Semestres

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Administração Regional Autónoma

 ADMINISTRAÇÃO REGIONAL AUTÓNOMA


1.Administração Pública


    A Administração Pública através de serviços organizados pela mesma tem como objetivo ou tarefa fundamental a de assumir todo um conjunto de necessidades coletivas que necessitam de ser satisfeitas em prol da coletividade. No entanto, o seu significado é ambíguo havendo um duplo sentido da expressão que importa esclarecer. Sendo assim, recorremos a dois sentidos que melhor descrevem este conceito:

  • Sentido orgânico ou sentido subjetivo- apresenta uma perspectiva do sentido da organização, surgindo a administração pública como organização administrativa .

  • Sentido material ou sentido objetivo- apresenta uma perspectiva do sentido da atividade, surgindo a administração pública como atividade Administrativa.

    Contudo, ainda é possível adicionar um terceiro sentido, o sentido formal, visto de uma perspectiva técnico jurídica. Neste sentido, relaciona-se o modo de ação que caracteriza a administração pública num determinado sistema de administração.

    Assim, podemos definir a Administração Pública como: 

  • “O sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar”.

    Por outro lado e através dos sentidos temos duas óticas:

  • Sentido orgânico- ”É o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar”.

  • Sentido material-  “A atividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade com vista à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem–estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes.”

    É ainda possível fazer uma divisão de modalidades na Administração Pública sendo que a alínea d) do artigo 199º da Constituição refere a competência do Governo quanto às funções administrativas tendo este que “ dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil ou militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma”, criando assim, três modalidades: a administração direta do Estado, a administração indireta do Estado e a administração autónoma.

    Contudo, a administração autónoma prossegue os interesses públicos próprios dos indivíduos que a constituem dirigindo-se à sua própria administração, definindo com independência a orientação das suas atividades, sem sujeição à hierarquia ou a superintendência do Governo ou seja, é uma administração que se dirige a si mesma, não está sujeita a orientações do Governo e são os seus próprios órgãos que definem com autonomia as suas atividades.

    Neste tipo de administração, o único poder que o Governo pode exercer é o poder de tutela (alínea d) do artigo 199º, 4º do artigo 229º e o artigo 242º) sendo este um poder de fiscalização que não permite dirigir as entidades a cargo da administração autónoma.

Dentro da administração  pública encontram-se ainda classes de entidades públicas que a desenvolvem tendo em comum o substrato humano, sendo que são compostas por agrupamentos de pessoas. Esta divisão é efetuada entre: 

  • Associações públicas

  •  Autarquias locais 

  •  Regiões autónomas dos Açores e da Madeira 

    As regiões autónomas dos Açores e da Madeira requerem um maior destaque tendo algumas especificidades quando comparadas às associações públicas e autarquias locais, estas não são apenas entidades administrativas como também representam uma descentralização política.


2.Administração Regional Autónoma


    As regiões autónomas segundo o artigo 6º da Constituição são pessoas coletivas de direito público, de população e território, que pela Constituição dispõem de um estatuto político administrativo privativo e de órgãos de governo próprio democraticamente legitimados, com competências legislativas e administrativas, para a prossecução dos seus fins específicos. Acrescenta-se ainda, o artigo 225º da Constituição que estabelece os fundamentos, os fins e os limites destas regiões de forma a completar este conceito.

    Apesar de Portugal ser um estado Unitário, este compreende as duas regiões autónomas referidas, a região autónoma dos Açores e a região autónoma da Madeira. No entanto, são uma “exceção” devido à sua posição geográfica, não sendo permitido na Constituição a formação de novas regiões autónomas em Portugal Continental com o mesmo tipo de autonomia que os já existentes territórios insulares.

    Na  Constituição da República portuguesa é determinado que cada região autónoma terá de ter um estatuto político administrativo específico que será uma lei de valor reforçado que após um processo legislativo em que as regiões se encontram presentes (229º da Constituição) será aprovado ou não pela Assembleia da República.

    Quanto aos seus órgãos, estas regiões têm órgãos de governo próprios, sendo eleitos através de sufrágio dos eleitores que residam na respectiva região.


