A
DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS AUTARQUIAS
Num
Estado de Direito Democrático, os poderes administrativos não se encontram
exclusivamente concentrados no Estado como órgão próprio. Pelo contrário, encontram-se
repartidos por um conjunto de pessoas coletivas públicas distintas, regidas por
princípios fundamentais relativos à organização e funcionamento da
administração pública nomeadamente, pelo princípio da autonomia das autarquias.
Como
ponto de partida do meu comentário, que incide sobre a descentralização
administrativa e o princípio da autonomia autárquica, considero relevante
perceber em que consiste a administração pública. Prevista no Título IX da
Constituição da República Portuguesa (CRP), esta administração tem como
objetivo a prossecução de interesses públicos e de direitos da comunidade
coletiva, bem como a aproximação do sistema administrativo aos particulares,
que estarão certamente mais envolvidos na gestão administrativa, tal como
consta no art.266 nº1 CRP. Visa ainda, nos termos do art.266 nº2 CRP, atuar
segundo os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade
e boa-fé.
TRILOGIA
DA ADMINISTRAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E AUTONOMIA AUTÁRQUICA
Deste
modo, é necessário que a organização administrativa compreenda um conjunto de
princípios constitucionais nucleares que possibilitem o exercício dos objetivos
referidos anteriormente. É neste sentido que surge a descentralização, a
subsidiariedade prevista no art.6 nº1 CRP, a desconcentração que consta no
art.267 nº2 CRP, e a unidade da ação administrativa. Princípios que têm como
finalidade facilitar o desempenho da administração pública.
O
princípio da descentralização, previsto nos arts.6 nº1, 237º e 267 nº2 CRP,
encontra lugar de destaque no meu comentário pelo facto de corresponder ao
“ímpeto constitucional mais notório no sentido de uma repartição de poder entre
o Estado e os municípios”1. Neste sentido, a descentralização
implica a partilha com outras pessoas coletivas públicas próprias, no exercício
das funções do Estado, de um conjunto de poderes que se revelam partilháveis.
Este processo descentralizador realiza-se através da transferência de
atribuições e competências do Estado para outras pessoas coletivas, tendo como
objetivo assegurar a coesão nacional, a solidariedade entre regiões e uma maior
eficácia a nível da gestão pública. Reflete-se assim, uma descentralização
democrática e pluralista, no sentido em que se dá, segundo o Senhor Professor
João Caupers, o reconhecimento de que o Estado não dispõe do monopólio da
prossecução do interesse público.
Importa
referir que a descentralização assume várias vertentes porque não se limita a
ser territorial, sendo também comunitária e administrativa, o que comporta
necessariamente a autonomia administrativa como condição indispensável, ainda
que não por excelência.
Esta
base da organização administrativa encontra-se atualmente, presente em
Portugal. Nos termos do art.6º CRP, a República portuguesa compreende um Estado
Unitário regional, em que prepondera uma unidade de soberania na ordem interna
do Estado, a cargo do Presidente da República, do Governo, da Assembleia da
República e dos Tribunais, previstos no art.110º CRP como órgãos de soberania.
Este poder administrativo, ainda no quadro unitário do Estado é por sua vez,
estendido a outras pessoas coletivas nomeadamente, às autarquias admitidas na
organização democrática do Estado português. Logo, são lhe transferidas várias
competências, bem como têm atribuições próprias. É de salientar que estas
atribuições estão limitadas e dependem da verificação de condições económicas e
sociais dinâmicas.
Surge
assim, em resultado desta descentralização, uma “trilogia constitucional de
setores da organização administrativa”2, onde se inclui a
administração direta, indireta e autónoma. A administração direta diz respeito
à que é exercida pelo próprio Governo, enquanto órgão superior da administração
pública constante no art.182º CRP. É de salientar que este órgão de condução da
política geral do país é composto por ministérios que compreendem serviços
executivos, de controlo, de auditoria, fiscalização e coordenação. Dentro
destes ministérios distingue-se por exemplo, o dos negócios estrangeiros, da
justiça, das finanças, dos assuntos parlamentares, da economia e do mar, da
Presidência e da administração interna.
Por
sua vez, a administração indireta consiste na prossecução dos fins estaduais
por pessoas coletivas públicas distintas do Estado, entre as quais, institutos,
fundações ou entidades públicas. O recurso às mesmas pelo Estado tem em vista
facilitar e tornar mais eficiente a função administrativa, visto que, à partida,
estas pessoas coletivas encontrar-se-ão numa relação de maior proximidade com
os particulares.
