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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Alegações dos advogados do Salão “Paris em Linha”

 Alegações dos advogados do Salão “Paris em Linha”



Exmos. Meritíssimos Senhores Doutores Juízes de Direito.


O Salão Paris em Linha, empresa privada, representada pela Sociedade de Advogados Carvalho de Sousa, cuja sede fica na R. dos Pedregais, nº10, 8908-728, Linha, vem por este meio, através da representação dos advogados Dr. Afonso Paiva, Dra. Auria Carvalho e o Dr. Guilherme Silva apresentar os nossos fundamentos de defesa na obtenção do cito salão, pelo valor simbólico de 1000 euros, o que alegamos ser proporcional, devido às condições que os equipamentos apresentavam, assim como o Estado de necessidade em que estavam sujeitos, ao abrigo do direito administrativo vigente, nos termos do artigo 3º nº2 da CPA.


A Câmara Municipal da Linha, no contexto pandémico que todos viviam na altura, como uma entidade pública, visou garantir o bem-estar dos munícipes, decidindo criar um salão de cabeleireiro, de modo a elevar a autoestima e a “alegria de viver” dos munícipes do Concelho da Linha. Após o fim da pandemia a loja antiga e os equipamentos são adquiridos pela empresa Paris em Linha pelo valor de 1000 euros que se justifica pelas seguintes razões:


Temos de ter em conta para a análise deste caso o contexto pós- pandêmico em que se vivia na altura, que resultou no fecho de diversas empresas devido à inflação causada pela mesma. Esta crise arroga um negócio de risco para a empresa Paris em Linha, assim como para qualquer empresário que quisesse abrir um negócio no rescaldo do Covid. Pelo que também perante todo este contexto econômico, era do interesse e até dever da administração pública de certa forma proporcionar e inserir novas empresas no mercado, de maneira a criar uma concorrência saudável e combater a crise instaurada

Nesta venda também foi considerado o facto de os materiais perderem o seu valor subjetivo visto que as restrições para a pandemia à altura já tinham sido levantadas.


Tal como foi dito pela testemunha, Teresa Cristina de Queiroz Bragança, dona da franquia de salões de  cabeleireiro “Beauty Club del Linha”, que através de seu testemunho vem reforçar o que é alegado pelos proprietários do salão Paris em Linha, que os equipamentos comprados pelo salão de cabeleireiro “ Paris em Linha” estavam ultrapassados e eram descartáveis, uma vez que foram obtidos para garantir a segurança durante a pandemia. A testemunha também evidenciou que o preço abaixo do normal valor de mercado deu-se devido ao impacto econômico da pandemia nesse setor do mercado, bem como devido às condições degradantes da loja que não justificavam do ponto de vista financeiro, um valor acima do que foi pago. A acusação da Associação de cabeleireiros de Linha de que não houve concorrência desleal  por parte da empresa pública ao vender a loja antiga e os equipamentos à empresa privada “Paris em Linha” não procede, visto que a venda foi amplamente divulgada, mas ninguém mostrou interesse pelo imóvel.


Como todos sabemos, princípios administrativos estabelecem parâmetros de decisão diretamente aplicáveis às realidades administrativas. 

O salão “Paris em linha” adotou todas as diligências necessárias para assegurar o cumprimento da lei. Sendo uma entidade privada não era a este que cabia o cumprimento dos princípios administrativos mas sim ao Município. Não obstante o nosso cliente ser o salão “Paris em Linha”, iremos enquadrar a atuação do Município e mostrar que cumpre as normas de Direito Administrativo vigente, visto que a decisão sobre esta atuação tem impacto direto no nosso cliente.


O Decreto-lei 280/2007, de 7 de Agosto, de acordo com o seu preâmbulo, corporiza a reforma do regime do património público, tendo por objetivos a eficiência e racionalização de recursos públicos e de adequação à actual organização do Estado. As disposições gerais deste diploma anuncia os princípios que regem a gestão do património imobiliário do Estado, sendo que, para além dos princípios enunciados no Código de Procedimento Administrativo (CPA), evidencia-se o princípio da transparência, o princípio da concorrência, o princípio da boa administração e o princípio da responsabilidade. Esse diploma estabelece pela primeira vez um regime geral aplicável aos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões autónomas e das autarquias locais, sendo sua parte geral analogicamente aplicável à gestão de imóveis do domínio privado das autarquias locais, tendo por base o artigo 1º.


