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sábado, 25 de novembro de 2023

 

A DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS AUTARQUIAS

Num Estado de Direito Democrático, os poderes administrativos não se encontram exclusivamente concentrados no Estado como órgão próprio. Pelo contrário, encontram-se repartidos por um conjunto de pessoas coletivas públicas distintas, regidas por princípios fundamentais relativos à organização e funcionamento da administração pública nomeadamente, pelo princípio da autonomia das autarquias.

Como ponto de partida do meu comentário, que incide sobre a descentralização administrativa e o princípio da autonomia autárquica, considero relevante perceber em que consiste a administração pública. Prevista no Título IX da Constituição da República Portuguesa (CRP), esta administração tem como objetivo a prossecução de interesses públicos e de direitos da comunidade coletiva, bem como a aproximação do sistema administrativo aos particulares, que estarão certamente mais envolvidos na gestão administrativa, tal como consta no art.266 nº1 CRP. Visa ainda, nos termos do art.266 nº2 CRP, atuar segundo os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé.

TRILOGIA DA ADMINISTRAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E AUTONOMIA AUTÁRQUICA

Deste modo, é necessário que a organização administrativa compreenda um conjunto de princípios constitucionais nucleares que possibilitem o exercício dos objetivos referidos anteriormente. É neste sentido que surge a descentralização, a subsidiariedade prevista no art.6 nº1 CRP, a desconcentração que consta no art.267 nº2 CRP, e a unidade da ação administrativa. Princípios que têm como finalidade facilitar o desempenho da administração pública.

O princípio da descentralização, previsto nos arts.6 nº1, 237º e 267 nº2 CRP, encontra lugar de destaque no meu comentário pelo facto de corresponder ao “ímpeto constitucional mais notório no sentido de uma repartição de poder entre o Estado e os municípios”1. Neste sentido, a descentralização implica a partilha com outras pessoas coletivas públicas próprias, no exercício das funções do Estado, de um conjunto de poderes que se revelam partilháveis. Este processo descentralizador realiza-se através da transferência de atribuições e competências do Estado para outras pessoas coletivas, tendo como objetivo assegurar a coesão nacional, a solidariedade entre regiões e uma maior eficácia a nível da gestão pública. Reflete-se assim, uma descentralização democrática e pluralista, no sentido em que se dá, segundo o Senhor Professor João Caupers, o reconhecimento de que o Estado não dispõe do monopólio da prossecução do interesse público.

Importa referir que a descentralização assume várias vertentes porque não se limita a ser territorial, sendo também comunitária e administrativa, o que comporta necessariamente a autonomia administrativa como condição indispensável, ainda que não por excelência.

Esta base da organização administrativa encontra-se atualmente, presente em Portugal. Nos termos do art.6º CRP, a República portuguesa compreende um Estado Unitário regional, em que prepondera uma unidade de soberania na ordem interna do Estado, a cargo do Presidente da República, do Governo, da Assembleia da República e dos Tribunais, previstos no art.110º CRP como órgãos de soberania. Este poder administrativo, ainda no quadro unitário do Estado é por sua vez, estendido a outras pessoas coletivas nomeadamente, às autarquias admitidas na organização democrática do Estado português. Logo, são lhe transferidas várias competências, bem como têm atribuições próprias. É de salientar que estas atribuições estão limitadas e dependem da verificação de condições económicas e sociais dinâmicas.

Surge assim, em resultado desta descentralização, uma “trilogia constitucional de setores da organização administrativa”2, onde se inclui a administração direta, indireta e autónoma. A administração direta diz respeito à que é exercida pelo próprio Governo, enquanto órgão superior da administração pública constante no art.182º CRP. É de salientar que este órgão de condução da política geral do país é composto por ministérios que compreendem serviços executivos, de controlo, de auditoria, fiscalização e coordenação. Dentro destes ministérios distingue-se por exemplo, o dos negócios estrangeiros, da justiça, das finanças, dos assuntos parlamentares, da economia e do mar, da Presidência e da administração interna.

Por sua vez, a administração indireta consiste na prossecução dos fins estaduais por pessoas coletivas públicas distintas do Estado, entre as quais, institutos, fundações ou entidades públicas. O recurso às mesmas pelo Estado tem em vista facilitar e tornar mais eficiente a função administrativa, visto que, à partida, estas pessoas coletivas encontrar-se-ão numa relação de maior proximidade com os particulares.

