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terça-feira, 28 de novembro de 2023

O Princípio da Administração Aberta

  1. O Princípio da Administração Aberta

  2. O acesso a documentos administrativos


  3. 1. Introdução: 

    A cada dia, torna-se cada vez mais necessário assegurar o sujeito particular das decisões e processos que coexistem em sua esfera jurídica e na coletividade a qual está inserido. Nesta perspetiva, o Princípio da Administração Aberta é a expressão do dever ser transparente do Estado (quanto pessoa coletiva) e sua gestão administrativa, sendo o que torna visível procedimentos e métodos quanto a realização do procedimento administrativo e suas decisões. Essa condição, atualmente imposta constitucionalmente e pelo Código do Procedimento Administrativo em seu enunciado Art.º 17, tem sua base nos ditames republicanos quanto aos direitos de acesso à informação. É, no entanto, necessário perceber em que ponto há uma limitação ao direito de ser informado e a quê isso é devido, para além de analisar o desenvolvimento deste princípio e como é aplicado sobre a atual Administração Pública. 

 

  1. 2. Desenvolvimento e Positivação: 

O ingresso do princípio da administração aberta no direito positivo releva no ponto em que se torna expresso em diversos enunciados normativos o seu conteúdo, o que propõe uma avaliação de sua evolução na legislação datada muito antes de ser expresso nos enunciados normativos, conforme os eventos experienciados em sequência: 

 

  1. i) A influência da experiência dinamarquesa, expressa por Barbosa de Melo como o princípio do arquivo aberto em 1981, sobre a revisão constitucional de 1989 que veio a atualizar o Art.º 268, bem como decorrência dos direitos de ser esclarecido pelos atos do Estado e demais entidades públicas consagrados no n.º 2 do Art.º 48 da CRP; 

  1. ii) A consagração do direito de informar e ser informado, consoante lei fundamental no n.º 1 do Art.º 371; 

  1. iii) A reafirmação do n.º 2 do Art.º 268 no n.º 1 do Art.º 65 do CPA de 1991, que foi transferido para o Art.º 17 do CPA desde 2015; 

 

A Lei n.º 65/93, de 26 de agosto, dispõe que a administração aberta torna os documentos administrativos acessíveis segundo os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade, além de ser extensivo2 e compreender o direito à reprodução do documento em questão. É, porém, especificado que há um enquadramento deste acesso em torno de demais princípios que moldam a conduta da administração tanto quanto é o caso do princípio sob análise. Apesar de ser imprescindível para a liberdade de acesso à informação, há uma linha positivada que restringe a atuação deste princípio sobre certos aspetos relevantes. Sob o viés contextualizado pelo professor Paulo Otero, o princípio da Administração Aberta tem suas limitações à medida que há um certo conflito entre esse e os Direitos Fundamentais ou próprios do Estado, sendo essas estabelecidas no n.º 2 do Art.º 268 CRP: 

 

  1. a) A segurança interna e externa, destacando-se as matérias quanto o segredo, independência nacional, unidade e integridade do Estado;  

  1. b) O segredo de justiça, naquilo que tange a administração; 

  1. c) Sigilo Fiscal; 

  1. d) A privacidade dos indivíduos, quanto a reserva da vida privada e da proteção dos dados pessoais; 

 

Para além dos acima mencionados, o acesso aos arquivos e aos registos administrativos de um não interessado para o procedimento em curso é excluído em todas as situações em que este também é vetado pelo legislador aos interessados. Desta forma, consoante o nº 1 do Art.º 83 do CPA, desde que o processo não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial, ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, abrangendo também processos relativos a terceiros em seu disposto no nº 2 


Identifica-se também o cuidado comum quanto ao particular e seus direitos fundamentais sobre a reserva da vida privada. Diante de um conflito, o direito de acesso às informações dos particulares é inferior ao direito de reserva da vida privada, sendo a administração responsável pela proteção dos dados pessoais e manter a segurança dos suportes e sua integridade, conforme o princípio da proteção dos dados pessoais no enunciado Art.º 18. 


Com a objetivação do princípio da administração aberta, vem a existir princípios que podem vir a ser relevantes em sua positivação. A isso se trata, portanto, os princípios da publicidade e da transparência, que se encontram previstos no Art.º 1 da LADA, L. n.º 65/93, de 26 de agosto. Esta lei dispõe, acerca da publicidade, a obrigação sobre a administração tornar pública a sua organização e atividade, dando o direito ao particular de exigir o conhecimento sobre elas na medida que não haja um direito superior para restringir esta publicidade. Com relação ao princípio da transparência, esse versa que a organização e a atividade da administração pública devem ser acessíveis, ou de direito do conhecimento de todos ou qualquer particular interessado.   


