ALTERAÇÃO
CONSTITUCIONAL DE 1982 - O RECURSO CONTENCIOSO DO ATO ADMINISTRATIVO
«INDEPENDENTEMENTE DA SUA FORMA» E A DIMENSÃO SUBJETIVA NO CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO
1. Introdução/contextualização
Com a revisão constitucional de 1982,
o artigo 268.º passou a prever a possibilidade de utilizar o recurso
contencioso contra quaisquer atos administrativos «independentemente da sua
forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse
legalmente protegido». O caminho para a subjetivação da justiça administrativa
começa aqui. Porém, para que ocorra um maior entendimento por parte do leitor,
vou proceder a uma contextualização no que se refere à evolução do conteúdo
desta alteração constitucional.
Na
versão originária da Constituição da República Portuguesa de 1976, consagrou no
artigo 269 nº2, a garantia de recurso contencioso contra atos administrativos,
nos seguintes termos:
– «É garantido aos interessados recurso
contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer atos administrativos
definitivos e executórios».
Indubitavelmente, esta representava uma garantia fundamental do Estado de Direito democrático, que, à primeira vista, parecia atender às necessidades que a motivaram. Contudo, não obteve concretização prática, tendo como efeitos a rejeição de recursos contenciosos de atos administrativos contidos em atos legislativos ou praticados sob a forma de atos legislativos, com o fundamento de não serem atos administrativos mas sim atos legislativos.
Existia, portanto, “um entendimento formal e
conceptualista do direito de acesso aos tribunais administrativos” (expressão
utilizada no Acórdão nº421/2020 cujo relator é João Pedro Caupers), sendo este
também o entendimento dominante no âmbito da Constituição de 1933,
prevalecendo, então, a forma sobre a substância.
Esta posição tinha um grande aliado que era o artigo 16 da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, no qual referia:
«não são susceptíveis de recurso contencioso:
1º As leis e resoluções da Assembleia Nacional
e os decretos-leis e regulamentares;
(…)».
Por esta razão, na revisão constitucional de
1982, foi alterado o nº2 do artigo 269 da Constituição, na sua versão
originária, o qual passou para o nº3 do artigo 268, com a seguinte redação:
– «É garantido aos interessados recurso
contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos
administrativos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, bem
como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente
protegido»
Digamos que as mutações que o
contencioso administrativo sofre podem ser facilmente percetíveis através das
alterações que sofreu o artigo 269.º da CRP de 1976, na sua versão originária,
nas posteriores revisões constitucionais.
Por outro lado é com a revisão de 1989, em particular com o
aditamento do n.º 5 ao artigo 268.º, que se vem reforçar ainda mais o princípio
da tutela jurisdicional efetiva, prevendo-se expressamente «o acesso dos
administrados à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos», o que, segundo GOMES CANOTILHO, permite que
falemos hoje do «princípio da plenitude da garantia jurisdicional
administrativa». Neste sentido, a garantia constitucional faz corresponder a
qualquer ilegalidade, ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos,
uma forma adequada de garantia jurisdicional. Falarei mais detalhadamente
acerca deste princípio mais à frente.
A
revisão constitucional de 1997 trouxe com ela as disposições que atualmente
correspondem aos números 4 e 5 do artigo 268.º, que foram, sem dúvida, muito
importantes para o fortalecimento de um contencioso de feição subjectivista. Após
a revisão constitucional de 1997, a disposição, que se encontra sob análise
neste trabalho, está presente no artigo 4.º do artigo 268º, mantendo-se, com
algumas alterações introduzidas entretanto:
- «é garantido aos interessados recurso contencioso, com
fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos,
independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses
legalmente protegidos».
Obviamente, que
houve outras alterações no âmbito administrativo que merecem ser alvo de
atenção, como foi o facto do juiz administrativo se ter tornado, de acordo com
o professor Vasco Pereira da Silva, um “verdadeiro juiz”, por ter em sua posse
novas competências que lhe permitem, por exemplo, “dar ordens” e “condenar” a
própria Administração, tendo surgido esta prática na realidade portuguesa
apenas após a revisão constitucional de 2004. Porém, estas alterações
constitucionais e administrativas que estão a ser referidas por mim, apenas têm
como objetivo localizar o leitor quanto ao espaço e ao tempo, relativamente àquela
que vai ser a revisão constitucional com mais foco neste trabalho: a revisão constitucional
de 1982.
