A Hierarquia Administrativa
Breve introdução temática
A organização Administrativa Portuguesa está sujeita a vários princípios constitucionais, que visam facilitar o respeito da legalidade, a aproximação da administração aos particulares e o respeito dos seus direitos, sendo dois deles o princípio da descentralização e o princípio da desconcentração, ambos consagrados no nº 2 do artigo 267.º da Constituição da República portuguesa. O primeiro consiste na “distribuição” de responsabilidade administrativa a outras pessoas coletivas para além do Estado, uma vez que o segundo, se baseia na repartição de competências de uma mesma pessoa coletiva, em diversos órgãos.
Para assegurar a unidade de acção da administração descentralizada, desconcentrada e plural, a Constituição da República portuguesa contempla na alínea d) do artigo 199.º os poderes do governo, sendo eles o poder de direção (Hierárquica) sobre a administração direta, os poderes de superintendência sobre a administração indireta, e os poderes de tutela sobre a administração autónoma.
Mas o que é então a Hierarquia ou poder de direção? Iremos agora aprofundar este tema.
Conceito e espécies de hierarquia
Conceito
Se me permitem a apreciação pessoal, uma das melhores definições relativamente a este tema é a do professor Freitas de Amaral, na sua obra, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª edição, 2015, Almedina Editora, que no seu entender, a hierarquia “é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subalterno o dever de obediência”.
Para o professor Freitas de Amaral, os traços específicos que caracterizam o modelo hierárquico são, a existência de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos (para haver hierarquia), a atuação do superior e do subalterno ter de corresponder á prossecução de atribuições comuns, e por último uma relação interorgânica, que se carateriza por um vínculo jurídico que estabelece o poder de direção do superior e o dever de obediência do subalterno, a este vínculo jurídico típico dá-se o nome de relação hierárquica.
Outra definição é a do professor Vasco Pereira da Silva, na obra, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Almedina, 2023, na qual afirma que “o poder de direcção hierárquica consiste, nomeadamente, na possibilidade de dar ordens e instruções vinculativas para os subalternos.”
Estas, na minha opinião, são duas definições que exemplificam e caracterizam detalhadamente o conceito e relação de Hierarquia entre superior e subalterno.
Espécies
Uma vez que já percebemos um pouco sobre o conceito, importa agora identificar a principal distinção de modalidades de hierarquia, sendo ela a diferenciação entre hierarquia interna e hierarquia externa.
A hierarquia interna, segundo o professor Freitas de Amaral é uma “hierarquia de agentes” e caracteriza-se por ser um modelo de organização administrativa que tem por âmbito natural o serviço público. Neste tipo de hierarquia, deparamo-nos com vínculos de superioridade e subordinação, e tem como funções principais, a divisão de trabalho entre agentes, assim como o professor Freitas de Amaral afirma ao dizer “ser o modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos” e o desempenho regular das tarefas do serviço. Diz-se interna, porque o seu efeito não atinge particulares e fica contido dentro do organismo. Esta diferenciação e divisão de trabalho entre os agentes não distingue apenas os superiores dos subordinados, como também origina uma “hierarquia de chefias”, que segundo o professor Freitas de Amaral consiste na atribuição de responsabilidades de comando a alguns subalternos, de forma a manter a eficiência do serviço, tornando-se assim “subalternos superiores”.
A Hierarquia externa é diferente da anterior, uma vez que o seu foco principal é a pessoa coletiva pública e tem como objetivo o ordenamento dos poderes jurídicos, ou seja, a repartição das competências entre os órgãos.
Esta “hierarquia de órgãos” permite a pratica de atos administrativos por parte dos subalternos, com eficácia externa, o que quer dizer que os efeitos influenciam outros sujeitos do direito fora da pessoa coletiva onde foram praticados estes atos externos.
Poderes e deveres na Hierarquia
Poderes
Após a explicação sobre o conceito de hierarquia administrativa, conseguimos perceber que o ponto essencial sobre a mesma é o vinculo que é criado entre o superior e o subalterno. Através desta relação, são estabelecidos poderes (do superior) e deveres (do subordinado).
O superior tem três poderes: o poder de direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar.
O poder de direção consiste na capacidade do superior dar ordens e instruções ao subalterno. Importa realçar a diferença entre ordens e instruções, uma vez que as primeiras são individuais e concretas, ou seja, uma conduta especifica, enquanto que as segundas são gerais e abstratas e dizem respeito ao futuro e a situações previstas.