Quanto à administração autónoma, com particular relevância neste trabalho, verifica-se ainda uma autonomia maior a nível da descentralização administrativa. Trata-se de uma “autoadministração”3 incumbida a pessoas coletivas públicas, dotadas de fins próprios e que prosseguem o seu exercício em paridade com os objetivos prosseguidos pelo próprio Estado. Esta administração compreende entre outras pessoas coletivas, as autarquias locais, previstas no art.235º CRP e seguintes, onde se pressupõe individualidade.

Importa ainda referir que, a par destas três modalidades de administração pública previstas na CRP, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva acrescenta duas outras. Entre estas, distingue-se a administração pública sob a forma privada, caracterizada pelos seus capitais público-privados, em que o Estado tem a última palavra. Por sua vez, na administração independente, o Estado limita-se a orientar e a fiscalizar, pelo que os seus poderes são menores e mais genéricos.

Focando-me na questão da administração autónoma, nos termos do art.235 nº2 CRP e do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, as autarquias locais, anteriormente designadas de corpos administrativos, dizem respeito a pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses locais. Estas pessoas coletivas públicas que compreendem, ao abrigo do art.236 nº1 CRP, as freguesias, os municípios e as regiões administrativas são assim, o seguimento da atividade administrativa exercida pelo Estado e o espelho da descentralização administrativa, prevista no art.237º CRP. Um dos maiores reflexos deste poder descentralizado será possivelmente, a eleição dos órgãos representativos de cada autarquia local, designada pelo Senhor Professor Batista Machado como a trave-mestre da descentralização.

Sendo a administração pública descentralizada, é de considerar a existência de autonomia por parte das autarquias locais. Autonomia esta que se revela determinante na separação vertical de poderes e que consiste num recorte do princípio da descentralização. Estes dois conceitos de descentralização e autonomia autárquica convergem no sentido em que, enquanto o primeiro tem um teor substantivo, qualitativo, dinâmico e programático, o segundo revela uma natureza organizatória e de garantia. Neste sentido, é possível concluir o enriquecimento e o sentido útil que o ato descentralizador confere à autonomia que dota as autarquias.

É neste seguimento que surge o princípio da autonomia autárquica, tipificado como princípio da autonomia local na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL), prevista na Resolução da Assembleia da República nº. 28/90, de 23 de outubro. Esta autonomia, nos termos do art.2º CEAL, deve ser reconhecida pela legislação interna, inclusive pela Constituição, sem ser posta em causa a liberdade de iniciativa prevista no nº2 do art.4 CEAL. Compreende ainda, diferentes naturezas de autonomia, nomeadamente, a político-legislativa, a administrativa, a político-económica, a patrimonial, a financeira e por fim, a de tipo decisório. É então, de enorme relevância perceber em que âmbito de exercício de funções é que os diferentes tipos de autonomia atuam.

À autonomia político-legislativa pode-se associar as competências dos órgãos que compõem a organização autárquica, nomeadamente, uma Assembleia Municipal e um órgão executivo. Por exemplo, as Assembleias Municipais, eleitas por sufrágio universal, direto e secreto, tal como previsto nos arts.239 nº1 e nº2 CRP e no art.251º CRP, dizem respeito a uma assembleia dotada de poderes deliberativos. Isto quer dizer que se trata de um órgão colegial que se debruça sobre questões de interesse público local, nomeadamente, a revisão e votação do Orçamento Municipal. Já a autonomia administrativa compreende por sua vez, todas as atribuições e competências próprias da autarquia e distintas da administração central.

A natureza político-económica, associado à autonomia patrimonial e financeira, diz respeito ao facto de estas pessoas coletivas disporem de património e finanças próprias, nos termos dos arts.238 nº1 CRP, bem como de receitas próprias, ao abrigo do art.254 nº2 CRP. Importa compreender o que são estas receitas próprias. Para além das receitas estaduais a ser aplicadas ao Orçamento Municipal, bem como os impostos diretos previstos no art.254 nº1 CRP, incluem-se ainda nas finanças da autarquia e nos termos do art.238 nº3 CRP, as provenientes da gestão do seu património, bem como as que resultam da cobrança de taxas pela utilização de determinados serviços. Estas taxas, previstas no Regime Geral das Taxas das Autarquias locais, tipificado na Lei nº.117/2009, tratam-se de tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização de bens do domínio público e privado das autarquias, bem como da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Uma destas taxas será por exemplo, a taxa administrativa geral aplicada aos averbamentos e prevista na tabela das taxas municipais de 2023, do município de Lisboa. Depois desta análise tributária, é de salientar o facto de que todos os poderes tributários que estas pessoas coletivas dispõem têm de estar previstos em lei, tal como consta no art.238 nº4 CRP.