Quanto
à administração autónoma, com particular relevância neste trabalho, verifica-se
ainda uma autonomia maior a nível da descentralização administrativa. Trata-se
de uma “autoadministração”3 incumbida a pessoas coletivas públicas,
dotadas de fins próprios e que prosseguem o seu exercício em paridade com os
objetivos prosseguidos pelo próprio Estado. Esta administração compreende entre
outras pessoas coletivas, as autarquias locais, previstas no art.235º CRP e
seguintes, onde se pressupõe individualidade.
Importa
ainda referir que, a par destas três modalidades de administração pública
previstas na CRP, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva acrescenta duas
outras. Entre estas, distingue-se a administração pública sob a forma privada,
caracterizada pelos seus capitais público-privados, em que o Estado tem a
última palavra. Por sua vez, na administração independente, o Estado limita-se
a orientar e a fiscalizar, pelo que os seus poderes são menores e mais
genéricos.
Focando-me
na questão da administração autónoma, nos termos do art.235 nº2 CRP e do Regime
Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), Lei nº 75/2013, de 12 de setembro, as
autarquias locais, anteriormente designadas de corpos administrativos, dizem
respeito a pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos,
que visam a prossecução de interesses locais. Estas pessoas coletivas públicas
que compreendem, ao abrigo do art.236 nº1 CRP, as freguesias, os municípios e
as regiões administrativas são assim, o seguimento da atividade administrativa
exercida pelo Estado e o espelho da descentralização administrativa, prevista
no art.237º CRP. Um dos maiores reflexos deste poder descentralizado será
possivelmente, a eleição dos órgãos representativos de cada autarquia local,
designada pelo Senhor Professor Batista Machado como a trave-mestre da
descentralização.
Sendo
a administração pública descentralizada, é de considerar a existência de
autonomia por parte das autarquias locais. Autonomia esta que se revela
determinante na separação vertical de poderes e que consiste num recorte do
princípio da descentralização. Estes dois conceitos de descentralização e
autonomia autárquica convergem no sentido em que, enquanto o primeiro tem um
teor substantivo, qualitativo, dinâmico e programático, o segundo revela uma
natureza organizatória e de garantia. Neste sentido, é possível concluir o
enriquecimento e o sentido útil que o ato descentralizador confere à autonomia
que dota as autarquias.
É
neste seguimento que surge o princípio da autonomia autárquica, tipificado como
princípio da autonomia local na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL),
prevista na Resolução da Assembleia da República nº. 28/90, de 23 de outubro.
Esta autonomia, nos termos do art.2º CEAL, deve ser reconhecida pela legislação
interna, inclusive pela Constituição, sem ser posta em causa a liberdade de
iniciativa prevista no nº2 do art.4 CEAL. Compreende ainda, diferentes naturezas
de autonomia, nomeadamente, a político-legislativa, a administrativa, a
político-económica, a patrimonial, a financeira e por fim, a de tipo decisório.
É então, de enorme relevância perceber em que âmbito de exercício de funções é
que os diferentes tipos de autonomia atuam.
À
autonomia político-legislativa pode-se associar as competências dos órgãos que
compõem a organização autárquica, nomeadamente, uma Assembleia Municipal e um
órgão executivo. Por exemplo, as Assembleias Municipais, eleitas por sufrágio
universal, direto e secreto, tal como previsto nos arts.239 nº1 e nº2 CRP e no
art.251º CRP, dizem respeito a uma assembleia dotada de poderes deliberativos.
Isto quer dizer que se trata de um órgão colegial que se debruça sobre questões
de interesse público local, nomeadamente, a revisão e votação do Orçamento Municipal.
Já a autonomia administrativa compreende por sua vez, todas as atribuições e
competências próprias da autarquia e distintas da administração central.
A
natureza político-económica, associado à autonomia patrimonial e financeira,
diz respeito ao facto de estas pessoas coletivas disporem de património e
finanças próprias, nos termos dos arts.238 nº1 CRP, bem como de receitas
próprias, ao abrigo do art.254 nº2 CRP. Importa compreender o que são estas
receitas próprias. Para além das receitas estaduais a ser aplicadas ao Orçamento
Municipal, bem como os impostos diretos previstos no art.254 nº1 CRP,
incluem-se ainda nas finanças da autarquia e nos termos do art.238 nº3 CRP, as
provenientes da gestão do seu património, bem como as que resultam da cobrança
de taxas pela utilização de determinados serviços. Estas taxas, previstas no
Regime Geral das Taxas das Autarquias locais, tipificado na Lei nº.117/2009,
tratam-se de tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público
local, na utilização de bens do domínio público e privado das autarquias, bem
como da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Uma
destas taxas será por exemplo, a taxa administrativa geral aplicada aos
averbamentos e prevista na tabela das taxas municipais de 2023, do município de
Lisboa. Depois desta análise tributária, é de salientar o facto de que todos os
poderes tributários que estas pessoas coletivas dispõem têm de estar previstos
em lei, tal como consta no art.238 nº4 CRP.