O
ponto de partida da minha análise em relação à alteração ocorrida vai incidir
sobre a inclusão da expressão "independentemente da forma". Esta
adição resultou, tal como é referido no Acórdão n.º 499/1996, na
transição de um “entendimento formal e conceptualista do direito
de acesso aos tribunais administrativos por uma visão material, assente numa
ideia de justiça orientada teleologicamente (afectada à tutela de direitos ou interesses)
”. Essa mudança visa
alinhar o Direito com a vida. Como salienta Cabral de Moncada, é imperativo que
o Direito esteja ao serviço da vida, da mesma forma que o pensamento deve
acompanhar a evolução da sociedade.
Embora, por vezes, faça referência a alterações constitucionais relativas ao artigo 268.º da CRP, decorrentes de outras revisões que não a de 1982, o meu foco irá se centrar na origem, desenvolvimento e consolidação da alteração constitucional ocorrida em 1982, principalmente no âmbito administrativo.
2. Eventos que antecederam a revisão constitucional de 1982
No contexto da Constituição de 1933, já se debatia a questão do recurso de atos administrativos incluídos em atos legislativos e regulamentares, ou praticados sob as formas legislativa e regulamentar. A visão predominante era de que tais atos não eram passíveis de recurso, mas é importante destacar que havia alguns acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que defendiam uma orientação contrária (cfr. v.g. Acórdãos STA, de 7-7-66 e de 20-10-67, in Acórdãos Doutrinais, nos. 60, pág. 1583, e 74, pág. 161).
2.1.
Dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo
Como forma de abordar os antecedentes próximos da
revisão constitucional de 1982 existem dois acórdãos que nos podem elucidar
acerca da realidade administrativa em que as pessoas se encontravam. São eles:
1
Acórdão do
STA, 1.a Secção, de 12 de Dezembro de 1974;
2
Acórdão do
STA, 1.a Secção, de 31 de Janeiro de 1980.
2.1.1.
Acórdão do STA, 1.a Secção, de 12 de Dezembro de 1974
Neste caso, o Supremo Tribunal Administrativo analisou o recurso relativo ao ato de demissão da função pública mencionado no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 277/74 (“São demitidos da função pública todos os funcionários da extinta Direcção-Geral de Segurança ou polícias suas predecessoras, bem como os seus informadores e aqueles que nelas prestaram serviço em comissão”). Os recorrentes consideraram-no uma decisão definitiva e executória da Administração, apesar de ser realizada através de decreto-lei.
O Ministério Público levantou a questão preliminar da ilegalidade do recurso, com base no artigo 16º, nº 1, da Lei Orgânica do STA, argumentando que não havia sequer um ato administrativo para ser objeto de recurso. O recurso foi rejeitado devido à incompetência do Tribunal, considerando, por exemplo, as disposições dos números 1 e 2 do artigo 16º da LOSTA em que referem que não são susceptíveis de recurso contencioso: as leis e resoluções da Assembleia Nacional e os decretos-leis e regulamentares (artigo 16 nº1 da LOSTA); os atos de competência própria do Presidente da Republica e os atos do Governo de conteúdo essencialmente político (artigo 16 nº2 da LOSTA).
Em
suma, o STA concluiu que a situação deveria ser considerada “ou se trata de
acto administrativo”, mesmo que integrado num ato legislativo, ou como um ato
legislativo, estando sujeito à não interferência nos termos precisos dos
números 1 e 2 do artigo 16º da mencionada Lei Orgânica.
2.1.2. Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 31-01-1980
No caso do Acórdão em questão, trata-se de um recurso contencioso apresentado pela Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios em relação ao Decreto-Lei n.º 138/79, de 18 de maio, «na parte em que esse diploma tem a natureza e o conteúdo de acto administrativo definitivo e executório».
Especificamente, foram questionados o nº9 do artigo 4º
e o nº1 do artigo 8º desse Decreto-Lei, nos quais se estabeleceu que “todos os produtores de leite, com excepção
dos produtores de leite especial, são obrigados a entregar nos locais de
recolha, nas condições do art.º 3.º deste decreto-lei e com observância do
preceituado no n.º 1 deste artigo, o leite destinado a ulterior comercialização
em natureza ou sob qualquer outra forma”
(artigo 4º, nº9), declarando que
«na zona de recolha organizada, a concentração do leite deva pertencer às
uniões de cooperativas agrícolas de produtores de leite ou instituição
cooperativa de grau superior, ou às próprias cooperativas agrícolas de
produtores de leite do 1.º grau, se tiverem aquela dimensão».
