A descentralização e a
Desconcentração Administrativa, na ótica Cabo Verdiana e Portuguesa
Antes de mais, é importante fazer uma distinção entre os
princípios da descentralização e da desconcentração administrativa.,
entretanto, os princípios fundamentais exigem uma compreensão que é essencial
para a melhor compreensão dos temas.
A constituição portuguesa refere, no seu artigo 6º, a
propósito da organização do Estado (não apenas da organização administrativa),
relativamente ao regime autonómico insular e pelos princípios da
subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais da descentralização democrática
da administração publica.
A administração publica deve ser estruturada de modo a evitar
a burocratização, a aproximar os serviços populacionais e assegurar a
participação dos interessados na sua gestão efetiva, presente no artigo 267 nº1
da Lei Fundamental.
Um grande princípio estudado é da separação de poderes. Apos
a revisão de 1997 da Constituição, com o artigo 2º passou a referir-se este princípio
como fundamento do Estado de Direito Democrático. Este princípio remete desde
logo, para os princípios da organização e do funcionamento da administração
pública quanto aos órgãos que exercem as restantes funções do Estado, existindo
simultaneamente, princípios que incidem sobre a estrutura interna da
administração e o processamento da dua atividade, sendo que estes têm o
objetivo de assegurar que as organizações não sejam alheias aos particulares,
levando a atividade administrativa a respeitar as posições jurídicas subjetivas
daqueles.
O princípio da descentralização em relação ao princípio da
desconcentração, a perceção que conseguimos tirar é que, o facto do princípio
da descentralização pressupor, desde logo, que se proceda a uma distinção um do
outro, com que ele tende a ser confundido com o da desconcentração. Entretanto,
este diz respeito à organização administrativa dentro de uma entidade
administrativa, designadamente de uma pessoa coletiva publica, estando ligada à
distribuição de poderes pelos seis diferentes órgãos.
Tratando-se de uma entidade administrativa com uma estrutura
hierarquizada, fala-se de concentração quando o superior hierárquico for o
único órgão competente para tomar decisões e de desconcentração quando o poder
decisório se repartir entre o superior hierárquico ser o único órgão competente
para tomar decisões e de desconcentração quando o poder decisório se repartir
entre o superior e um ou vários subalternos com direção e supervisão daquele,
não pressupõe a hierarquia, todavia, um exemplo de desconcertarão que não
pressupõe, porem, ligada a uma estrutura vertical é a que encontramos dentro da
pessoa coletiva município: este constituído por vários órgãos como o caso da
camara municipal, a assembleia municipal e o presidente da camara municipal,
onde cada um possui nos termos da lei, competências próprias sem quaisquer
hierarquia.
Por outro lado, o conceito de descentralização, constitui num
conceito amplo, que constitui numa repartição de atribuições administrativas
por uma pluralidade de pessoas públicas ou de entidades administrativas, sendo
que esses interesses correspondem a uma repartição de atribuições administrativas
por uma pluralidade de pessoas coletivas publicas a que pertencem. Contudo, a desconcentração prende-se com a distribuição de distintas competências
pelos vários órgãos de uma pessoa coletiva publica, ora, a descentralização, no
seu sentido amplo corresponde à distribuição de atribuições por uma pluralidade
de pessoas coletivas publicas, significando que qualquer transferência de atribuições
da organização administrativa do Estado para outros organismos administrativos
é vista como uma medida descentralizadora, correspondendo, assim, a
descentralização num simples instrumento de desoneração do Estado e de
repartição e especialização de tarefas entre a sua Administração direta e uma
variedade de entes administrativos, incluindo os entes por ele criados para a realização
de tarefas administrativas.
Do artigo 267º CRP, resultam cinco princípios constitucionais
da organização administrativa: o principio da desburocratização , segundo a
mesma deve funcionar de forma eficiente e facilitada para os particulares; o
principio da aproximação dos serviços às populações; o principio da participação
dos interesses na gestação da Administração Pública, este deve ser chamado a
intervir no quotidiano da administração pública, podendo participar na tomada
de decisões administrativas; o principio descentralização e o principio da
desconcentração administrativa.