Evolução Histórica da Autonomia


A autonomia político legislativa das ilhas dos Açores e Madeira nasceu com a Constituição de 1976. Porém, o 1º do artigo 225º da Constituição evidencia as “históricas aspirações autonomistas das populações insulares” fazendo referência à autonomia administrativa que antes de 1976 já existia e à sua evolução histórica.

Esta evolução teve início com o Decreto Ditatorial de 2 de Março de 1895 partindo da iniciativa de um Açoriano, Hintze Ribeiro, doutor em direito que criou um regime autonómico que poderia vir a  ser aplicado aos três distritos Açorianos: Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta.

    Ficou portanto estabelecido que, quando algum distrito administrativo dos Açores requeira dois terços dos cidadãos elegíveis para os cargos, o Governo poderá autorizar que nesse distrito seja aplicada a organização administrativa.

    Contudo, tal não sucedeu nos três distritos, esta organização foi apenas aplicada a Ponta Delgada e três anos mais tarde ao distrito de Angra do Heroísmo, sendo que o mesmo não se efetivou no distrito da Horta pois este não requereu a aplicação do regime autonómico. 

    Com a Carta de lei de 12 de Junho de 1901, ocorreram alterações no regime. Este tornou-se menos centralizado e passou a ser aplicado neste mesmo ano aos distritos anteriormente referidos, adicionando o Funchal. 

    Por sua vez, o Estado Novo trouxe uma nova divisão do território e da organização administrativa ao abrigo da Lei nº1967, que pôs termo à situação no distrito da Horta que até então estava sujeito à centralização plena, dirigida por Lisboa.

    Inspirados na lei anteriormente referida, foi elaborado um diploma da autoria do professor Marcello Caetano respeitante à configuração da autonomia administrativa que acabou por vigorar até 1974 sem qualquer alteração. O estatuto em questão, denominado, Estatuto dos Direito Autónomos das Ilhas Adjacentes de 1974 foi revogado devido à criação de uma Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional nos Açores e uma Junta de Planeamento que mais tarde intitulou-se como Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional na Madeira com o objetivo de haver uma transferência de funções da Administração Central para uma Administração Regional.

    Por fim, com a Constituição de 1976 as regiões autónomas dos Açores e da Madeira são finalmente conotadas como duas regiões autónomas com autonomia política e administrativa assim como com capacidade de constituição de órgãos de Governo próprio sendo exigido às regiões o ato de realizar imediatamente eleições para que, até que sejam elaborados e aprovados os estatutos definitivos, haja um regime a seguir  ainda que provisório.


Constituição e Relação dos órgãos das Regiões Autónomas


     Atualmente, os artigos 225º a 234º da Constituição são diretamente direcionados para as regiões autónomas constituídas por “órgãos de governo próprio” sendo eleitos através de sufrágio dos eleitores que residam na Região, são estes: a Assembleia Legislativa e o Governo Regional (231º Constituição). 

    A Assembleia legislativa, é eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos residentes no arquipélago e de acordo com o princípio da representação proporcional, é assim, de competência do Presidente da República a marcação da data de eleição dos deputados das respectivas Assembleias podendo também dissolvê-las livremente (172º Constituição). 

    De uma outra forma, cabe ao Representante da República de acordo com os resultados obtidos através do sufrágio, nomear o presidente do Governo Regional bem como os restantes membros deste mesmo Governo sob proposta do Presidente eleito. Deste modo, as funções do governo regional dependem da assembleia legislativa sendo que esta dispõem de amplos poderes de fiscalização não ficando dependente da vontade do Representante da República.
    Quanto ao  sistema de Governo, este diverge. O sistema de governo regional, é caracterizado pela sua estrutura, tendo características de um “sistema de tipo parlamentar” ao mesmo tempo que apresenta características de um estado Unitário, devido à existência de um Representante da República, com estatuto de residente na região, e do poder de intervenção do Presidente da República.

    Fazendo novamente referência à Assembleia legislativa, esta é composta por círculos eleitorais. Nos Açores, corresponde a cada uma das nove ilhas e na Madeira, corresponde aos municípios existentes, sendo que o número de deputados é variável em função do número de eleitores residentes, nunca podendo ser inferior a dois deputados de acordo com o princípio da proporcionalidade. 

