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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Simulação- Ponto 3

 Atribuição da tarefa de AIA a uma empresa pública, de organização e atuação privada.

 

A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é um instrumento fundamental não só na legislação portuguesa, mas também na legislação europeia, de modo a garantir a sustentabilidade ambiental em projetos que possam impactar o ambiente. No nosso ordenamento jurídico, a AIA está regulamentada pela lei n° 58/2005, de 29 de dezembro (com alterações subsequentes que dispõem para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2011/92/UE). Esta legislação estabelece princípios essenciais, tais como a autonomia e imparcialidade da APA, cujo objetivo é conduzir o processo de avaliação de forma técnica e independente. A legislação nacional e europeia estabelece um quadro normativo desenvolvido para a AIA, que destaca a importância da atuação autónoma e imparcial da Autoridade responsável.

 

A insatisfação em relação à atualidade da APA na AIA tem raízes tanto em controvérsias políticas quanto em conflitos judiciais. As notícias divulgadas pela comunicação social tornam evidente a crescente preocupação e descontentamento. Por esta razão, a transparência nos processos decisórios da APA é essencial para mitigar controvérsias – a falta da mesma pode levar a suspeitas de favorecimento ou falta de imparcialidade, intensificando o descontentamento público. 

 

A APA, apesar de ser denominada de “agência”, constitui uma natureza jurídica diferenciada de uma autoridade independente. Na verdade, a APA é um serviço do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, que se encontra integrado na Administração indireta do Estado. Isto levanta questões consideráveis no contexto da AIA, principalmente considerando os princípios de autonomia e imparcialidade. A subordinação direta da APA ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática pode influenciar a sua capacidade de atuação autónoma. A natureza hierárquica em questão pode gerar um ambiente em que as decisões da APA possam ser entendidas como sujeitas a pressões políticas, o que pode comprometer a autonomia que seria desejada para uma autoridade responsável pela AIA. Ao contrastar a APA com uma autoridade independente, verifica-se que a independência é um fator crítico na credibilidade de uma instituição responsável pela AIA. Isto devido ao facto de instituições independentes tenderem a ter uma estrutura organizacional que minimiza interferências externas, o que promove a confiança nas decisões tomadas. Com isto, podemos admitir que a natureza da APA como um serviço indiretamente administrado pelo Estado pode criar conflitos. Esta análise jurídica da APA evidencia o interesse em reorganizar os serviços responsáveis pela AIA. 

            

A autoridade competente para a AIA é a APA e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), nos termos do artigo 8º/1 do DL n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro.

 

CARACTERIZAÇÃO DOS AGENTES 

 

·      MINISTÉRIO DO AMBIENTE – Administração direta do Estado (pasta integrante do Governo)

·      APA – Administração indireta do Estado (serviço personalizado do MA) à autoridade competente para a avaliação do impacto ambiental (artigo 8º/1 a) do Regime da Avaliação de Impacto Ambiental – RAIA)

 

Pretensão: MA pretende reorganizar/reestruturar a APA

            Hipóteses:

1)    Manutenção do estatuto jurídico da APA (Primeiro é necessário analisar a lei orgânica do MA, para perceber se tem competência para alterar o estatuto dos serviços personalizados)

 

O MAOTE, exerce os poderes de tutela e de superintendência sobre a APA, nos termos do artigo 5º/a) da lei orgânica do ministério do ambiente, ordenamento do território e energia (lomaote) – quer isto dizer que, o Ministro tem não só poder para controlar e fiscalizar a forma como as suas entidades materializam as suas atribuições por meio de juízos de legalidade, mérito ou mistos, como também o poder de orientar definindo os fins a que estas entidades se devem propor, por via de diretivas ou recomendações. Ainda que as diretivas da Administração Direta sejam altamente vinculativas para as entidades da Administração Indireta, há um certo grau de liberdade e autonomia dessas entidades para que escolham os meios mais idóneos para a prossecução das metas supramencionadas (artigo 21º, Lei n.º 19/2014, de 14 de abril). Esta restruturação implica retirar o poder de superintendência, o que implica consequentemente que a APA deixe de ser uma entidade da Administração Indireta e passe a ser uma entidade da Administração Autónoma – esta alteração implica uma alteração legislativa, isto é, da Lei Orgânica do Governo. Dessa forma, é procedente quando o Governo alterar os seus estatutos. 

a.     Competências:

·      Tarefas desempenhadas habitualmente por direções-gerais – no nosso entendimento, pretende-se retirar esta competência para que possa de forma mais racionalizada e independente fazer a AIA. 

