Dispõe o nº 1 do artigo 20º da Constituição
da República Portuguesa (CRP), cuja epígrafe é “ Acesso ao Direito e tutela
jurisdicional efetiva”, que “A todos é assegurado o acesso aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.” e o nº 5 do mesmo
preceito que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e
prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças
ou violações desses direitos.”
Também o artigo 268º, nº 4, da lei
fundamental, relativo especificamente aos “Direitos e garantias dos administrados”,
prevê que “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o
reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos
administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da
prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas
cautelares adequadas.”
Assim, o princípio da tutela
jurisdicional efetiva encontra-se consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4, da
atual CRP.
A tutela jurisdicional efetiva é “um
direito fundamental, que goza de eficácia direta, o que reclama uma
interpretação que tenha por objetivo atingir o máximo reconhecimento da sua
força vinculativa.”, esclarece o Supremo Tribunal Administrativo(1), em Acórdão de
24/10/2002, Proc. 1072B/02,
Relator Santos Botelho, concluindo “(…) que no contencioso administrativo e,
para além da suspensão de eficácia dos atos administrativos, os particulares
podem solicitar aos tribunais administrativos, em especial, a adoção de outras
providencias cautelares, capazes de assegurar a tutela provisória da utilidade
que pretendem vir a obter com a procedência do processo principal.”
É de salientar que a tutela
jurisdicional efetiva que hoje caracteriza o Direito Administrativo, nos moldes
acima referidos, é resultado de um percurso legislativo que importa ter em
conta.
Até ao ano de 1976, os tribunais
administrativos eram órgãos da administração que se integravam na
presidência do conselho de ministros, geridos pelo primeiro-ministro e que não
possuíam poderes executivos. Isto é, não podiam executar as suas sentenças, como
salientou o Professor Vasco Pereira da Silva(2) nas suas aulas.
Esta realidade prolonga-se pelo menos até 2004, apesar
de em 1976 a Constituição(3) ter passado a
prever que os tribunais administrativos integrariam, pela primeira vez, o poder
judicial. Isto porque, depois desta judicialização, os juízes administrativos
não eram ainda juízes como a restante magistratura judicial, na medida em que não
podiam nem condenar nem dar ordens à administração no âmbito do poder
administrativo, estando assim limitados à anulação das decisões
administrativas.
O Professor Vasco Pereira da Silva considera
ainda que 1976 trouxe, de facto, um avanço, mas não determinou o virar da
página para uma tutela plena, completa e efetiva, cujo caminho teve, na
realidade, início em 1982. Ano em que o artigo 268º da CRP, inserido no Título
“Administração Pública”, sofreu uma primeira alteração, passando a sua epígrafe
a ser “Direitos e garantias dos administrados”, em vez de “Estrutura da
administração”, como era na Constituição de 1976. Alteração esta que marca um
primeiro passo neste caminho para a tutela jurisdicional efetiva, uma vez que, assim,
a administração começa a ter de se pronunciar, em vez de agir como fazia
anteriormente, em que os atos administrativos que afetavam os direitos e
garantias dos administrados careciam de fundamentação expressa. Ainda em 1982,
surge, no nº 3 do mesmo artigo 268º da CRP, a garantia de recurso contencioso
contra atos administrativos.
No ano de 1989, o artigo é novamente
alterado, sendo eliminada a parte relativa aos atos terem de ser definitivos e
de só serem passíveis de recurso após terem sido utilizados todos os outros
meios, passando a haver a possibilidade de recorrer mais ou menos diretamente, o
que marca outro dos passos para um contencioso pleno.
É apenas em 2004 - alerta o Professor
Vasco Pereira da Silva - que se dá o ponto de viragem no Direito Administrativo
para um acesso pleno aos tribunais administrativos. Neste sentido, é crucial
ter em conta a construção do Professor Marcello Caetano(4) de ato definitivo,
segundo a qual o ato era definitivo porque decidia o direito dos particulares
no caso concreto, e era executório porque era suscetível de execução por força
coativa. Refira-se a propósito, e como salienta o Professor Freitas do Amaral(5), que nas
primeiras edições do seu “Manual de Direito Administrativo”, o Professor
Marcello Caetano definia o ato administrativo como sendo aquele que, além de
outros elementos, consistia na aplicação da lei a um caso concreto, considerando
posteriormente, nas últimas edições, que esta definição não abrangia todas as
hipóteses de atos administrativos.
Esta noção de ato definitivo executório esteve
presente na Constituição de 1933, e até à revisão constitucional de 1989.
Concluindo, a realidade do ato definitivo executório
só desapareceu da nossa ordem jurídica na lei ordinária com a reforma de 2004
(iniciada em 2002 e com vigência em 2004), quando o critério da recorribilidade
deixou de ter na sua base o ato definitivo e executório.
Atualmente, ao contrário do ato executório e definitivo, “É garantido aos
administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses
direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos [tendo
em conta o conceito de ato administrativo previsto no artigo 148.º do Código de
Procedimento Administrativo] que os lesem, independentemente da sua forma, a
determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção
de medidas cautelares adequadas”, consagrando-se assim, no nº 4 do artigo 268º
da CRP, uma tutela jurisdicional efetiva na Administração Pública.
Bibliografia
(1)
www.dgsi.pt;
(2)
Transcrições das
Aulas Teóricas do Prof. Vasco Pereira da Silva, ano letivo 2023/24, FDUL;
(3)
Jorge Miranda, “As
Constituições Portuguesas”, 2.ª Ed, Livraria Petrony;
(4)
Marcello Caetano,
“Manual de Direito Administrativo”, 7ª e 10ª Edições, 1965 (pág.235) e 1973 (pág.
435);
(5)
Diogo Freitas do
Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2008, Almedina.
Maria Ana Gaspar, nº
66164, subturma 15, 2º B
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