No momento presente, as Assembleias dos Açores e da Madeira são constituídas por 57 deputados e 47 deputados respetivamente. 

    Apesar de similares, as assembleias legislativas apresentam diferenças como revelam os artigos 33º do Estatuto Político Administrativo dos Açores e o artigo 39º do Estatuto Político Administrativo da Madeira tendo a Assembleia legislativa dos Açores uma competência regulamentar mais vasta que a da Madeira. No caso dos Açores, esta região rege em exclusivo as leis e os decretos-lei assim como decretos legislativos regionais, o que não sucede na Madeira, sendo que os decretos legislativos são de competência do Governo e não da Assembleia.

    Importa ainda referir a diferença entre a assembleia legislativa e o governo regional quando relacionadas com a Assembleia da República e o Governo da República. Nas regiões autónomas, o parlamento regional tem como função exclusiva o exercício da função legislativa  enquanto que a função administrativa é partilhada entre a assembleia legislativa e o executivo regional. Diversamente, o Parlamento e o Governo, partilham a função legislativa embora a função administrativa seja uma matéria exclusiva ao Governo.

    Por sua vez, o Governo Regional é “ o órgão executivo de condução da política regional e o órgão superior da administração pública regional”. Aquando da sua formação, o Governo toma posse perante a assembleia legislativa sendo que, só entra em funções após ser apresentado nesta mesma assembleia o seu programa governamental, que será posteriormente analisado e debatido pelos deputados e especificamente no caso da Região Autónoma da Madeira, este tem ainda que ser aprovado formalmente. Durante o tempo em que não for aprovado, o governo regional exerce as funções de gestão corrente dos assuntos públicos.


Estrutura Interna do Governo


    A estrutura interna do Governo faz referência aos secretários sendo que cada secretário regional está encarregue de uma secretaria regional excepcionando o da presidência e o adjunto pois dividem entre o presidente e o vice-presidente do governo, os serviços da presidência do governo regional.

    Tendo em conta o princípio de desconcentração interna e a disposição das ilhas, no estatuto açoriano as secretarias estão divididas por Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta, em contrapartida, na Madeira constando no seu diploma orgânico do governo regional, para além do Presidente eleito e de um Vice-presidente, serão também escolhidos sete secretários correspondentes às secretarias existentes.

    De maneira idêntica, tanto o governo da República como o Governo Regional apresentam semelhanças, sendo que ambos compreendem um órgão complexo constituído por um presidente e vários secretários regionais formando o que pode ser associado como um “conselho do governo regional”.

    A organização interna das várias secções da administração Pública regional designada como secretaria regional segue um modelo parecido ao da administração direta do estado sendo que cada secretaria regional é responsável por uma secretaria geral que é qualificada como direção regional.

    Ainda no âmbito da organização, importa mencionar o 1º do artigo 227º onde são expostos os poderes das regiões autónomas devendo ser feita uma menção a alíneas em específico dado que, contêm natureza estritamente administrativa de competência dos governos regionais. Assim sendo, é possível destacar as seguintes alíneas:

d) Regulamentar a legislação regional e as leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar;(...)

g) Exercer poder executivo próprio

h) Administrar e dispor do seu património e celebrar os atos e contratos em que tenham interesse;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado (...) e outras receitas que lhe sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas;

m) Exercer poder de tutela sobre as autarquias locais;

o) Superintender nos serviços, institutos públicos e empresas públicas e nacionalizadas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na região, e noutros casos em que o interesse regional o justifique.

    Os regulamentos regionais apresentam-se como portarias, não devem obediência aos regulamentos do Governo da República tendo o mesmo valor normativo sendo que na esfera das regiões autónomas, uma portaria regional tem o mesmo valor do que um regulamento emanado pelo Governo da República.

    Quanto às alíneas mencionadas do artigo 277º, é fundamental referir a alínea g) pois esta confere às regiões autónomas o poder executivo próprio fazendo com que as restantes alíneas sejam apenas especificações à alínea g).

Já as alíneas h) e j) revelam a autonomia destas regiões autónomas tendo um papel fundamental no setor financeiro. 