·      Tarefas autónomas e independentes (AIA)

 

2)    Modelo concentrado e integralmente estadual, dirigido por uma “comissão executiva” (“task force”) de técnicos independentes, sob a imediata égide do MA.

A questão conflituante nem é tanto formal, uma vez que não há aparente problema em constituir uma task-force constituída por técnicos independentes, se bem que se pode levantar uma questão de violação do princípio da necessidade, na vertente do excesso uma vez que não é concebível que se sacrifiquem posições subjetivas para além daquilo que é verdadeiramente necessário (descaracterizar a APA que já é a autoridade competente para a execução da AIA, de forma a sacrificar meios estaduais só pela contratação desta task-force parece-nos quase “desnecessário”). O problema é mais quanto à materialidade subjacente à proposta uma vez que, se sugere que este novo órgão composto por titulares “independentes” esteja sobre o poder mais intenso que o Estado pode exercer – o poder de direção. A comissão estará sujeita a acatar com ordens e direções e também instruções, e pressupõe-se um dever de obediência que tem repercussões a nível disciplinar. Ora este poder exercido sobre a task-force pode facilmente resultar em situações de desvio de poder por violação do princípio da imparcialidade uma vez que, imagine-se a necessidade de uma AIA para licenciamento da construção de uma obra pública, o Governo neste caso pode exercer uma certa pressão sobre a comissão que irá enviesar o relatório. 

 

 

 

4)    Atribuição da tarefa de AIA a uma associação pública, integrante da Administração autónoma. – 

 

Associações públicas: três modalidades – de entidades privadas (ordens profissionais); públicas; mistas. Tem no seu substrato um elemento humano, pressupondo uma associação de pessoas singulares numa estrutura jurídica prosseguindo fins próprios. 

Estas associações auto organizam-se internamente – cada entidade pública tem uma melhor capacidade para definir as suas regras de funcionamento, todavia a tarefa que  visa atribuir implica interesses intersubjetivos que incumbem ao Estado, mais concretamente o controlo que certo empreendimento possa ter a nível de impacto ambiental, logo não pode de forma alguma estar na disposição de uma entidade da administração autónoma, uma vez que os critérios e a forma como esta avaliação vai ser realizada necessita de garantias de independência e controlo técnico que será melhor obtido se a tarefa for atribuída a uma entidade da administração independente. 

 

As entidades na administração autónoma estão sujeitas a uma tutela jurídica por parte do Governo, o que não garante uma total imparcialidade, ao passo que na administração independente as entidades não estão sujeitas a nenhum controlo do Governo (administração direta), o que oferece mais garantias de imparcialidade que são exigíveis neste caso – atendendo à natureza da situação, faz sentido que estas avaliações sejam feitas de modo imparcial e que portanto estejam na administração independente, em que são ainda prosseguidas e asseguradas pela administração pública, na medida que se trata de interesse público e que portanto se justifica. 

 

Critica-se, assim, a opção de atribuição da tarefa a uma associação pública na administração autónoma pelas razões supra expostas, devendo optar-se pela administração independente. 

 

A opção 5, que envolve a criação de uma entidade administrativa independente exclusivamente dedicada à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), pode apresentar algumas desvantagens que passamos a analisar:

 

A criação de uma entidade administrativa independente pode envolver custos significativos, incluindo despesas operacionais, recursos humanos especializados e infraestrutura. Há também a possibilidade de existir influência política externa, mesmo sendo independente, a entidade pode ainda estar sujeita a pressões políticas externas. Dependendo do processo de nomeação de liderança e do grau de supervisão governamental, pode haver influências políticas que comprometem a independência. A criação de uma entidade independente pode exigir ajustes na legislação existente. A atualização de leis pode ser um processo demorado e desafiador, com possíveis obstáculos políticos e burocráticos. Dependendo da autonomia financeira da entidade, pode haver a preocupação de que ela não tenha recursos adequados para desempenhar efetivamente as suas funções. Isso pode afetar a qualidade e a abrangência das avaliações de impacto ambiental. Por fim uma entidade independente pode ser menos flexível para se adaptar a mudanças nas condições ambientais ou para incorporar novas abordagens metodológicas. A rigidez organizacional pode limitar a capacidade de inovação e melhoria contínua.