O artigo 3º do decreto-lei 280/2007 consagra o princípio da boa administração, igualmente consagrado no artigo 81º, alínea c) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 5º do CPA. A boa administração impõe aos órgãos, agentes e serviços administrativos a prossecução do bem comum, ou seja, a atividade administrativa deve-se pautar pela racionalidade, economicidade e celeridade. Esses três critérios de atuação administrativa visam concretizar objetivos como a redução das distâncias entre os serviços públicos e a população, reduzindo a burocracia. Atuar de forma eficiente traduz-se na maximização dos meios para alcançar os objetivos inicialmente pretendidos por aquela atuação. Já o critério da celeridade implica atuar de forma rápida, visando a desburocratização da atividade administrativa. Finalmente o critério da economicidade pauta-se por uma lógica de gastar o menos possível, sem prejuízo dos gastos necessários para alcançar o objetivo pretendido. Não só estes critérios foram cumpridos, como foi o cumprimento destas uma das razões que levaram à descida de preço, visto que para alienar o imovel num tempo razoável tiveram de sucessivamente descer o preço até encontrarem interessados. 

O artigo 3º/2 do DL 280/2007 vem reforçar esta decisão da administração, visto que tendo em conta as despesas que estavam a ser tidas com o salão, a venda do mesmo traria um melhor benefício para os cofres do município do que continuar a arcar com as despesas do mesmo. Para não falar também dos benefícios que esta venda traria para o interesse público, visto que embora os equipamentos antivirais não fossem já exigíveis aos cabeleireiros e estes não tivessem interesse em tê-los pois não afeta o seu fluxo de negócios, quem tem interesses em que estes prossigam a ser usados é a administração pública visto que com a utilização destes pode-se dirimir a propagação de outros vírus infecciosos trazendo excelentes benefícios para a saúde pública e diminuindo o fluxo de pacientes que recorrem aos hospitais ou centros de saúde da zona. 


O Decreto-lei 280/2007, de 7 de Agosto, no seu artigo 7º consagra o princípio da concorrência, no referido regime jurídico do património público do estado, em que as entidades devem permitir uma concorrência na igual condição a todos os interessados, ou seja, tem que assegurar a concorrência real entre os concorrentes. Este princípio, é considerado como sendo o princípio tronco da Contratação Pública, sendo base dos restantes princípios, que decorrem deste, conferindo-lhes peso e sentido.

Neste caso em concreto a ausência da concorrência, deve-se ao facto de não haver demais interessados, mesmo após a intenção de venda por parte do município ter sido amplamente divulgada, de modo a dar a conhecer às pessoas que a Câmara Municipal, pretendia desfazer-se de tal negócio, já que não fazia mais sentido permanecer com o espaço.

Por outro lado permanecer com ao espaço, a administração estaria prejudicando de certa forma os outros privados, prestando-se como concorrente, visto que para além de haver uma assimetria de poderes enorme entre a administração pública e um simples cabeleireiro, na altura do Covid o salão gerido pela administração pública não teve um prejuízo tão grande devido às restrições como os demais cabeleireiros, o que permitiu que este crescesse e talvez até atrair clientes aos demais que na altura estavam incapazes de receber. Sabendo que é característico da nossa sociedade o elevado grau de  “lealdade” que os clientes ganham pelo seu cabeleireiro, nunca se poderia esperar com a continuação do funcionamento do salão nos mesmos termos, que houvesse uma concorrência saudável para o mercado pelo que era necessária uma renovação da gerência do espaço para acabar com esta “lealdade”, sendo que para tal a decisão de venda parece a mais acertada.