Por
fim, a autonomia de tipo decisório e regulamentar revela-se no sentido em que,
as autarquias não se encontram numa posição de dependência em relação à
autoridade estadual. Dispõem de um poder regulamentar próprio, sendo este
apenas limitado pela tutela da legalidade da autoridade estadual. Tal como
consta no arts.241º e 242 nº1 CRP, o Estado apenas poderá impor limites através
da CRP, das leis e dos regulamentos com origem em autarquias de grau superior
ou de poder tutelar. Logo, este poder regulamentar, que se reflete numa
expressão da autonomia local, diz respeito ao poder de aprovar regulamentos
administrativos. Regulamentos estes que estão sujeitos a uma fase de
iniciativa, seguida da preparação do projeto de regulamento, da fase de
participação dos interessados e por fim, à conclusão do mesmo, mediante o
disposto no Código de Procedimento Administrativo, e ainda a uma série de
requisitos, entre os quais subjetivos, objetivos materiais, de eficácia,
objetivos formais e a conformidade ao princípio da legalidade.
Assim
sendo, verifica-se que estas pessoas coletivas públicas dispõem de um conjunto
de funções que refletem o seu autogoverno, resultante do processo de
descentralização. Contrariam por sua vez, a conceção centralizada e adotada
antes da formação e consolidação do Estado Liberal (que surgiu após a Revolução
francesa de 1789), caracterizada por um poder concentrado.
Importa
salientar que, embora estes centros de poder público democrático disponham de
um conjunto de poderes, os respetivos estão limitados na medida em que, é
conjugada a dimensão política de liberdade com a subordinação do poder local à
CRP. Um exemplo claro desta subordinação revela-se na validade dos atos
autárquicos depender da conformidade com a lei, bem como a sua própria inserção
na organização democrática do Estado.
É
ainda de fazer referência, em concreto, às freguesias e às regiões
administrativas como categorias das autarquias locais, tal como consta no
art.236 nº1 CRP. A freguesia, prevista nos arts.244º a 248º CRP, é composta
pela Assembleia de freguesia e pela Junta de freguesia. Quanto às regiões
administrativas, ainda que estejam tipificadas na CRP como um instrumento
jurídico no quadro da organização do território, na prática são inexistentes. A
título de curiosidade, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva considera que,
ainda que precisássemos desta reforma a nível das regiões administrativas, será
difícil que Portugal, no futuro, verifique a regionalização prevista na lei
fundamental.
Feita
uma análise da administração pública, da sua trilogia de setores, do princípio
da descentralização e da autonomia das autarquias locais, é possível concluir a
existência de uma paridade entre a dimensão local e nacional. Hoje em dia, tudo
o que é local tem que ser enquadrado nas políticas públicas adotadas a nível
nacional, visto que, tem de respeitar os limites impostos pela lei. Por
exemplo, as autarquias, nos termos do art.32º RJAL, têm competências materiais
e de funcionamento previstas na lei e sobre as quais as respetivas se encontram
vinculadas.
Visto
noutro prisma, todas as políticas nacionais, ao serem adaptadas às
particularidades de um determinado local têm uma dimensão regional e local. Por
exemplo, o Orçamento de Estado elaborado pelo Governo e discutido e votado pela
Assembleia da República, tem repercussões a nível local, visto que, uma
proporção do valor do orçamento é destinada às autarquias locais, que farão a
gestão do mesmo atendendo às necessidades da coletividade em questão.
VANTAGENS
E DESVANTAGENS DA DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Importa
agora averiguar se este sistema descentralizado faz ou não sentido. Que
vantagens e desvantagens podemos retirar desta organização, fundada em razões
técnicas de eficácia administrativa e em razões de pluralismo social e
político?
Entre
as vantagens desta descentralização, destacaria a “maior democraticidade”4,
tal como defendida pelo Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Esta ideia de
poder descentralizado reflete e revela claramente, os princípios fundamentais
integrados num modelo de Estado Democrático. Acresce a esta vantagem, a maior
eficácia administrativa em abstrato, ou seja, nos termos constitucionais e
legais. Isto porque a descentralização implicará simultaneamente, uma
distribuição de poderes que à partida, revela maior eficiência.