O poder de supervisão caracteriza-se na capacidade do superior revogar (depende do grau de desconcentração), anular ou suspender os actos administrativos praticados pelo subalterno quer seja por iniciativa própria ou interposto pelo interessado.
Por fim, o poder disciplinar consiste na faculdade do superior punir o subalterno, através de sanções previstas na lei, consoante a respetiva infração.
Discute-se ainda se há ou não mais poderes que podem ser considerados hierárquicos, sendo eles : o poder de inspecção, o poder de decidir recursos, o poder de decidir conflitos do poder de substituição.
Deveres
O subalterno tem deveres, que consistem no dever de obediência, que segundo o professor Freitas de Amaral “é a obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob forma legal” consagrado no nº8 do artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante LGTFP). Para além deste dever, há também o dever de imparcialidade, assiduidade, informação, zelo, correção, prossecução do interesse público, isenção, lealdade, e pontualidade, presentes no nº 2 do artigo 73.º da LGTFP. Para existir dever de obediência, a ordem tem de vir de um superior hierárquico legitimo, sejam dadas em matéria de serviço e de forma legalmente prescrita, se não respeitar estes requisitos, não há dever de obediência, uma vez que é extrinsecamente ilegal, segundo o nº8 do artigo 73.º da LGTFP.
O que prevalece, a lei ou a hierarquia administrativa?
O que fazer se a ordem for intrinsecamente ilegal, e signifique a prática de um acto ilegal ou mesmo ilícito? O subalterno deve obedecer, uma vez que é responsável pelas suas decisões e tem competência para examinar a legalidade dos comandos hierárquicos?
O primeiro ponto a se reter é que vigora o princípio de Estado de Direito Democrático, em que a Administração Pública está submetida á lei, ao abrigo do nº2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
Surgem então duas correntes doutrinárias. A corrente hierárquica, defendida por Laband e Marcello Caetano que consiste sempre no dever de obediência, uma vez que que não assiste ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das determinações do superior, o máximo que pode fazer é expor as suas dúvidas, porém tem de cumprir a ordem. Por outro lado, a corrente legalista, defendida por João Tello de Magalhães Collaço e Freitas de Amaral, que consiste na faculdade do subalterno não obedecer á ordem sempre que a mesma seja a prática de um crime ou acto nulo. Atualmente, o sistema que prevalece é um sistema legalista mitigado, onde não há dever de obediência quando as ordens não provém de um legitimo superior hierárquico, ou em matéria de serviço e em forma legal ( CRP, art 271.º, n.º 2 e LGTFP, art. 73.º, n.º 8) ou quando são crimes (CRP, art. 271.º, n.º 3) ou actos nulos (CPA, art. 162.º, n.º 1). Todas as restantes exigem o dever de obediência, porém se forem ordens ou instruções ilegais (sem ser um crime ou nulidade), o subalterno pode ficar excluído da responsabilidade das consequências se reclamar ou pedir a transmissão/confirmação por escrito das ordens (LGTFP, art. 177.º, n.º 1 e 2), quando se exige cumprimento imediato, basta haver reclamação com a sua opinião sobre a ilegalidade (LGTFP, art.177.º, n.º 4). Se o subalterno tiver realizado qualquer uma das alternativas anteriores antes de executar a ordem, existem duas hipóteses até chegar a resposta do superior, segundo o n.º3 do artigo 177.º da LGTFP: Se não houver prejuízo para o interesse público, o subalterno atrasa a realização da ordem e permanece á espera da resposta do superior, se houver prejuízo, deve comunicar logo por escrito os termos da ordem e a sua opinião quanto á mesma, e em seguida executa a tarefa evitando assim prejuízos públicos.
Breve conclusão
Resumidamente, conseguimos perceber que a hierarquia é extremamente relevante na administração, uma vez que permite uma organização vertical da mesma, enquanto que, através dos princípios da descentralização e da desconcentração permite ao governo manter um certo tipo de controlo por todo o país. Outro pormenor a destacar é a importância do vínculo da relação hierárquica existente entre o superior e o subalterno, bem como os respetivos poderes e deveres que devem ser respeitados por ambos.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4ª Edição, 2015, Almedina;
SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras , Reimpressão, 2023, Almedina;
Tiago Rita nº66468
Subturma 15, Turma B
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