 

A opção 6, que envolve o modelo de funcionamento mediante a colaboração com o setor privado, nomeadamente através da concessão da tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) ou através da criação de parcerias público-privadas (PPP), também pode apresentar diversas desvantagens:

 

Podemos estar a presenciar um potencial Conflito de Interesses onde a colaboração com o setor privado pode criar potenciar os mesmos, especialmente se a empresa privada envolvida tiver interesses financeiros no projeto em avaliação. Isso pode levantar questões sobre a imparcialidade do processo da AIA. Também temos de perceber que há um risco de subordinação a interesses comerciais, o setor privado, ao assumir responsabilidades na AIA, pode priorizar os seus interesses comerciais sobre considerações ambientais. Isso pode resultar em avaliações de impacto menos rigorosas e objetivas. Depois, há a possibilidade de Falta de Transparência. A gestão privada pode ser menos transparente do que as entidades públicas, o que pode levantar preocupações sobre a divulgação completa de informações e a participação pública efetiva no processo da AIA. Podem também existir possíveis pressões para a redução de custos, onde empresas privadas podem enfrentar pressões para reduzir custos e otimizar lucros, o que pode resultar em cortes de custos nas atividades da AIA, comprometendo a qualidade e a abrangência das avaliações. Por fim, a fragilidade nas mudanças de Governo – a continuidade e consistência nas políticas ambientais podem ser afetadas por mudanças no governo, o que pode impactar a estabilidade das parcerias público-privadas e a gestão efetiva das atividades da AIA.

 

Por fim, a opção 7 que consiste na privatização da tarefa de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), realizada exclusivamente por entidades privadas, sob a coordenação e fiscalização de uma "agência reguladora", tem claros problemas:

 

Há o risco de haver uma Falta de Controlo Direto pelo Governo onde o mesmo pode ter menos controlo direto sobre o processo de Avaliação de Impacto Ambiental, quando realizado por entidades privadas, o que pode dificultar a implementação consistente das políticas ambientais. Há também desafios na Participação Pública onde a privatização da AIA pode dificultar a participação pública efetiva, já que as entidades privadas podem não ser tão abertas ou recetivas à contribuição da sociedade civil em comparação com entidades públicas. Depois disso há a possibilidade de menor transparência; a mesma pode ser comprometida quando as avaliações são realizadas por entidades privadas. A divulgação de informações pode ser mais restrita, afetando a confiança pública e a participação efetiva.

 

Podemos constatar também alguma fragilidade na fiscalização da qualidade das avaliações, onde a mesma pode ser mais desafiadora quando realizada por uma agência reguladora, especialmente se a capacidade de supervisão for limitada ou se houver falta de recursos. Constatamos também uma potencial falta de independência. A dependência de entidades privadas pode comprometer a independência e imparcialidade do processo de Avaliação de Impacto Ambiental, especialmente se essas entidades tiverem ligações estreitas com partes interessadas nos projetos avaliados. Por fim podem existir possíveis problemas de uniformização de critérios onde a falta de uma abordagem uniforme e padronizada na avaliação de um impacto ambiental por diferentes entidades privadas pode levar a inconsistências e falta de harmonização nos critérios utilizados.

 

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) contém, subjacente e inerente à sua designação, a categoria de I.P. (Instituto Público). Ora, esta classificação permite comprovar a adoção da modalidade de Administração Pública indireta, onde este instituto se mostra predominante e de caráter forte. Podemos tomar vários exemplos de Institutos Públicos que não passam despercebidos nos dias de hoje: Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA, I.P.), Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT, I.P.), Instituto Nacional de Estatística (INE, I.P.), entre muitos outros de uma lista interminável que poderíamos adotar. 

 

Contudo, ao considerarmos a Agência Portuguesa do Ambiente como Instituto Público, há que atender à possível “sobrecategorização” da mesma: A sua natureza e enquadramento jurídicos, consagrados pela Lei 3/2004 de 15 de janeiro, não parecem ser os mais adequados à realidade graças à incompatibilidade prática da imparcialidade e autonomia exigidas de diversas fontes, quer internas quer europeias, com a designação de “Agência” e a sua inequívoca relação de subordinação com o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, sendo esta uma pequena derivação do órgão. 

 

Ora, quando confrontados com esta realidade, nada mais se gerará senão uma insatisfação pela quebra da expetativa de autonomia orgânica na elaboração e investigação daquela que se revela uma ferramenta indispensável à atualidade: A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). 