A
coesão social e a aproximação das populações ao poder administrativo serão
certamente, aspetos positivos a retirar deste modelo. Estando as autarquias
locais dotadas de poderes administrativos e estando estas mais próximas dos
cidadãos, haverá uma maior sensibilidade e atenção às necessidades e aos
interesses que devem ser prosseguidos pelo exercício administrativo. Neste
seguimento, e tal como defendido pelo Senhor Professor Fausto de Quadros, a
descentralização conduzirá a uma “humanização das normas jurídicas às
realidades sociais a que se destinam”5.
A
menor burocratização, defendida por Marcelo Rebelo de Sousa, será também uma
vantagem a retirar deste sistema. Embora os processos burocráticos revelem uma
exigência e clareza importantes em termos jurídicos, certamente que uma
burocratização estrita à própria autarquia será mais eficiente do que uma que
se estenda ao Estado. Isto porque evita demoras na prática do exercício e
reforça a mobilização de energias locais, aludida pela Senhor Professor Freitas
do Amaral. Estes aspetos referidos correspondem então, a vantagens que
pretendem flexibilizar soluções, eliminar os constrangimentos associados ao
modelo rígido traçado pela CRP, na sua versão original, e limitar o poder
público.
Contudo,
é também de fazer referência às desvantagens associadas a esta matéria. Entre
estas, destaco a suscetibilidade de surgirem crimes associados à corrupção e a
infrações conexas. Embora este poder descentralizado traga um vasto conjunto de
vantagens, implica por sua vez, uma maior abertura ao risco de exercício
corrupto. Havendo um maior número de pessoas com legitimidade para a prática de
um determinado exercício, existe também a maior suscetibilidade a estas
implicações negativas. O Senhor Professor Freitas do Amaral faz ainda, a
propósito de uma possível falta de eficácia na comunicação e gestão, uma
crítica relativamente ao facto do sistema português não ser de tipo
convencional, nem parlamentar nem presidencialista. É assim, um sistema que funciona
mal na prática. É exatamente neste sentido, que a dificuldade de controlo é uma
crítica dominante nesta matéria a par de diversos riscos de ineficiência.
Ponderadas
e analisadas as vantagens e as desvantagens da descentralização administrativa,
considero que os benefícios prevalecem perante os aspetos negativos. Este
Estado Unitário regional vem contestar o modelo rígido adotado pelo Estado
Novo, que concentrava todo o poder político num só órgão, impedindo a
instituição de uma descentralização territorial. Logo, as autarquias passaram a
ser uma verdadeira extensão da administração, deixando de constituir uma mera
instância subordinada política, administrativa e financeiramente ao Estado.
Contudo, como em todo o Direito, as opiniões divergem, existindo autores que
contestam a realidade atual, lutando por uma que acreditam ser mais benéfica às
circunstâncias da nossa realidade jurídica atual.
O
TEMA CONTROVERSO DA TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS
Concluída
a análise administrativa, e no seguimento de uma pesquisa aprofundada sobre os
temas em questão, considero relevante abordar o tema controverso da
transferência de competências, tipificado na Lei-Quadro da transferência de
competências para as autarquias locais e entidades intermunicipais, que consta
na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto. Isto porque é um claro exemplo da
expressão da descentralização e da autonomia autárquica, nos dias de hoje.
Esta
modernização administrativa, como muitos a designam, é acompanhada de uma
Comissão de Acompanhamento da Descentralização (CAD) que, em meados de 2019,
iniciou os trabalhos de monitorização do processo de transferências de
competências dirigido a 211 municípios e 2028 freguesias. A CAD, não só
defendeu a criação de regiões administrativas, como trabalhou na transferência
para as autarquias locais de 45160 trabalhadores e mais de 2800 imóveis, num
montante de 952,7 milhões de euros.
Esta
transferência de competências consiste na transferência de determinados poderes
para as autarquias, em conjunto com a transferência de recursos financeiros,
com vista à prossecução do interesse público. Esta expressão da
descentralização e do princípio da autonomia municipal tem se feito notar em
diversas áreas nomeadamente, na Educação, na Saúde, na Habitação e na Proteção
Civil. Contudo, vou me focar no exemplo bastante presente do setor da Educação,
em que 278 municípios exercem as competências previstas desde 18 de julho de
2022.
Ao
abrigo do art.11º da Lei-Quadro, é da competência dos órgãos municipais que
aceitaram esta transferência de competências, participar no planeamento, gestão
e realização de investimentos relativos aos estabelecimentos públicos de
educação e ensino, integrados na rede pública dos 2º e 3º ciclos do ensino
básico e do ensino secundário, bem como a sua construção, equipamento e
manutenção. Está ainda a seu cargo apoiar as crianças e os alunos no domínio da
ação social escolar, tal como previsto no art.11 nº2 b) da Lei-quadro, entre
muitas outras competências.