É importante salientar ainda, que não se deve confundir a centralização
com a descentralização (unicidade ou pluralidade de pessoas coletivas) com concentração
ou desconcentração (dentro de uma pessoa coletiva e como se distribuem as competências
pelos órgãos).
Nota-se que a desconcentração pode ser originaria ou derivada,
se permite a delegação de poderes a outro órgão como o caso dos secretários de
estado só podem fazer o que lhes for delegado.
Estes princípios tem uma função mista que permite a melhor prossecução
do interesse publico e a proteção das posições jurídicas subjetiva dos
particulares. Seguido o pensamento do professor Marcelo Rebelo de Sousa, uma
vez que a organização administrativa e o processamento da atividade
administrativa são matérias de reserva de lei, os princípios constitucionais
que lhes respeitem vinculam o legislador.
Em relação a Cabo Verde, descentralização constituindo num
instrumento que se construiu para que o Estado pudesse transferir poderes para
as entidades locais. Para que estas possam desempenhar a atividade
administrativa na sua circunscrição territorial de forma autónoma.
A delimitação dogmática e doutrinaria do conceito teve uma evolução
complexa, na medida em que os entendimentos da descentralização se mostram
bastante variados ao longo do tempo. Em uma primeira fase, a descentralização garantia
uma esfera de autonomia de atribuições e liberdade eleitoral dos municípios e
de seus munícipes, que seria o autogoverno municipal. A descentralização era
outro nome de Liberdade. Alexis de Tocqueville também afirmava uma nação pode
estabelecer um governo livre, mas sem instituições municipais não pode adquirir
o espírito de liberdade. ( CARLOS VEIGA, 2013).
Na segunda fase, na medida do crescimento da administração
pública e sua consequente complexificação estrutural, alargou-se o conceito de
descentralização que passa a deter as corporações públicas e entidades
similares que não fizessem parte da administração direta, porém estivessem
longe dos requisitos iniciais da descentralização. Identificada como a fase da
descentralização corporativa.
Na terceira fase, é caracterizada por um movimento extremado
de ampliação do conceito, incluindo os institutos públicos e estabelecimentos
públicos, através de uma descentralização técnica ou por serviços, ou então descentralização
institucional ou funcional. É uma fase que nos traz uma nova descentralização,
visto que, depois de um momento primitivo que englobava somente um sentido
político da descentralização, foi absorvida a capacidade do Estado criar
entidades administrativas com quem compartilhou tarefas administrativas à custa
da renúncia à independência face ao poder central, à liberdade e democracia local
inerentes ao autogoverno municipal que definia a descentralização.
Presentemente, na quarta fase construiu-se uma nova conceção
de descentralização, consolidando a sua decantação ou purificação. Nesta medida
se fala de purificação conceptual, atribuindo à descentralização o seu sentido
próprio, a descentralização territorial.
Os autores que defendiam a decantação afirmavam que no
momento que o Estado atribuía a outras entidades a possibilidade de
desempenharem atividades administrativas de interesse nacional a institutos
públicos ou a entes autônomos, não se poderá falar em uma verdadeira descentralização
administrativa, por não ocorrer uma transferência de atribuições do Estado
Administração, mas unicamente uma transferência de poderes afetadas a
atribuições de que o Estado não transfere.
Nesses casos estamos sim perante um fenômeno de
desconcentração, que nos institutos públicos, é uma desconcentração
personalizada, através da devolução de poderes; enquanto nas entidades autônomas
a desconcentração é autárquica na medida da devolução de poderes inerentes a
atribuições exclusivas do Estado, tendo sobre elas uma verdadeira tutela
administrativa. Portanto a verdadeira descentralização só se configura quando o
Estado devolve às autarquias locais, atribuições próprias da comunidade local.