Embora haja uma semelhança entre tais princípios, defende-se, conforme o professor Domingos Farinho, que haja diferenças em determinados aspetos: quanto a imposição proativa do princípio da publicidade à administração, que não é tão presente no princípio da transparência; enquanto esse torna-se mais evidente ao impor à administração que sua organização e atividades sejam inteligíveis à generalidade dos particulares a fim de que estes tenham a melhor compreensão do seu funcionamento, legitimando e tornando-os capazes de participar do procedimento, algo que pela publicidade não é tratado em profundidade. Neste sentido, integra-se ao princípio da administração aberta a conexão entre estes dois princípios. Pode-se afirmar que a primeira LADA foi o primeiro passo para a positivação do que hoje temos como o princípio da administração aberta, desde o anterior princípio do arquivo aberto, e que impõe à administração o dever de comunicar sem a necessidade de ser requerido ou exigido por um particular, permitindo a desburocratização. 

 

Em 24 de agosto de 2007, a Lei nº 46/2007 traz consigo a segunda versão da LADA, idêntica à anterior. No entanto, com a Lei de 26/2016, de 22 de agosto exclui o excerto sobre os princípios da transparência e da publicidade em seu n.º 1, substituindo-os pelo princípio da colaboração com os particulares, expresso no atual Art.º 11 do CPA. No entanto, aplica ao n.º 2 e n.º 3 sua garantia salvaguardada. Dessa forma, a imposição dos princípios da publicidade e da transparência torna-se, ainda mais, uma parte integrante do conteúdo normativo do princípio da administração aberta. Outrossim, a LADA de 2016 ainda releva a importância do acesso ao público quanto às informações sobre o ambiente, isto devido a Diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Concelho, de 17 de novembro, igualmente vinculada a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, que dispõem sobre o tema. Em especial, este último vem a reforçar o princípio da administração aberta como algo imposto à Administração Pública ao destacar o dever da administração quanto a divulgação de informação sobre o ambiente, quanto de um modo passivo, ao indicar o acesso às informações do ambiente mediante a pedido do particular. Essas disposições em conjunto permitiram que houvesse a positivação do conteúdo do princípio da administração aberta, conforme a atual LADA em seu Art.º 10: há uma “divulgação ativa da informação” 

 

 

  1. 3. Aplicação: 

O processo de desenvolvimento do que hoje chamamos de princípio da administração aberta tem consigo um conjunto de enunciados normativos estabelecidos pela CRP, a LADA e dos princípios invocados pela lei para a sua interpretação e aplicação. Os deveres de divulgação da informação que se estabelecem sobre Administração Pública, exigidos ou não por iniciativa de um particular, são a concretização do princípio da administração aberta que pode permitir a identificação de situações onde há a força do dever gerado pelo princípio como forma de preencher as lacunas da positivação normativa específica. Para sua aplicação, portanto, releva atribuir a este princípio os deveres da administração aberta que hoje existem no ordenamento jurídico português, além de identificar as situações onde, mesmo não sendo expressamente como um dever específico, haja deveres que possam ser retirados.  


Acerca dos deveres de administração aberta, estes são possíveis de serem observados através de uma análise sobre todo o ordenamento jurídico onde haja a atuação da administração. É possível observar a cautela do legislador quanto à prestação de informação aos particulares, de modo ativo (sem a necessidade de um pedido dos particulares quanto a ser informados), ou de modo passivo (quando há a a vinculação da informação ao pedido do particular). Por outro lado, há uma vinculação da administração por alguns deveres específicos a informar, de forma a ser uma aplicação mais prática do princípio sob análise. Atualmente, existem normas pontuais que se destacam:  

  1. i) O direito aos particulares de acederem as informações administrativas de forma fácil e desburocratizada corresponde ao dever da Administração em prestar informações; 

  1. ii) A publicitação de termos sobre sua organização, funcionamento e atividade para com o maior número de particulares, de modo que estas sejam necessárias para manter a transparência administrativa;  


Há sobre esses termos algumas especificações. De acordo com a LADA atual, em seu n.º 1 Art.º 3, a intervenção do legislador quanto a delimitação da informação administrativa torna-se relevante em sua alínea a), quanto a documentos administrativos A considerar a conteúdo normativo, é possível reconhecer sua natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias nos ditames do Art.º 17 da CRP. Entretanto, destaca-se aqui sua importância, consoante a doutrina do professor Paulo Otero, quando há uma comparação ao direito à informação de um indivíduo sobre os processos em que seja interessado de forma direta, pois o princípio da administração aberta não exige que aqueles que venham requerer acesso a documentos e registos tenham um procedimento em curso a qual esteja diretamente atrelado. Ou seja, há uma efetivação da transparência e da habilidade democrática do controlo das decisões segundo a ética constitucional, sendo esta última basilar para o modo operante entre o princípio republicano, a publicidade e o direito à informação. 


