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terça-feira, 28 de novembro de 2023

 

A descentralização e a Desconcentração Administrativa, na ótica Cabo Verdiana e Portuguesa

 

Antes de mais, é importante fazer uma distinção entre os princípios da descentralização e da desconcentração administrativa., entretanto, os princípios fundamentais exigem uma compreensão que é essencial para a melhor compreensão dos temas.

A constituição portuguesa refere, no seu artigo 6º, a propósito da organização do Estado (não apenas da organização administrativa), relativamente ao regime autonómico insular e pelos princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais da descentralização democrática da administração publica.

A administração publica deve ser estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços populacionais e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, presente no artigo 267 nº1 da Lei Fundamental.

Um grande princípio estudado é da separação de poderes. Apos a revisão de 1997 da Constituição, com o artigo 2º passou a referir-se este princípio como fundamento do Estado de Direito Democrático. Este princípio remete desde logo, para os princípios da organização e do funcionamento da administração pública quanto aos órgãos que exercem as restantes funções do Estado, existindo simultaneamente, princípios que incidem sobre a estrutura interna da administração e o processamento da dua atividade, sendo que estes têm o objetivo de assegurar que as organizações não sejam alheias aos particulares, levando a atividade administrativa a respeitar as posições jurídicas subjetivas daqueles.

O princípio da descentralização em relação ao princípio da desconcentração, a perceção que conseguimos tirar é que, o facto do princípio da descentralização pressupor, desde logo, que se proceda a uma distinção um do outro, com que ele tende a ser confundido com o da desconcentração. Entretanto, este diz respeito à organização administrativa dentro de uma entidade administrativa, designadamente de uma pessoa coletiva publica, estando ligada à distribuição de poderes pelos seis diferentes órgãos.

Tratando-se de uma entidade administrativa com uma estrutura hierarquizada, fala-se de concentração quando o superior hierárquico for o único órgão competente para tomar decisões e de desconcentração quando o poder decisório se repartir entre o superior hierárquico ser o único órgão competente para tomar decisões e de desconcentração quando o poder decisório se repartir entre o superior e um ou vários subalternos com direção e supervisão daquele, não pressupõe a hierarquia, todavia, um exemplo de desconcertarão que não pressupõe, porem, ligada a uma estrutura vertical é a que encontramos dentro da pessoa coletiva município: este constituído por vários órgãos como o caso da camara municipal, a assembleia municipal e o presidente da camara municipal, onde cada um possui nos termos da lei, competências próprias sem quaisquer hierarquia.

Por outro lado, o conceito de descentralização, constitui num conceito amplo, que constitui numa repartição de atribuições administrativas por uma pluralidade de pessoas públicas ou de entidades administrativas, sendo que esses interesses correspondem a uma repartição de atribuições administrativas por uma pluralidade de pessoas coletivas publicas a que pertencem.  Contudo, a desconcentração  prende-se com a distribuição de distintas competências pelos vários órgãos de uma pessoa coletiva publica, ora, a descentralização, no seu sentido amplo corresponde à distribuição de atribuições por uma pluralidade de pessoas coletivas publicas, significando que qualquer transferência de atribuições da organização administrativa do Estado para outros organismos administrativos é vista como uma medida descentralizadora, correspondendo, assim, a descentralização num simples instrumento de desoneração do Estado e de repartição e especialização de tarefas entre a sua Administração direta e uma variedade de entes administrativos, incluindo os entes por ele criados para a realização de tarefas administrativas.

Do artigo 267º CRP, resultam cinco princípios constitucionais da organização administrativa: o principio da desburocratização , segundo a mesma deve funcionar de forma eficiente e facilitada para os particulares; o principio da aproximação dos serviços às populações; o principio da participação dos interesses na gestação da Administração Pública, este deve ser chamado a intervir no quotidiano da administração pública, podendo participar na tomada de decisões administrativas; o principio descentralização e o principio da desconcentração  administrativa.

É importante salientar ainda, que não se deve confundir a centralização com a descentralização (unicidade ou pluralidade de pessoas coletivas) com concentração ou desconcentração (dentro de uma pessoa coletiva e como se distribuem as competências pelos órgãos).

Nota-se que a desconcentração pode ser originaria ou derivada, se permite a delegação de poderes a outro órgão como o caso dos secretários de estado só podem fazer o que lhes for delegado.

Estes princípios tem uma função mista que permite a melhor prossecução do interesse publico e a proteção das posições jurídicas subjetiva dos particulares. Seguido o pensamento do professor Marcelo Rebelo de Sousa, uma vez que a organização administrativa e o processamento da atividade administrativa são matérias de reserva de lei, os princípios constitucionais que lhes respeitem vinculam o legislador.

Em relação a Cabo Verde, descentralização constituindo num instrumento que se construiu para que o Estado pudesse transferir poderes para as entidades locais. Para que estas possam desempenhar a atividade administrativa na sua circunscrição territorial de forma autónoma.

A delimitação dogmática e doutrinaria do conceito teve uma evolução complexa, na medida em que os entendimentos da descentralização se mostram bastante variados ao longo do tempo. Em uma primeira fase, a descentralização garantia uma esfera de autonomia de atribuições e liberdade eleitoral dos municípios e de seus munícipes, que seria o autogoverno municipal. A descentralização era outro nome de Liberdade. Alexis de Tocqueville também afirmava uma nação pode estabelecer um governo livre, mas sem instituições municipais não pode adquirir o espírito de liberdade. ( CARLOS VEIGA, 2013).

