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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O caminho para a tutela jurisdicional efetiva no Direito Administrativo

Dispõe o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), cuja epígrafe é “ Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva”, que “A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.” e o nº 5 do mesmo preceito que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

Também o artigo 268º, nº 4, da lei fundamental, relativo especificamente aos “Direitos e garantias dos administrados”, prevê que “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.”

Assim, o princípio da tutela jurisdicional efetiva encontra-se consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4, da atual CRP.

 

A tutela jurisdicional efetiva é “um direito fundamental, que goza de eficácia direta, o que reclama uma interpretação que tenha por objetivo atingir o máximo reconhecimento da sua força vinculativa.”, esclarece o Supremo Tribunal Administrativo(1), em Acórdão de 24/10/2002, Proc. 1072B/02, Relator Santos Botelho, concluindo “(…) que no contencioso administrativo e, para além da suspensão de eficácia dos atos administrativos, os particulares podem solicitar aos tribunais administrativos, em especial, a adoção de outras providencias cautelares, capazes de assegurar a tutela provisória da utilidade que pretendem vir a obter com a procedência do processo principal.”

 

É de salientar que a tutela jurisdicional efetiva que hoje caracteriza o Direito Administrativo, nos moldes acima referidos, é resultado de um percurso legislativo que importa ter em conta.

Até ao ano de 1976, os tribunais administrativos eram órgãos da administração que se integravam na presidência do conselho de ministros, geridos pelo primeiro-ministro e que não possuíam poderes executivos. Isto é, não podiam executar as suas sentenças, como salientou o Professor Vasco Pereira da Silva(2) nas suas aulas.

Esta realidade prolonga-se pelo menos até 2004, apesar de em 1976 a Constituição(3) ter passado a prever que os tribunais administrativos integrariam, pela primeira vez, o poder judicial. Isto porque, depois desta judicialização, os juízes administrativos não eram ainda juízes como a restante magistratura judicial, na medida em que não podiam nem condenar nem dar ordens à administração no âmbito do poder administrativo, estando assim limitados à anulação das decisões administrativas.

O Professor Vasco Pereira da Silva considera ainda que 1976 trouxe, de facto, um avanço, mas não determinou o virar da página para uma tutela plena, completa e efetiva, cujo caminho teve, na realidade, início em 1982. Ano em que o artigo 268º da CRP, inserido no Título “Administração Pública”, sofreu uma primeira alteração, passando a sua epígrafe a ser “Direitos e garantias dos administrados”, em vez de “Estrutura da administração”, como era na Constituição de 1976. Alteração esta que marca um primeiro passo neste caminho para a tutela jurisdicional efetiva, uma vez que, assim, a administração começa a ter de se pronunciar, em vez de agir como fazia anteriormente, em que os atos administrativos que afetavam os direitos e garantias dos administrados careciam de fundamentação expressa. Ainda em 1982, surge, no nº 3 do mesmo artigo 268º da CRP, a garantia de recurso contencioso contra atos administrativos.

No ano de 1989, o artigo é novamente alterado, sendo eliminada a parte relativa aos atos terem de ser definitivos e de só serem passíveis de recurso após terem sido utilizados todos os outros meios, passando a haver a possibilidade de recorrer mais ou menos diretamente, o que marca outro dos passos para um contencioso pleno.

É apenas em 2004 - alerta o Professor Vasco Pereira da Silva - que se dá o ponto de viragem no Direito Administrativo para um acesso pleno aos tribunais administrativos. Neste sentido, é crucial ter em conta a construção do Professor Marcello Caetano(4) de ato definitivo, segundo a qual o ato era definitivo porque decidia o direito dos particulares no caso concreto, e era executório porque era suscetível de execução por força coativa. Refira-se a propósito, e como salienta o Professor Freitas do Amaral(5), que nas primeiras edições do seu “Manual de Direito Administrativo”, o Professor Marcello Caetano definia o ato administrativo como sendo aquele que, além de outros elementos, consistia na aplicação da lei a um caso concreto, considerando posteriormente, nas últimas edições, que esta definição não abrangia todas as hipóteses de atos administrativos.

Esta noção de ato definitivo executório esteve presente na Constituição de 1933, e até à revisão constitucional de 1989.

 

Concluindo, a realidade do ato definitivo executório só desapareceu da nossa ordem jurídica na lei ordinária com a reforma de 2004 (iniciada em 2002 e com vigência em 2004), quando o critério da recorribilidade deixou de ter na sua base o ato definitivo e executório. Atualmente, ao contrário do ato executório e definitivo, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos [tendo em conta o conceito de ato administrativo previsto no artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo] que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”, consagrando-se assim, no nº 4 do artigo 268º da CRP, uma tutela jurisdicional efetiva na Administração Pública.

 

 

 

Bibliografia

 

(1)   www.dgsi.pt;

(2)   Transcrições das Aulas Teóricas do Prof. Vasco Pereira da Silva, ano letivo 2023/24, FDUL;

(3)   Jorge Miranda, “As Constituições Portuguesas”, 2.ª Ed, Livraria Petrony;

(4)   Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, 7ª e 10ª Edições, 1965 (pág.235) e 1973 (pág. 435);

(5)   Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2008, Almedina.

 

 

Maria Ana Gaspar, nº 66164, subturma 15, 2º B

 

 

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