Por fim, a autonomia de tipo decisório e regulamentar revela-se no sentido em que, as autarquias não se encontram numa posição de dependência em relação à autoridade estadual. Dispõem de um poder regulamentar próprio, sendo este apenas limitado pela tutela da legalidade da autoridade estadual. Tal como consta no arts.241º e 242 nº1 CRP, o Estado apenas poderá impor limites através da CRP, das leis e dos regulamentos com origem em autarquias de grau superior ou de poder tutelar. Logo, este poder regulamentar, que se reflete numa expressão da autonomia local, diz respeito ao poder de aprovar regulamentos administrativos. Regulamentos estes que estão sujeitos a uma fase de iniciativa, seguida da preparação do projeto de regulamento, da fase de participação dos interessados e por fim, à conclusão do mesmo, mediante o disposto no Código de Procedimento Administrativo, e ainda a uma série de requisitos, entre os quais subjetivos, objetivos materiais, de eficácia, objetivos formais e a conformidade ao princípio da legalidade.

Assim sendo, verifica-se que estas pessoas coletivas públicas dispõem de um conjunto de funções que refletem o seu autogoverno, resultante do processo de descentralização. Contrariam por sua vez, a conceção centralizada e adotada antes da formação e consolidação do Estado Liberal (que surgiu após a Revolução francesa de 1789), caracterizada por um poder concentrado.

Importa salientar que, embora estes centros de poder público democrático disponham de um conjunto de poderes, os respetivos estão limitados na medida em que, é conjugada a dimensão política de liberdade com a subordinação do poder local à CRP. Um exemplo claro desta subordinação revela-se na validade dos atos autárquicos depender da conformidade com a lei, bem como a sua própria inserção na organização democrática do Estado.

É ainda de fazer referência, em concreto, às freguesias e às regiões administrativas como categorias das autarquias locais, tal como consta no art.236 nº1 CRP. A freguesia, prevista nos arts.244º a 248º CRP, é composta pela Assembleia de freguesia e pela Junta de freguesia. Quanto às regiões administrativas, ainda que estejam tipificadas na CRP como um instrumento jurídico no quadro da organização do território, na prática são inexistentes. A título de curiosidade, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva considera que, ainda que precisássemos desta reforma a nível das regiões administrativas, será difícil que Portugal, no futuro, verifique a regionalização prevista na lei fundamental.

Feita uma análise da administração pública, da sua trilogia de setores, do princípio da descentralização e da autonomia das autarquias locais, é possível concluir a existência de uma paridade entre a dimensão local e nacional. Hoje em dia, tudo o que é local tem que ser enquadrado nas políticas públicas adotadas a nível nacional, visto que, tem de respeitar os limites impostos pela lei. Por exemplo, as autarquias, nos termos do art.32º RJAL, têm competências materiais e de funcionamento previstas na lei e sobre as quais as respetivas se encontram vinculadas.

Visto noutro prisma, todas as políticas nacionais, ao serem adaptadas às particularidades de um determinado local têm uma dimensão regional e local. Por exemplo, o Orçamento de Estado elaborado pelo Governo e discutido e votado pela Assembleia da República, tem repercussões a nível local, visto que, uma proporção do valor do orçamento é destinada às autarquias locais, que farão a gestão do mesmo atendendo às necessidades da coletividade em questão.

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Importa agora averiguar se este sistema descentralizado faz ou não sentido. Que vantagens e desvantagens podemos retirar desta organização, fundada em razões técnicas de eficácia administrativa e em razões de pluralismo social e político?

Entre as vantagens desta descentralização, destacaria a “maior democraticidade”4, tal como defendida pelo Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Esta ideia de poder descentralizado reflete e revela claramente, os princípios fundamentais integrados num modelo de Estado Democrático. Acresce a esta vantagem, a maior eficácia administrativa em abstrato, ou seja, nos termos constitucionais e legais. Isto porque a descentralização implicará simultaneamente, uma distribuição de poderes que à partida, revela maior eficiência.