O Ministério Público emitiu um parecer argumentando
pela impossibilidade de recorrer do ato impugnado, com base no disposto no
artigo 16º, nº1, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (LOSTA).
O STA rejeitou o recurso com base na justificativa de
que «nos termos do art.16, nº1, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal
Administrativo, os decretos-leis não são susceptíveis de recurso contencioso».
2.2.
Reflexão sobre os dois Acórdãos
A verdade é que o Supremo Tribunal Administrativo
nestas suas duas decisões demonstra que dava notoriamente prevalência à forma
em relação à matéria/substância, estando este seu entendimento sempre
legalmente protegido pelo artigo 16º da LOSTA. Contudo, este entendimento fazia
com que não estivessem protegidos os titulares de direitos e interesses
legalmente protegidos.
Por esta razão, era crucial que ocorresse uma
alteração a nível constitucional e administrativo para que pudesse clarificar
as seguintes questões: delimitação das funções do Estado e da forma dos atos
jurídico- públicos.
É conhecido que o Governo tem a capacidade de
desempenhar funções políticas, legislativas e administrativas, resultando daí a
prática de atos políticos, legislativos e da função administrativa,
respetivamente. Por outro lado, a estrutura legal pode determinar, como era e
ainda é o caso, que esses atos assumam uma forma específica (lei, decreto-lei,
decreto regulamentar, resolução do Conselho de Ministros...).
Ora, sendo o Governo um órgão político, um
órgão legislativo e um órgão administrativo, qual será o critério decisivo para
a distinção entre ato político, ato legislativo e ato da função administrativa?
Nós não podemos dizer que, apenas, por
estarmos perante um ato sob a forma de decreto-lei trata-se de um ato
legislativo. Muitas foram as vezes em que o órgão responsável por determinado
ato revestiu-o sob uma forma que, verdadeiramente, não lhe corresponde, somente
com o objetivo de impedir a fiscalização contenciosa de um acto administrativo.
Como refere o Acórdão do STA de 24-04-2013 processo nº0251/13, estamos perante
um ato legislativo se ele se
caracterizar pela generalidade e a abstracção, uma vez que se estiver perante
uma decisão individual e concreta incorporada numa lei já se estará perante um
acto administrativo, que pode ser objecto de impugnação nos tribunais
administrativos, justamente, por apesar de surgir sob a forma de lei,
incorporar um comando individual e concreto, que regula a situação individual e
concreta de uma pessoa, entidade ou bem.
Tanto o critério
orgânico como o critério legislativo não são suficientes para distinguirmos,
adequadamente, entre acto político,
acto legislativo e ato da função administrativa. Com isto, e através de, por
exemplo, uma expressão presente no Acordão do STA de 24-04-2013 processo
nº0251/13 (“é por demais notório o
erro em que incorreu o despacho em recurso ao considerar que se estava perante
um acto normativo, uma vez que, apesar de constar de uma lei em sentido formal,
materialmente está-se perante uma
decisão que, alegadamente com base na aplicação de regras e princípios
previamente definidos por outra lei, procedeu à definição da situação
individual e concreta da ora requerente enquanto pessoa colectiva, determinando
a cessação da sua existência jurídica”) podemos concluir que o critério material é decisivo para fazer
a tal distinção.
O
assunto em questão é, como se evidencia, de extrema importância para a
estrutura do sistema jurídico-administrativo, especialmente no que diz respeito
à avaliação dos atos pelos órgãos
competentes e à consequente proteção dos direitos e interesses legítimos dos
indivíduos.
Neste contexto e
com o objetivo de afirmar claramente os valores em questão, ocorreu a alteração
constitucional de 1982, seguida por modificações legislativas correspondentes,
das quais abordarei de imediato.