Na segunda fase, na medida do crescimento da administração pública e sua consequente complexificação estrutural, alargou-se o conceito de descentralização que passa a deter as corporações públicas e entidades similares que não fizessem parte da administração direta, porém estivessem longe dos requisitos iniciais da descentralização. Identificada como a fase da descentralização corporativa.

Na terceira fase, é caracterizada por um movimento extremado de ampliação do conceito, incluindo os institutos públicos e estabelecimentos públicos, através de uma descentralização técnica ou por serviços, ou então descentralização institucional ou funcional. É uma fase que nos traz uma nova descentralização, visto que, depois de um momento primitivo que englobava somente um sentido político da descentralização, foi absorvida a capacidade do Estado criar entidades administrativas com quem compartilhou tarefas administrativas à custa da renúncia à independência face ao poder central, à liberdade e democracia local inerentes ao autogoverno municipal que definia a descentralização.

Presentemente, na quarta fase construiu-se uma nova conceção de descentralização, consolidando a sua decantação ou purificação. Nesta medida se fala de purificação conceptual, atribuindo à descentralização o seu sentido próprio, a descentralização territorial.

Os autores que defendiam a decantação afirmavam que no momento que o Estado atribuía a outras entidades a possibilidade de desempenharem atividades administrativas de interesse nacional a institutos públicos ou a entes autônomos, não se poderá falar em uma verdadeira descentralização administrativa, por não ocorrer uma transferência de atribuições do Estado Administração, mas unicamente uma transferência de poderes afetadas a atribuições de que o Estado não transfere.

Nesses casos estamos sim perante um fenômeno de desconcentração, que nos institutos públicos, é uma desconcentração personalizada, através da devolução de poderes; enquanto nas entidades autônomas a desconcentração é autárquica na medida da devolução de poderes inerentes a atribuições exclusivas do Estado, tendo sobre elas uma verdadeira tutela administrativa. Portanto a verdadeira descentralização só se configura quando o Estado devolve às autarquias locais, atribuições próprias da comunidade local.

No que respeita algumas experiências estrangeiras, temos algumas posições discutidas e adotadas.

Na Alemanha, a descentralização é caracterizada pela personificação jurídica e atribuição de autonomia de decisão às entidades intraestaduais, transferindo tarefas administrativas para unidades administrativas autônomas para que possam ser realizadas de forma independente e sob a responsabilidade própria, embora sob tutela da unidade administrativa central.

A experiência Italiana consagrou conceções dogmáticas relativamente à descentralização bastante amplas, desconhecendo completamente a diferença entre a descentralização e desconcentração. Identificam modalidades de descentramento: descentramento autárquico, através de entes públicos autárquicos, ou seja, entidades com poderes administrativos próprios, que seriam as corporações, coletividades locais e institutos públicos, na experiência Cabo-verdiana como já se referiu são organismos que pertencem à administração indireta do Estado, sofrendo assim o fenômeno de desconcentração e não descentralização; ou descentramento orgânico, interno, hierárquico ou burocrático, que acontece dentro da administração direta do Estado.

No Brasil a descentralização é considerada o fenômeno que possibilita a administração indireta, desempenhada por entidades distintas do Estado, (MELLO, 2013, p. 154) como já referido no capítulo anterior. Construiu-se uma conceção diferente, visto que, a ideia de descentralização no Brasil apresenta-se como o que seria um fenômeno de desconcentração em Cabo Verde, em que o Estado através da devolução de poderes concede certas atribuições próprias a pessoas jurídicas existentes fora da pessoa Estado Administração, mas que atuam segundo o poder de superintendência deste. Portanto no Brasil não se adota a ideia da descentralização territorial ou decantação, mas sim a da descentralização técnica por serviços ou institucional.

O professor Freitas do Amaral, faz uma análise da questão, afirmando que a descentralização verdadeira é a territorial, chamando-a de descentralização em sentido estrito. O autor também adota a ideia que diferencia os conceitos de centralização e descentralização nas suas aceções jurídicas e político-administrativas. Evidenciando que os conceitos, na primeira aceção são puros e absolutos, ou as finalidades públicas são prosseguidas só pelo Estado, ou também podem ser feitas pelas entidades infra estaduais, mas na segunda aceção são relativos, evidenciando graus maiores e menores. Nesta última aceção político-administrativa nunca há um sistema centralizado ou descentralizado.

Nesta medida, existirá centralização em sentido político-administrativo, mesmo que se apresente uma descentralização territorial em sentido jurídico, visto que os órgãos das autarquias locais são livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, devem obediência ao Governo, ou se encontram sujeitos a formas particularmente intensas de tutela administrativa, o que o autor chama de uma ampla tutela de mérito.

Diferentemente, existirá descentralização em sentido político, assim que os órgãos das autarquias locais forem eleitos pelas respetivas populações, sendo considerados independentes pela lei, e ainda estarem sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa, restritas ao controlo da legalidade. O que o autor chama de auto-administração.

Contudo, a conclusão que podemos tirar com esta análise bastante sucinta, conseguimos perceber que o sistema administrativo de Cabo Verde, é resultado de uma importação do sistema português, um país com aproximadamente 10,5 milhões de habitantes, com um espaço territorial continental, completamente diferente de Cabo Verde, um país insular com menos de 500 mil habitantes. Nesta perspetiva o que vem entendendo é que essa importação de know how jurídico era a verdadeira administração local, que possui como consequência uma crise económica, financeira e democrática.

 

 

 

 

Bibliografia:

REBELO DE SOUSA, MARCELO, e SALGADO DE MATOS, ANDRÉ, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª edição,  novembro de 2006

DO AMARAL, DIOGO FREITAS, Curso de Direito Administrativo, Almedina

CARLOS VEIGA, 2013

 

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