No que respeita algumas experiências estrangeiras, temos
algumas posições discutidas e adotadas.
Na Alemanha, a descentralização é caracterizada pela
personificação jurídica e atribuição de autonomia de decisão às entidades intraestaduais,
transferindo tarefas administrativas para unidades administrativas autônomas
para que possam ser realizadas de forma independente e sob a responsabilidade
própria, embora sob tutela da unidade administrativa central.
A experiência Italiana consagrou conceções dogmáticas
relativamente à descentralização bastante amplas, desconhecendo completamente a
diferença entre a descentralização e desconcentração. Identificam modalidades
de descentramento: descentramento autárquico, através de entes públicos
autárquicos, ou seja, entidades com poderes administrativos próprios, que
seriam as corporações, coletividades locais e institutos públicos, na
experiência Cabo-verdiana como já se referiu são organismos que pertencem à
administração indireta do Estado, sofrendo assim o fenômeno de desconcentração
e não descentralização; ou descentramento orgânico, interno, hierárquico ou
burocrático, que acontece dentro da administração direta do Estado.
No Brasil a descentralização é considerada o fenômeno que
possibilita a administração indireta, desempenhada por entidades distintas do
Estado, (MELLO, 2013, p. 154) como já referido no capítulo anterior.
Construiu-se uma conceção diferente, visto que, a ideia de descentralização no
Brasil apresenta-se como o que seria um fenômeno de desconcentração em Cabo
Verde, em que o Estado através da devolução de poderes concede certas
atribuições próprias a pessoas jurídicas existentes fora da pessoa Estado
Administração, mas que atuam segundo o poder de superintendência deste.
Portanto no Brasil não se adota a ideia da descentralização territorial ou
decantação, mas sim a da descentralização técnica por serviços ou institucional.
O professor Freitas do Amaral, faz uma análise da questão,
afirmando que a descentralização verdadeira é a territorial, chamando-a de
descentralização em sentido estrito. O autor também adota a ideia que
diferencia os conceitos de centralização e descentralização nas suas aceções
jurídicas e político-administrativas. Evidenciando que os conceitos, na
primeira aceção são puros e absolutos, ou as finalidades públicas são
prosseguidas só pelo Estado, ou também podem ser feitas pelas entidades infra
estaduais, mas na segunda aceção são relativos, evidenciando graus maiores e
menores. Nesta última aceção político-administrativa nunca há um sistema
centralizado ou descentralizado.
Nesta medida, existirá centralização em sentido
político-administrativo, mesmo que se apresente uma descentralização
territorial em sentido jurídico, visto que os órgãos das autarquias locais são
livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, devem obediência ao
Governo, ou se encontram sujeitos a formas particularmente intensas de tutela
administrativa, o que o autor chama de uma ampla tutela de mérito.
Diferentemente, existirá descentralização em sentido
político, assim que os órgãos das autarquias locais forem eleitos pelas
respetivas populações, sendo considerados independentes pela lei, e ainda
estarem sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa, restritas ao
controlo da legalidade. O que o autor chama de auto-administração.
Contudo, a conclusão que podemos tirar com esta análise bastante
sucinta, conseguimos perceber que o sistema administrativo de Cabo Verde, é
resultado de uma importação do sistema português, um país com aproximadamente
10,5 milhões de habitantes, com um espaço territorial continental, completamente
diferente de Cabo Verde, um país insular com menos de 500 mil habitantes. Nesta
perspetiva o que vem entendendo é que essa importação de know how jurídico era
a verdadeira administração local, que possui como consequência uma crise económica,
financeira e democrática.
Bibliografia:
REBELO DE SOUSA, MARCELO, e SALGADO DE MATOS, ANDRÉ, Direito
Administrativo Geral, Tomo I, 2ª edição, novembro de 2006
DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo,
Almedina
CARLOS VEIGA, 2013
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