3. A revisão
constitucional de 1982 e as respetivas alterações legislativas
Em
relação ao que acabou de ser dito acho interessante e pertinente a seguinte
intervenção de Vital Moreira na Reunião Plenária de 22 de julho de 1982:
O Sr. Vital Moreira (PCP): -
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queremos deixar de sublinhar a importância
das alterações constantes deste novo artigo 268.º- anterior 269.º- que se
consubstanciam em quatro passos importantes no sentido de aumentar a garantia
dos administrados perante a Administração. Esses quatro passos são: o princípio da
notificação das decisões administrativas; o princípio da sua fundamentação; o
princípio do recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos
independentemente da sua forma; e, finalmente, a admissão de recurso, não
apenas anulatório, mas também para o reconhecimento de direitos ou interesses
juridicamente protegidos.
Estas duas últimas alterações, designadamente a
abertura expressa e explícita do recurso de anulação de actos administrativos,
independentemente da sua forma - isto é, independentemente de serem cobertos
por forma regulamentar ou mesmo legislativa - e a admissão do recurso positivo
de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, constituem,
só por si, uma pequena revolução nesta
matéria, que importa sublinhar e com a qual nos congratulamos.” (cfr.
Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 125, de 23-7-82, pág. 5269).
A revisão constitucional de 1982 modificou o compromisso inicial do contencioso administrativo, reforçando a sua ênfase na proteção jurídica. A Constituição da República Portuguesa (artigo 268º, nº3) ainda mantém a garantia de recurso contencioso com base na ilegalidade contra atos definitivos e executórios. No entanto, introduz dois elementos adicionais, tal como já foram referidos:
· Aplica-se
a qualquer tipo de ato, independentemente
da sua forma, tal como já foi falado;
· Destina-se
a obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. Essa
referência incorpora uma dimensão
subjetiva no contencioso, inclinando-se para a proteção dos direitos
individuais, em contraponto ao compromisso original que fundamentava a justiça
administrativa.
Esta subjectivação do modelo
de justiça administrativa vai intensificando-se a partir da revisão de 1982,
tendo sido importante para este processo, uns anos depois, a alteração da legislação processual de
1984/85 (ETAF e LPTA), assistindo-se a um alargamento do âmbito do contencioso
administrativo e a uma intensificação da proteção dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.
O professor Vasco Pereira da
Silva destaca que o artigo 268º, nº4, da Constituição da República Portuguesa,
com a revisão constitucional de 1997, promove uma mudança integral na lógica do
Contencioso Administrativo, caracterizando esse fenómeno como uma verdadeira
revolução "coperniciana". Essa transformação desloca o foco do
processo administrativo para a efetiva proteção dos direitos dos particulares.
Essa mudança resulta num sistema claramente subjetivista, colocando sobre os
juízes a responsabilidade pela efetiva supervisão da legalidade administrativa.
Nesse sentido, atribui à administração a responsabilidade pelas escolhas mais
adequadas para atender aos interesses da comunidade.
3.1. Conceção de ato administrativo
Na conceção do ato administrativo, houve alterações no compromisso constitucional:
· Por
um lado, manteve-se a ideia de ato definitivo e executório; por outro lado,
adotou-se uma perspetiva material do ato administrativo, permitindo a
impugnação de decisões individuais e concretas.
· Essa
visão democratizada do ato administrativo reflete-se também na ampliação dos
direitos fundamentais dos indivíduos perante a administração, consagrada pela
revisão constitucional de 1982, como é o caso do direito à notificação e à
fundamentação das decisões administrativas (artigo 268º, nº2).
· O
dever de fundamentação traduz a relação interdependente entre o direito
constitucional e o direito administrativo. Esse dever legal foi estabelecido
pelo legislador ordinário como uma forma de garantir os direitos
constitucionais perante a administração. No entanto, mais tarde, esse dever foi
incorporado no texto constitucional como um direito autónomo, como resultado
desse tratamento legislativo.
3.2. A Acção para Tutela dos Direitos ou Interesses Legalmente Protegidos
A acção para reconhecimento de
direito ou interesse legalmente protegido surgiu com a revisão constitucional
de 1982, que, ao alterar o (atual) artigo 268.º, iniciou um processo lento de
delimitação dos contornos do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Com a revisão de
1982, o artigo 268º, nº 3, da Constituição veio introduzir uma nova figura que,
ao alterar o artigo 268, iniciou um processo lento de delimitação dos contornos
do princípio da tutela jurisdicional efectiva – a ação para reconhecimento de
um direito ou interesse legalmente protegido.