A coesão social e a aproximação das populações ao poder administrativo serão certamente, aspetos positivos a retirar deste modelo. Estando as autarquias locais dotadas de poderes administrativos e estando estas mais próximas dos cidadãos, haverá uma maior sensibilidade e atenção às necessidades e aos interesses que devem ser prosseguidos pelo exercício administrativo. Neste seguimento, e tal como defendido pelo Senhor Professor Fausto de Quadros, a descentralização conduzirá a uma “humanização das normas jurídicas às realidades sociais a que se destinam”5.

A menor burocratização, defendida por Marcelo Rebelo de Sousa, será também uma vantagem a retirar deste sistema. Embora os processos burocráticos revelem uma exigência e clareza importantes em termos jurídicos, certamente que uma burocratização estrita à própria autarquia será mais eficiente do que uma que se estenda ao Estado. Isto porque evita demoras na prática do exercício e reforça a mobilização de energias locais, aludida pela Senhor Professor Freitas do Amaral. Estes aspetos referidos correspondem então, a vantagens que pretendem flexibilizar soluções, eliminar os constrangimentos associados ao modelo rígido traçado pela CRP, na sua versão original, e limitar o poder público.

Contudo, é também de fazer referência às desvantagens associadas a esta matéria. Entre estas, destaco a suscetibilidade de surgirem crimes associados à corrupção e a infrações conexas. Embora este poder descentralizado traga um vasto conjunto de vantagens, implica por sua vez, uma maior abertura ao risco de exercício corrupto. Havendo um maior número de pessoas com legitimidade para a prática de um determinado exercício, existe também a maior suscetibilidade a estas implicações negativas. O Senhor Professor Freitas do Amaral faz ainda, a propósito de uma possível falta de eficácia na comunicação e gestão, uma crítica relativamente ao facto do sistema português não ser de tipo convencional, nem parlamentar nem presidencialista. É assim, um sistema que funciona mal na prática. É exatamente neste sentido, que a dificuldade de controlo é uma crítica dominante nesta matéria a par de diversos riscos de ineficiência.

Ponderadas e analisadas as vantagens e as desvantagens da descentralização administrativa, considero que os benefícios prevalecem perante os aspetos negativos. Este Estado Unitário regional vem contestar o modelo rígido adotado pelo Estado Novo, que concentrava todo o poder político num só órgão, impedindo a instituição de uma descentralização territorial. Logo, as autarquias passaram a ser uma verdadeira extensão da administração, deixando de constituir uma mera instância subordinada política, administrativa e financeiramente ao Estado. Contudo, como em todo o Direito, as opiniões divergem, existindo autores que contestam a realidade atual, lutando por uma que acreditam ser mais benéfica às circunstâncias da nossa realidade jurídica atual.

O TEMA CONTROVERSO DA TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS

Concluída a análise administrativa, e no seguimento de uma pesquisa aprofundada sobre os temas em questão, considero relevante abordar o tema controverso da transferência de competências, tipificado na Lei-Quadro da transferência de competências para as autarquias locais e entidades intermunicipais, que consta na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto. Isto porque é um claro exemplo da expressão da descentralização e da autonomia autárquica, nos dias de hoje.

Esta modernização administrativa, como muitos a designam, é acompanhada de uma Comissão de Acompanhamento da Descentralização (CAD) que, em meados de 2019, iniciou os trabalhos de monitorização do processo de transferências de competências dirigido a 211 municípios e 2028 freguesias. A CAD, não só defendeu a criação de regiões administrativas, como trabalhou na transferência para as autarquias locais de 45160 trabalhadores e mais de 2800 imóveis, num montante de 952,7 milhões de euros.

Esta transferência de competências consiste na transferência de determinados poderes para as autarquias, em conjunto com a transferência de recursos financeiros, com vista à prossecução do interesse público. Esta expressão da descentralização e do princípio da autonomia municipal tem se feito notar em diversas áreas nomeadamente, na Educação, na Saúde, na Habitação e na Proteção Civil. Contudo, vou me focar no exemplo bastante presente do setor da Educação, em que 278 municípios exercem as competências previstas desde 18 de julho de 2022.