É
exatamente neste sentido e atendendo à multiplicidade de competências
transferidas, que se instala o debate entre as autarquias e o Governo. Será
esta transferência benéfica? Quais são os seus impactos? Concretiza os
objetivos pretendidos? São várias as questões que se têm colocado relativamente
a esta matéria.
São
muitos os que defendem que este processo se reflete numa maior presença das
autarquias em áreas fulcrais e nacionais de prossecução de interesse público,
sendo as respetivas capazes de acolher um maior número de campos de
desigualdades. Neste seguimento, considera-se ainda que, tratando-se de um
processo, é necessária toda uma negociação a desenvolver por todas as entidades
envolvidas, com vista a uma descentralização de bom-senso e consenso.
Por
outro lado, são muitos os autarcas que contrariam o referido anteriormente,
alertando para os enormes défices que se têm vindo a verificar e que se farão
notar no futuro, em resultado de uma transferência de competências que não é
acompanhada de meios humanos e recursos financeiros suficientes, nem de
património adequado ao desempenho das competências transferidas. Este método
descentralizador é assim, considerado por muitos como uma pulverização das
responsabilidades do Governo e um reflexo da redução do investimento público,
longe de visar uma resposta aos direitos, necessidades e aspirações. Isto
porque há uma certa desresponsabilização por parte do Governo.
Analisadas
as diferentes teorias existentes, concluo que esta se trata de uma questão
política de natureza administrativa porque é certamente aproveitada pelas
várias opções partidárias. No entanto, incidindo esta sobre o conjunto de
matérias de âmbito da organização administrativa, considero a sua análise
importante.
Adotando
uma posição neutra relativamente a qualquer ideologia partidária, parece-me que
deve ser prosseguido um equilíbrio nesta transferência de competências. Isto
porque acredito ser benéfica esta descentralização de poderes, capaz de gerir
de uma melhor forma a capacidade de resposta por parte do Governo, ao mesmo
tempo que devem ser garantidas todas as condições para a prática deste
exercício por parte das autarquias.
Independentemente
de tudo isto, o que realmente importa é a garantia da prossecução do interesse
público, tanto a nível estadual como local, com vista à concretização de um
Direito Administrativo eficaz.
REFLEXÕES
Concluída
a análise deste conjunto de matérias de Direito Administrativo abordadas ao
longo do comentário, entre as quais a descentralização da administração
pública, o princípio da autonomia autárquica e a delegação de competências,
concluo que todas elas se encontram interligadas.
Tratando-se
Portugal de um Estado de Direito Democrático, que tem como finalidades atuar
segundo os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade,
boa-fé, garantir uma gestão administrativa eficiente e a aproximação de um
sistema administrativo sólido aos particulares, bem como a prossecução de
interesses públicos, é necessária esta interconexão.
Relação esta que se reflete numa descentralização dos poderes administrativos exercidos diretamente pelo Estado, por várias vertentes nomeadamente, pela administração autónoma, ou seja, pelas autarquias, que exercem um conjunto de competências que se espelham no princípio da autonomia municipal. Sempre com vista à prossecução dos princípios subjacentes ao Direito Administrativo.
1
FOLQUE,
André, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios
(Condicionalismos Constitucionais), 2004, nº3, pág.34;
2
SILVA, Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem
Fronteiras, Almedina, nº 2.1.1, pág.172;
3
SILVA,
Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras,
Almedina, nº 2.1.1, pág.172;
4
FOLQUE,
André-, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios
(Condicionalismos Constitucionais), 2004, nº3, pág.36;
5
FOLQUE,
André, A Tutela Administrativa nas
relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais),
2004, nº3, pág.36
Bibliografia
e Webgrafia:
» SILVA,
Vasco Pereira da, Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras,
reimpressão 2023, Almedina, 2019;
» FOLQUE,
André, A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios
(Condicionalismos Constitucionais), 2004, Coimbra Editora;
» MADUREIRA,
César, A reforma da administração pública e a evolução do estado-providência
em Portugal: história recente, 30 junho de 2020;
» MARCU,
Angela, O Sistema de Governo das Autarquias Locais, 2021;
» CAMBLÉ,
Zenaide, Autonomia do Poder Local e Exercício da Tutela Administrativa do
Estado, 2019;
» tabela_taxas_2023.pdf
(lisboa.pt);
» Portal
Autárquico - TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS (dgal.gov.pt);
» Portal
Autárquico - Municípios (dgal.gov.pt).
Margarida Lopes, nº 67994, Turma B, subturma 15
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