A figura em
questão enfrentou, entre o ano de 1982 a 1997, uma polémica em torno das reais
capacidades e potencialidades deste meio processual. Muitas foram as
interrogações relativas à interpretação da norma presente no artigo 69 nº2 da
LPTA no que diz respeito à extensão do meio processual estabelecido pelo nº1 do
mesmo artigo, especialmente quando a situação jurídico-administrativa
específica tenha sido definida por meio de algum ato administrativo.
Sobre este assunto e após alguma
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ter defendido a
inconstitucionalidade do referido número 2 do artigo 69.º (conferir, por
exemplo, o Acórdão de 19.04.94 proferido no Recurso 33191), consolidou-se jurisprudência no sentido de
que o legislador constitucional pretendia, ao consagrar a garantia contenciosa
para o reconhecimento de direitos ou interesses legítimos, que esta não fosse
um meio alternativo, mas sim complementar, destinado a ser utilizado apenas nos
casos em que a lei não fornece aos administrados os instrumentos processuais
adequados para a tutela jurisdicional dos seus direitos ou interesses
legítimos.
Portanto,
a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se
no entendimento de que não é viável recorrer à ação para o reconhecimento de um
direito quando existe um ato administrativo impugnável. A impugnação desse ato,
em execução do julgado, permite a plena satisfação da pretensão apresentada à
Administração. Contudo, nos casos em que não existe um ato administrativo passível
de impugnação, a utilização da ação para o reconhecimento de um direito é
admissível. Este entendimento alinha-se com a "teoria do alcance
médio", mencionada por Vieira de Andrade.
Neste
sentido, podem ser consultados os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo:
·
de 9-5-1996,
recurso n.º 37415, publicado em Apêndice ao Diário da República de 23-10-98,
página 3341;
·
de 19-11-1998,
recurso n.º 42223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 6-6-2002,
página 7261;
·
de 24-5-2001,
recurso n.º 47359, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-8-2003,
página 4191;
Porém,
tal como refere Rui Chancerelle de Manchete, “havia
alguns autores que defendiam o uso alternativo dos meios contenciosos fora
evidentemente dos casos clássicos em que a acção já era admitida em matéria de
interpretação de validade e execução dos actos administrativos e em matéria de
responsabilidade extracontratual da Administração e, eventualmente, em matéria
do domínio público, questão que nunca foi bem esclarecida e que já era prevista
no Código Administrativo de 40”. Esses autores concordavam precisamente com base no princípio da
tutela efetiva que, em situações em que existissem limitações insuportáveis na
obtenção de prova, comprometendo assim os direitos ou interesses legítimos, se
procedesse à mudança dos recursos para as ações.
Em
suma, tive o cuidado de abordar a alteração
constitucional de 1982, destacando a sua origem, o seu impacto no Direito
Administrativo e os desenvolvimentos subsequentes no âmbito legislativo.
Escolhi este tema por considerar uma matéria de uma importância
inquestionável no que diz respeito ao direito administrativo, e não só, tendo
representado um ponto de viragem na sua história que garantidamente, se não
fosse a alteração ocorrida em 1982, estaríamos perante uma realidade
administrativa bem diferente daquela que nos encontramos neste momento, visto
que, a meu ver, foi como que uma “alavanca” para o surgimento da tal subjectivação
da justiça administrativa, que na prática, inicialmente, foi parcial, mas que
com as revisões constitucionais posteriores esta subjectivação foi se
acentuando cada vez mais. Já para não falar do aditamento da expressão
“independentemente da sua forma” com a revisão de 1982, tendo sido também muito
importante para a proteção dos direitos e interesses legítimos dos indivíduos.
Esta análise toda passa muito, essencialmente, sobre o artigo
168.º da CRP, que é considerada por Vasco Pereira da Silva como sendo uma
“norma mais que perfeita”, principalmente por causa dos números 4 e 5 do artigo
em questão, pelo facto de estar previsto aí a garantia de que os direitos dos
administrados da República Portuguesa se encontram efetivamente tutelados e
defendidos.
Bibliografia
SANTOS
BOTELHO, in “Contencioso Administrativo”, 1995, pág. 263.
MONCADA, CABRAL DE, Filosofia do Direito e do Estado, Vol. II, Atlântida Editora, 1996.
Vasco Pereira
da Silva, “Em busca do acto administrativo perdido”.
Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise”.
Cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Ed., Almedina,
Coimbra, 1991, p. 672
Rui Cardoso
nº68149
Subturma 15,
Turma B
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