Como já foi mencionado, o Decreto-lei 280/2007, de 7 de Agosto, prevê o regime jurídico do patrimônio imobiliário público, corporizando um regime geral aplicável aos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões autónomas e das autarquias locais. Este regime jurídico é igualmente aplicável à gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos, sendo que prevê o procedimento a adotar na venda ou alienação de um imóvel do domínio privado do Estado. Nesse sentido  artigo 77º, nº1 dispõe que “podem ser vendidos imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos cuja propriedade não seja necessária à prossecução de fins de interesse público e cuja manutenção na sua propriedade não seja conveniente”. Visto isso, é preciso averiguar se esse regime é aplicável ao caso em análise. Primeiramente, as autarquias locais, de acordo com o artigo 235º da Constituição da República Portuguesa, são pessoas coletivas territoriais pertencentes à administração autónoma dado que são dotadas de órgãos representativos próprios que visam a prossecução de interesses públicos próprios. As autarquias são entidades distintas do Estado, constituindo uma forma autónoma de organização da população e do território. Segundo, é preciso distinguir entre bens do domínio público e bens do domínio privado, tendo a revisão constitucional de 1997 introduzido alterações ao artigo 84º, dispondo que pertencem ao domínio público os seguintes bens que passamos a citar:

a) As águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;

 b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário; 

c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas minero medicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção; d) As estradas; e) As linhas férreas nacionais; 

f) Outros bens como tal classificados por lei.

Os bens imóveis, objeto do contrato celebrado com “Paris em Linha” não enquadram-se em nenhuma dessas categorias. Mas através da alínea f) acima citada, consignado com o nº2 do mesmo artigo, o legislador constitucional atribuiu a competência ao legislador ordinário de criar novas categorias de bens imóveis do domínio público, para as autarquias locais. Estes bens são aqueles que integram o recurso hídrico (lei 169/99, de 18 de Setembro) e os bens pertencentes ao domínio de circulação (lei 2110, de 19 de Agosto).


O Decreto-Lei 477/80, de 15 de outubro, define os bens que integram o domínio privado do Estado, ou seja, os bens suscetíveis de comércio jurídico, sendo que os objetos do contrato celebrado com “Paris em Linha” encontram-se previstos no artigo 5º alínea a) que prevê os imóveis (prédios rústicos e urbanos), ou seja, a loja antiga (prédio urbano) e a alínea d) que prevê os bens móveis corpóreos, ou seja, os equipamentos. A doutrina distingue entre bens do domínio privado disponível e bens do domínio privado indisponível. O artigo 7º, nº2 estabelece os bens do domínio privado indisponível e o nº3 do mesmo artigo dispõe que os bens do domínio privado do estado são aqueles que não se encontram afectos a fins de utilidade pública. Durante a pandemia os bens objeto do contrato celebrado com a “Paris em Linha” estavam a ser utilizados com o intuito de prosseguir fins de interesse geral da comunidade do município, mas com o fechamento da empresa municipal “Linha mais próxima”, os bens deixaram de estar afectos a esse fim, passando a integrar a categoria de bens do domínio privado disponível.


A partida, como o regime é aplicável à gestão do património imobiliário das autarquias locais, aplicar-se-ia o procedimento de alienação previsto nos artigos 77º ao 106º do Decreto-Lei 280/2007. No entanto, após analisar o disposto no artigo 235º e o disposto no artigo 84º da Constituição da República Portuguesa bem como o artigo 5º do Decreto-Lei 477/80, pode-se concluir que a secção de venda deste diploma não é aplicável, pois os municípios são pessoas coletivas próprias, independentes do Estado e a loja e os equipamentos obtidos pelo atual salão “Paris em Linha” pertencem ao domínio privado da autarquia local, pois não enquadra-se no domínio hídrico ou no domínio de circulação. Como vimos, a loja antiga e os equipamentos eram bens do domínio privado disponíveis. A doutrina entende que os princípios gerais que aplicam-se ao domínio público do Estado, também são aplicáveis com as devidas adaptações ao domínio público das autarquias locais, e por maioria de razão, o Decreto-Lei 280/2007, que também prevê os princípios gerais do regime de bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos é igualmente aplicável aos bens privados das autarquias locais com as devidas adaptações. 


A legislação aplicável nesse caso é a lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o regime jurídico de competências e do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias que prevê as normas gerais aplicáveis à alienação de bens imóveis das autarquias locais, atribuindo essa competência a câmara municipal [artigo 64º, nº2 alíneas f) e g)] e à assembleia municipal [artigo 53, nº2, alínea i)]. 