Ao abrigo do art.11º da Lei-Quadro, é da competência dos órgãos municipais que aceitaram esta transferência de competências, participar no planeamento, gestão e realização de investimentos relativos aos estabelecimentos públicos de educação e ensino, integrados na rede pública dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, bem como a sua construção, equipamento e manutenção. Está ainda a seu cargo apoiar as crianças e os alunos no domínio da ação social escolar, tal como previsto no art.11 nº2 b) da Lei-quadro, entre muitas outras competências.

É exatamente neste sentido e atendendo à multiplicidade de competências transferidas, que se instala o debate entre as autarquias e o Governo. Será esta transferência benéfica? Quais são os seus impactos? Concretiza os objetivos pretendidos? São várias as questões que se têm colocado relativamente a esta matéria.

São muitos os que defendem que este processo se reflete numa maior presença das autarquias em áreas fulcrais e nacionais de prossecução de interesse público, sendo as respetivas capazes de acolher um maior número de campos de desigualdades. Neste seguimento, considera-se ainda que, tratando-se de um processo, é necessária toda uma negociação a desenvolver por todas as entidades envolvidas, com vista a uma descentralização de bom-senso e consenso.

Por outro lado, são muitos os autarcas que contrariam o referido anteriormente, alertando para os enormes défices que se têm vindo a verificar e que se farão notar no futuro, em resultado de uma transferência de competências que não é acompanhada de meios humanos e recursos financeiros suficientes, nem de património adequado ao desempenho das competências transferidas. Este método descentralizador é assim, considerado por muitos como uma pulverização das responsabilidades do Governo e um reflexo da redução do investimento público, longe de visar uma resposta aos direitos, necessidades e aspirações. Isto porque há uma certa desresponsabilização por parte do Governo.

Analisadas as diferentes teorias existentes, concluo que esta se trata de uma questão política de natureza administrativa porque é certamente aproveitada pelas várias opções partidárias. No entanto, incidindo esta sobre o conjunto de matérias de âmbito da organização administrativa, considero a sua análise importante.

Adotando uma posição neutra relativamente a qualquer ideologia partidária, parece-me que deve ser prosseguido um equilíbrio nesta transferência de competências. Isto porque acredito ser benéfica esta descentralização de poderes, capaz de gerir de uma melhor forma a capacidade de resposta por parte do Governo, ao mesmo tempo que devem ser garantidas todas as condições para a prática deste exercício por parte das autarquias.

Independentemente de tudo isto, o que realmente importa é a garantia da prossecução do interesse público, tanto a nível estadual como local, com vista à concretização de um Direito Administrativo eficaz.

REFLEXÕES

Concluída a análise deste conjunto de matérias de Direito Administrativo abordadas ao longo do comentário, entre as quais a descentralização da administração pública, o princípio da autonomia autárquica e a delegação de competências, concluo que todas elas se encontram interligadas.

Tratando-se Portugal de um Estado de Direito Democrático, que tem como finalidades atuar segundo os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé, garantir uma gestão administrativa eficiente e a aproximação de um sistema administrativo sólido aos particulares, bem como a prossecução de interesses públicos, é necessária esta interconexão.

Relação esta que se reflete numa descentralização dos poderes administrativos exercidos diretamente pelo Estado, por várias vertentes nomeadamente, pela administração autónoma, ou seja, pelas autarquias, que exercem um conjunto de competências que se espelham no princípio da autonomia municipal. Sempre com vista à prossecução dos princípios subjacentes ao Direito Administrativo.

1 FOLQUE, André, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), 2004, nº3, pág.34;

2 SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Almedina, nº 2.1.1, pág.172;

3 SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, Almedina, nº 2.1.1, pág.172;

4 FOLQUE, André-, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), 2004, nº3, pág.36;

5 FOLQUE, André,  A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), 2004, nº3, pág.36


Bibliografia e Webgrafia:

» SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras, reimpressão 2023, Almedina, 2019;

» FOLQUE, André, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), 2004, Coimbra Editora;

» MADUREIRA, César, A reforma da administração pública e a evolução do estado-providência em Portugal: história recente, 30 junho de 2020;

» MARCU, Angela, O Sistema de Governo das Autarquias Locais, 2021;

» CAMBLÉ, Zenaide, Autonomia do Poder Local e Exercício da Tutela Administrativa do Estado, 2019;

» tabela_taxas_2023.pdf (lisboa.pt)

» Portal Autárquico - TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS (dgal.gov.pt);

» Portal Autárquico - Municípios (dgal.gov.pt).



Margarida Lopes, nº 67994, Turma B, subturma 15

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