    Tendo o seu próprio património e receitas, o Governo Regional administra com o objetivo de satisfazer as necessidades coletivas praticando qualquer ato ou operação necessária para obter esse mesmo fim, não esquecendo o orçamento que outrora foi aprovado na Assembleia Regional que terá sempre de ser respeitado. Para além das receitas cobradas ou geradas pelas regiões autónomas estas ainda recebem uma fração das receitas tributárias do Estado (apenas cobradas no território nacional).

    Todavia, apesar das receitas regionais serem reservadas para a satisfação das necessidades públicas encontradas pelos Governos Regionais, este modelo financeiro só é razoável por haver uma minoria de regiões autónomas em Portugal, pois caso contrário o sistema português não teria como sustentar o país. Pois, se este fosse constituído por variadas regiões autónomas com um regime idêntico ao das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, o Estado não teria capacidade de transferir de forma a ajudar todos os orçamentos regionais.

    Por último, as alíneas m) e o) devem ter em conta a alínea d) do artigo 199º que atribui ao Governo da República competências para dirigir a administração direta e exercer o poder de tutela sobre a administração autónoma.

    Como já referida anteriormente, a importância da alínea g) especifica o “poder executivo” enquanto que o artigo 81º do Estatuto dos Açores e do 2º do artigo 7º do Estatuto da Madeira, refere-se que “no âmbito das competências dos órgãos regionais, a execução dos atos legislativos no território da Região é assegurada pelo governo regional”. É então possível deduzir, que é de exclusiva competência dos governos regionais a legislação proveniente das assembleias legislativas assim como aplicar as leis emanadas dos órgãos de soberania nos respectivos territórios apenas no “âmbito das competências dos órgãos regionais”.

    Contudo, não são todas as matérias que são possíveis de legislar nas assembleias legislativas ou Governo Regional sendo necessário evidenciar que existem matérias que são de competência exclusiva do Governo da República.

Porém, questiona-se o ”âmbito das competências dos órgãos regionais” que é referido em ambos os estatutos o que leva a ser feita uma análise minuciosa do conteúdo do poder executivo próprio das regiões autónomas, sendo avaliados casos a casos, pretendendo encontrar uma solução justa respeitando os princípios presentes na Constituição tendo em conta as relações entre o Estado e as Regiões Autónomas.

    Assim, não restam dúvidas de que o Governo da República está dotado de reserva exclusiva, impossibilitando o legislador nacional de atuar no âmbito da administração dos Açores e da Madeira, não podendo assim remeter certas legislações que provêm dos órgãos de soberania com o objetivo de serem aplicadas nas regiões autónomas. Deste modo, seria importante esclarecer de forma mais clara as questões relativas à legislação emanada dos órgãos de soberania nas regiões autónomas evitando assim que qualquer matéria seja resolvida com especificidade, podendo se tornar mais geral e não diploma a diploma.


Conclusão


    Desta forma,  as regiões autónomas dos Açores e da Madeira são expressões concretas do princípio da autonomia regional consagrado na Constituição que garante que haja um governo autónomo mais próximo dos residentes com o objetivo de suprir as suas necessidades enquanto coletividade. Existe então, uma gestão descentralizada, as regiões autónomas têm capacidade de criar legislação e governar áreas específicas mas sempre dentro dos limites que estão consagrados na Constituição.

    Logo, há uma tentativa de conciliar o Estado Português denominado Unitário ao mesmo tempo que exerce uma relação com a diversidade regional contribuindo para a coesão nacional.


Bibliografia e Webgrafia:

https://www.alram.pt/pt/artigos/assembleia/o-parlamento-e-o-seu-funcionamento/

https://www.alra.pt/index.php/deputados/deputados

Constituição da República Portuguesa

“Direito Administrativo Geral- introdução e princípios fundamentais”, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos

“Curso de Direito Administrativo”, Diogo Freitas do Amaral, volume I


“Manual de Direito Administrativo”, Marcello Caetano


Trabalho realizado por: Carlota Marques, Nº68110

Sem comentários:

Enviar um comentário

Acontecimentos revolucionários no Direito Administrativo.

      Acontecimentos revolucionários no Direito administrativo:        Fazendo uma análise da evolução do direito Administrativo na sua vert...