O artigo 53º, nº2, alínea i) estabelece que a assembleia pode, sob proposta da câmara, autorizar a mesma a alienar bens imóveis de valor superior a 1000 vezes o índice 100 das carreiras do regime geral do sistema remuneratório da função pública. Ao consignar o disposto acima mencionado com o disposto no artigo 64º, nº9, pode-se concluir que até esse valor, não é obrigatório adotar procedimento de hasta pública. Sendo o valor x, o contrato de compra e venda celebrado com “Paris em Linha” poderia decorrer através de ajuste direto.


Tratando-se de bens do domínio privado, o contrato celebrado com a empresa “Paris em Linha” estava igualmente sujeito ao regime de direito privado e inseridos no comércio jurídico correspondente, tendo por base o artigo 1304º do Código Civil que dispõe: “O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste Código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria deste domínio”. Como já foi mencionado, a loja antiga e os equipamentos eram bens imóveis do domínio privado da autarquia local, e, logo são suscetíveis de comércio jurídico. O salão “Paris em Linha” exerceu os seus direitos constitucionalmente consagrados ao celebrar o contrato. A constituição e o Código civil garante tanto as pessoas singulares como também as pessoas coletivas, a livre iniciativa económica privada e a liberdade de contratar (artigo 62º CRP e artigo 405º CC), bem como o papel das empresas privadas, sobretudo as pequenas empresas, cujo é responsabilidade do Estado incentivar (artigo 86º CRP). Durante as negociações entre a empresa pública e os atuais proprietários do espaço, não se verificou vícios da vontade de nenhuma das partes (artigos 240º - 257º CC). Na verdade, existia uma relação desigual entre as partes, dado que envolvia uma empresa pública local e os atuais proprietários, pequenos empresários sem qualquer poder de influência para pôr em causa a vontade da contraparte.


 A loja foi vendida em um contexto pós-pandêmico, que ainda sentia os impactos econômicos da pandemia, tendo essa área da economia enfrentado grandes dificuldades financeiras devido ao confinamento. Foi um péssimo momento de venda uma vez que, devido às dificuldades financeiras e o risco associado de inserção nesse mercado durante esse período, esse tipo de negócio sofreu uma desvalorização. Houve também uma desocupação do município de Linha durante o período pandêmico que reduziu a procura por imóveis como esse nessa localidade.


O ajuste direto corresponde ao procedimento de contratação pública prevista no artigo 112º, nº2 do Código dos Contratos Públicos, tratando-se de uma tramitação procedimental célere e simples no qual a entidade adjudicante, nesse caso o município, convida diretamente uma entidade à sua escolha para que esta apresente uma proposta. Os proprietários da empresa "Paris em Linha" inicialmente mostraram interesse depois de conhecer do anúncio de venda da loja antiga e dos equipamentos na edição semanal do jornal "Notícias em Linha" publicado no dia 16/11/2022. Posteriormente, devido a ausência de demais interessados, o município convida os proprietários da empresa "Paris em Linha" para fazer uma proposta. Esse foi o procedimento a partir do qual a empresa “Paris em Linha” entrou em negociações com o município culminando na celebração do contrato. 


 Posto tudo isto, se a decisão dos exmos Drs. Juízes continuar a ser a de invocar a invalidade deste negócio nós gostaríamos de reforçar o princípio da boa fé administrativa presente no artigo 10º do CPA mais especificamente na sua vertente de tutela da confiança. Este princípio vincula a administração e a atividade administrativa ao princípio da boa fé . Há 4 pressupostos para a aplicação deste princípio , sendo esses: a existência de uma situação de confiança; há que haver uma justificação para esta confiança; investimento nessa mesma confiança; há que haver uma imputação dessa confiança. Todos estes pressupostos encontram-se preenchidos pelo nosso cliente pelo que parece-nos desmesurado que o nosso cliente venha a ser prejudicado por uma decisão que indique o desvalor do ato da venda visto que o único erro que o nosso cliente fez foi confiar na Administração Pública.

Auria Carvalho, Afonso Paiva, Eduarda Silva e Guilherme Silva, turma B, subturma 15, simulação de Direito Administrativo II, maio de 2024.


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