3 do CPA). Temos o decreto regulamentar, art. 112º, nº6 da CRP, como os regulamentos independentes que são submetidos a um regime mais exigente devido à referenda do Governo, por exemplo. Outra forma são a resolução do Conselho de Ministros, mas que podem não ter necessariamente a natureza de regulamentos.

Chamamos portaria, quando o regulamento é dimanado em nome do Governo, por um ou mais ministros. Diz-se despacho normativo, quando o regulamento dimana de um ministro em nome do seu ministério.

Também os órgãos de governo próprio das regiões autónomas, como a Assembleia Legislativa e o Governo Regional têm poder regulamentar [art. 227º, nº1, alínea d), da CRP]. Compete ao Governo Regional, pelo art. 231º, nº6, da CRP, a matéria relativa à sua organização e funcionamento. E deve elaborar os regulamentos necessários à execução dos decretos legislativos regionais, assim como, a Assembleia Legislativa.

São os estatutos político-administrativos, e não a CRP, que definem a forma dos atos dos órgãos de governo próprio das regiões. Nos termos dos arts. 91º, nº1, do Estatuto dos Açores e 70º, nº1, do Estatuto da Madeira, os regulamentos do Governo Regional assumem a forma de decreto regulamentar regional.

As autarquias locais, pelo art. 241º da CRP, dispõe de poder regulamentar. Neste caso, não é exigida uma lei prévia individualizada para cada caso. Por norma, os regulamentos locais são regulamentos independentes e é a lei habilitante que vai definir a distribuição das categorias às autarquias locais, bem como o órgão competente para os emitir. Podem assumir muitas formas, mas os mais comuns denominam-se de posturas.

Por fim, os institutos públicos, as entidades administrativas independentes, e as associações públicas, através de certas leis orgânicas ou estatutos também têm competência regulamentar. Não assumem nenhuma forma especial.

 

Modificação e suspensão

Um regulamento pode ser modificado ou temporariamente suspenso pelos órgãos que os elaboraram, por órgãos hierarquicamente superiores com poderes de supervisão e, por órgãos que assumam poderes tutelares. O legislador também está apto, dentro dos limites constitucionais. Ambos os processos de modificação e revogação, devem respeitar um processo idêntico ao da sua formação quando feitos pelo órgão de que emanaram.

 

Inderrogabilidade singular

A Administração pode modificar, suspender ou revogar um regulamento desde que por via geral e abstrata. No entanto, relativamente a regulamentos externos, não é permitido derrogá-los somente para aquele caso em concreto e deixá-lo a vigorar para os restantes casos (princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos). Assim sendo, um regulamento que derroga outro para um caso em concreto, na verdade não é um regulamento, mas sim um ato administrativo.

O Sr. Professor Afonso Queiró questiona-se de que como é que dois atos administrativos, um geral e outro particular, tenham um valor jurídico diferente[12]. Em resposta, acaba por referir que pelo princípio da legalidade, a Administração não pode contrariar em casos únicos (sem justificação material válida) o regulamento que ela própria elaborou. Importante ainda salientar o princípio da igualdade, porque ao aplicar-se um regulamento a todos os casos com exceção a um, vai criar situações de desigualdade.

 

Termo

Finalmente, os regulamentos podem cessar a sua vigência por: (i) caducidade [a sua validade cessa automaticamente devido a determinados factos, como por exemplo, se tiver sido feito para vigorar durante certo período de tempo], (ii) revogação [deixa de vigorar devido a um ato voluntário que impõe a cessação de efeitos de forma total ou parcial] e, (iii) decisão contenciosa [deixam de vigorar total ou parcialmente devido à sua ilegalidade, operada por qualquer tribunal].

 

Conclusão

O regulamento administrativo é uma decisão de um órgão da administração pública que produz efeitos jurídicos em casos/situações gerais e abstratas. Muitas das vezes, são utilizados para detalhar como é que a lei deve ser aplicada, preenchendo lacunas e fornecendo orientações específicas.

Não se circunscrevem a uma simples área, ou seja, tanto podem abranger a área das finanças, como da segurança ou até mesmo a área da saúde pública e muito mais. Os regulamentos acabam por implicar ou afetar de forma direta nas várias atividades tanto das pessoas como das organizações, já que estabelecem os procedimentos que devem ser seguidos dentro de uma determinada jurisdição.

Com isto, podem ser atualizados conforme necessário para atender às mudanças ou circunstâncias sociais, económicas e políticas.

É de extrema importância que os cidadãos devam conhecer e ter fácil acesso ao direito vigente e, saber das principais decisões dos órgãos do poder político. Assim sendo, pelo art. 119º, nº1, alínea h), da CRP, devem ser publicados no Diário da República, caso contrário implicará a sua ineficácia jurídica (nº 2 do mesmo artigo).

 

 

Bibliografia e Webgrafia

J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, VI, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 22 e ss.

A. Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, João Abrantes,1976, p.409 e ss.

J. C. Vieira de Andrade, Lições de direito administrativo, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011

D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 177 ss.

D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, Coimbra, Almedina, 1987

S. Correia, Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, p.112.

 

Regulamentos Administrativos. Disponível em: https://sub10administrativo.blogs.sapo.pt/regulamentos-administrativos-18114

As Invalidades Formais dos Regulamentos Administrativos, M. Simões Gaspar. Disponível em: https://www.proquest.com/openview/d9ca3cbebb5a29a9e698c4c0fcfd3c23/1?cbl=2026366&diss=y&pq-origsite=gscholar&parentSessionId=zmhL6WiDZpToV6cE9hhUYMx4xpvKLGzV6HZKhFP7YkU%3D

A responsabilidade civil extracontratual do Estado pela não edição de regulamentos administrativos, M. S. dos Santos. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/83589

 

 

Shania Rodrigues

Nº de aluno: 68045

Turma B, subturma 15

 

 

 

 

 

 



[1] V. Vieira de Andrade, O Ordenamento Jurídico Administrativo, p. 58

[2] Desde de algum tempo que o Tribunal Constitucional aprova ou autoriza a atribuição de poderes, ou até mesmo, funções públicas a entidades privadas, para que possam exercê-las como se fosse em nome do Estado, para determinados fins públicos ou fins de interesse geral.

[3] Por exemplo o Governo ou as Assembleias legislativas das regiões autónomas que são, simultaneamente, órgãos administrativos e órgãos políticos e legislativos (arts. 197º a 201º e 227º e 232º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), respetivamente).

[4] V. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, p.45 e ss.

[5] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, VI, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 22 e ss.

[6] O artigo 136º, nº 3 do CPA acaba por distinguir os regulamentos independentes, que dão liberdade de criação relativamente à lei, dos regulamentos autónomos (autonomia regulamentar, no qual se opõe aos regulamentos estaduais).

[7] Artigos 112º, nºs 6 e 7 da CRP e artigo 136º, nº 2 do CPA.

[8] Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, p.112.

[9] Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, p.97.

 

[10] Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, I, p.409 e ss.

[11] Para este efeito, art. 143º, nº2 e, para os critérios de prevalência ou de preferência aplicativa entre regulamentos, serve o art. 138º (ambos do CPA).

[12] V. Afonso Queiró, Teoria dos Regulamentos (2ª parte), p. 27

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