O tópico b) referente ao segundo seguimento normativo traduz de modo abstrato a limitação do princípio da administração aberta quanto à transparência da administração, no Art.º 2, n.º 2: A informação pública relevante para garantir a transparência da atividade administrativa, designadamente a relacionada com o funcionamento e controlo da atividade pública, é divulgada ativamente, de forma periódica e atualizada, pelos respetivos órgãos e entidades. De forma ativa, há uma aplicação do princípio da administração aberta sobre o funcionamento e controlo da atividade pública como forma de assegurar aos particulares sua transparência. Com isso, mesmo não havendo deveres específicos relacionados com a sua publicação, ao se tratar de uma informação ou atividade que carece de ser conhecida pelos administrados de forma ampla, por este princípio, a Administração Pública possui o dever de divulgar ativamente sobre o seu conteúdo. Subtende-se que há, então, uma dependência do que a administração considerar como necessária para assegurar sua própria transparência. Contudo, todas as informações quanto à estrutura da Administração, quanto suas regras de funcionamento e procedimentos formais que sejam desenvolvidos respeitam a fronteira da transparência administrativa, por serem encargo da função administrativa e, portanto, estarem sob co controlo dos cidadãos, sem o prejuízo da proteção de dados pessoais. 


Através do Art.º 2 da LADA de 2016, há o que pode ser intitulado como a modernização da divulgação das informações administrativas através da internet, seja por meio do viés passivo do princípio da administração aberta, como através da sua vertente ativa. Torna-se também ainda mais necessário que haja uma comunicação de fácil entendimento ao indivíduo comum, integrante da comunidade dos administrados, no que tange o acesso livre e universal a todos os que solicitem ou sejam destinatários da informação sem que haja uma colisão com a norma que enuncia a restrição a esse acesso por força do princípio da proporcionalidade. Havendo a universalidade de acesso, deve também ser inteligivelmente acessível aos seus administrados a informação. A internet é uma forma de manter a interoperabilidade da comunicação administrativa, que respeita, assim, a reutilização da informação prestada. Esta Interoperabilidade obriga a administração que faça uso de meios de divulgação de informação atualizados, para além da qualidade do conteúdo informativo 


A autenticidade e integridade da informação a também se tornam pautas relevantes, a medida que para haver segurança na informação divulgada, esta deve ser materialmente verdadeira quanto ao seu conteúdo e emitida por um agente competente quanto ao conteúdo. Ou seja, deve haver um reconhecimento por parte da comunidade de administrados sobre o canal de divulgação das informações, os emissores de seu conteúdo e a veracidade das mesmas. 

 

  1. 4. Conclusão: 

Diante da evolução dos meios de divulgação da matéria administrativa, pode-se dizer que, naquilo que não colide com normas de restrição ao acesso à informação delimitadas, principalmente, por direitos fundamentais, a utilização da internet como ferramenta da administração pública aumentou ainda mais os horizontes do viés ativo do princípio da administração aberta. A legitimação do povo como o agente fiscalizador e detentor do controlo das atividades administrativas e informações que visam o princípio da transparência é a democratização da própria administração a substituir a burocracia anterior, agindo ainda mais em prol do particular, tornando a fronteira entre administração e administrados mais permeável e interativa. 

 

  1. 5. Bibliografia: 

  • . Org. Fidalgo de Freitas, T. and Delgado Alves, P. (2021). O Acesso à Informação Administrativa, por Domingos Soares Farinho p. 7-27. Coimbra: Edições Almedina.

  • . Otero, P. (2016). Direito do procedimento administrativo. Coimbra: Edições Almedina. 

  • ‌. Amado Gomes, C. and Serrão, T. (2023). Código do Procedimento Administrativo. 3.a ed. 

  • . Barbosa de Melo, A. (1981). As Garantias Administrativas na Dinamarca e o Princípio do Arquivo Aberto. Vol. VLII, p. 269-297. 

 

Eduarda Cristina dos Santos Silva, n.º Aluna: 65188, TB, Sub15.

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