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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Transformação da Administração Pública na Era Digital

A Era Digital trata-se de um período marcado pela introdução de novas tecnologias de informação e comunicação, avanços técnicos na produção, progressos científicos e, crucialmente, pela intensificação dos fluxos de informação, capital, pessoas e bens. Como resultado, houve uma maior intergeração entre territórios e indivíduos, formando um espaço interconectado em rede. Iniciado na metade do século XX, essa era persiste até os dias atuais.

No contexto da Administração Pública, o continuo desenvolvimento tecnológico exigiu uma adaptação às mudanças, com o objetivo de aproximar a administração aos cidadãos. Apostar na Transformação Digital tornou-se essencial, pois o uso de recursos tecnológicos impulsiona o desempenho organizacional, maximizando os benefícios resultantes. 

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece princípios gerais sobre a organização e o agir administrativo. O artigo 267º/1 incorpora o principio da desburocratização, visando organizar a Administração Pública para garantir eficiência e facilitar a vida dos cidadãos, exigindo uma renovação constante de métodos.

Com o advento da crise sanitária da Covid-19 em março de 2020, a transição digital, antes relevante mas não urgente, tornou-se essencial. Um projeto que se esperava formar gradualmente, foi necessário, ou, melhor dizer, obrigatório para desenvolver rapidamente novos serviços que pudessem satisfazer as necessidades emergentes. Em pouco tempo, entrámos numa realidade onde as organizações governamentais foram obrigadas a mudar a sua organização e o seu funcionamento, e abraçar novas tecnologias. No fundo, podemos afirmar que a pandemia funcionou como um catalisador da Transformação Digital na Administração Pública, destacando a urgência de digitalizar os serviços públicos e investir na modernização das infraestruturas digitais. 

A informação do agir administrativo trouxe mudanças significativas, permitindo que a Administração Pública funcione continuamente. O artigo 14º do Código do Procedimento Administrativo estabelece o principio da Administração Eletrônica, assegurando precisamente a continuidade dos serviços públicos independentemente do horário de expediente. Pode-se dizer que a administração eletrônica reduziu os custos, trouxe uma maior rapidez ao acesso e suprimiu as distâncias territoriais, bastando a conexão à internet. Ainda, permitiu uma uniformidade à decisão administrativa, transformando um centro de recepção e tomada de decisões num novo ponto central. Esse novo enfoque, buscando substituir uma estrutura hierárquica por um modelo eletrônico, visa assegurar uma possível melhoria na concretização do principio da igualdade, ao garantir que todos os cidadãos são tratados de maneira equitativa e imparcial. Ora, ao substituir um modelo hierarquizado por um sistema eletrônico, a abordagem busca eliminar possíveis disparidades e favorecimentos, promovendo uma aplicação mais justa e consistente das decisões administrativas para todos. Independentemente dos fatores externos, todos têm o direito de ter acesso a um processo decisório que adere aos mesmos padrões e critérios. 

No entanto, apesar da eficiência e rapidez nas decisões desmaterializadas, persiste a desconfiança dos cidadãos em relação a tecnologias que efetivamente não dominam. Apesar de todas as vantagens supra referidas, a administração eletrônica constitui desvantagens - corre o risco de se tornar um instrumento contrário a princípios organizativos da Constituição Administrativa. Mesmo o reforço da igualdade decisória pode não ter totalmente verdadeiro. Isto porque ainda se assume uma grande desigualdade no acesso a meios eletrônicos entre os cidadãos. As disparidades de desempenho entre os níveis da Administração Pública, especialmente entre os serviços locais e regionais, continuam a ser desafios. A adoção lenta de tecnologias digitais pelas autarquias locais ocorre devido à falta de recursos financeiros e orçamentários, para investir em novas tecnologias inovadoras, e à falta de formação dos funcionários. Deste modo, mesmo a vantagem da redução de custos pode ser aparente, na medida em que é sempre necessário investir na atualização de todos os serviços informáticos, assim como dar formação ao pessoal da função pública.

Importa, por fim, referir o enquadramento dos direitos fundamentais dos cidadãos na transição digital da administração. O reconhecimento e a garantia constitucional destes direitos relacionados a dados informatizados, que dizem respeito aos cidadãos, impõem limites à atuação administrativa. Esses direitos envolvem prerrogativas essenciais, incluindo o direito de acesso do cidadão a todos os dados que o concernem, o direito de exigir retificação e atualização de dados, o direito de conhecer a finalidade dos dados, com a possibilidade de questionar a necessidade da sua recolha, e o direito de ser esclarecido sobre a natureza obrigatória ou facultativa da recolha de dados solicitada. Também, a introdução de processos eletrônicos na administração não deve resultar numa diminuição dos direitos e garantias que os cidadãos têm em relação aos procedimentos administrativos. Neste sentido, o Professor Paulo Otero enfatiza que a transição para a administração eletrônica deve preservar integralmente os direitos e garantias procedimentais dos cidadãos, mesmo que essa transição assuma uma configuração diferente. Ou seja a mudança para métodos eletrônicos não deve comprometer o principio da paridade garantistica entre as formas tradicionais e eletrônicas de exercício da atividade administrativa. Este principio implica que, independentemente da forma como a administração é conduzida, seja de maneira tradicional ou eletrônica, os cidadãos devem usufruir dos mesmos níveis de proteção e consideração pelos seus direitos.

Em conclusão, a evolução do modelo de uma administração eletrônica tem fortalecido o relacionamento entre o cidadão e o Estado, reduzindo as distâncias e estabelecendo laços mais sólidos por meio da implementação de novos métodos, por exemplo o E-Government. Embora esse avanço seja irreversível, há ainda desafios significativos a serem superados, assim como vimos no contexto das autarquias locais. A falta de infraestruturas tecnológicas, a falta de internet, o elevado custo desses serviços demonstram que não se exige apenas superar desafios tecnológicos, mas também abordar questões sociais e legais com sensibilidade. Ninguém pode ser discriminado por não possuir ou saber lidar com os novos meios eletrônicos e, portanto, é crucial superar essas limitações para consolidar uma administração eficiente, transparente, célere, inclusiva e respeitosa dos direitos e necessidades de todos os cidadãos. 


Bibliografia e Webgrafia

 

PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Vol.1, 2013

 

FERNANDA PAULA OLIVEIRA, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2017


VASCO PEREIRA DA SILVA, Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, 2019

https://hdl.handle.net/10316/103540 - Ana Beatriz Pinheiro de Brito Gomes, Transformação digital na Administração Pública 


https://transformacaodigital.com/tecnologia/era-digital-entenda-o-que-e-isso-e-como-impacta-os-negocios/



Legislação 


Constituição da República Portuguesa

Código do Procedimento Administrativo



Soraia Penha, nº66161, subturma B15

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