 

Importa contextualizar o Setor Público Empresarial e enumerar as diferentes modalidades que o mesmo pode admitir: Setor Empresarial do Estado e Setor Local do Estado, dividindo-se o primeiro em Empresas Públicas e Empresas Participadas. Para o Professor Diogo Freitas do Amaral, há ainda que distinguir, dentro das Empresas Públicas, as Empresas Públicas sob Forma Pública, as Empresas Públicas sob Forma Privada e ainda as Empresas Privadas Participadas pelo Estado, que na verdade não se revelam honestamente empresas públicas. 

 

Dentro do âmbito do trabalho, é necessário também a distinção entre Entidades Públicas Empresariais e Empresas Públicas: as primeiras regem-se por um modelo de gestão pública (que visa a prossecução dos interesses públicos) e as segundas pela gestão privada (que visa a prossecução de interesses privados legalmente tutelados). 

 

Não obstante a clara separação entre estas duas modalidades, elas podem convergir na medida em que, sendo preciso cumprir os princípios da boa administração, da economia, eficácia e eficiência (de acordo com o Professor José Tavares), e caso a gestão privada, pela flexibilidade e menor burocratização processual, conseguir consagrar os mesmos, então devemos admitir uma coexistência de ambas e posterior adoção da gestão privada sem incorrer na falta de prossecução do interesse público.

 

Considerando o exposto, conseguimos então entender não só a possibilidade de adoção deste regime de empresa pública de gestão privada, como adotamos a posição do Professor Diogo Freitas do Amaral, no sentido de considerar uma empresa pública sob forma privada.

 

Tendo em conta a insatisfação geral com o órgão responsável pela AIA, a solução mais evidente parece ser a atribuição da AIA a uma empresa pública de gestão e atuação privada. 

Em conformidade com o Decreto-Lei 133/2013 de 3 de outubro, constaria na solução uma empresa pública, como referido anteriormente,  nos termos do Art. 2º, podendo considerar-se o  requisito da influência dominante da entidade administrativa ou empresarial pública, no caso previsto no Art. 5º. Esta influência consagra-se no Art. 9º do mesmo decreto, expondo os cenários possíveis para averiguar a verificação deste instituto, como o capital pertencente à entidade ou até à detenção de participações qualificadas e direitos especiais que influenciam importantes decisões e processos. No decorrer do Decreto-Lei há uma densificação das funções e estabelecimento de regras e obrigações para possibilitar a adoção destes meios administrativos, sempre baseado na satisfação das necessidades coletivas e prossecução do interesse público, os fins máximos da Administração Pública. 

 

Estando este instituto de empresa pública de gestão privada tão enquadrado no nosso ordenamento jurídico, a sua utilização para estes fins administrativos deve ser incentivada por via das inúmeras vantagens que consegue trazer no desempenho da AIA: Primeiramente, sendo regulada pelo Direito Privado, a atuação privada da empresa possibilita a utilização de meios e recursos de forma mais fácil e eficiente, tornando o desenvolvimento da atividade vinculada mais vantajoso e frutífero. Não obstante a disposição pelo Estado de recursos e meios mais alargados, há uma eminente primazia de liberdade na utilização por parte da gestão privada, apoiada na diminuição de burocratização processual.

 

Uma outra vantagem incontornável será a verdadeira autonomia da atuação privada que, contrariamente à situação original exposta, se revela de grosso modo na adoção deste novo regime. Contudo, há que reforçar a ideia de que, apesar de autónoma na sua maioria a nível de atuação e organização, continua a existir a limitação do Estado como acionista, nos termos do Art. 38º do Decreto-Lei 133/2013, bem como a limitação legal de obrigação de cumprimento do vinculado pelo Art. 43º do mesmo diploma.

 

Revela-se igualmente como vantagem a obrigação de transparência por parte do órgão, consagrada positivamente no Art. 45º do Decreto-Lei 133/2013, que se vincula à apresentação de determinados elementos que provem a prossecução correta do interesse público em causa, bem como de relatórios e informações financeiras, colmatando aquela que poderia ser uma das causas dominantes de insatisfação geral contra a Agência Portuguesa do Ambiente.

 

Em conjugação com o disposto anteriormente, não passa despercebido o ênfase na responsabilidade social presente no Art. 49º do diploma, que vem acentuar ainda mais a vinculação à satisfação das necessidades públicas, bem como a imposição de respeito pelo princípio da legalidade, que originará uma segurança jurídica na atuação mais afincada. 

 

Neste sentido, e considerando o exposto anteriormente, existem diversas vantagens na atribuição de uma tarefa como a AIA a uma empresa pública de atuação e organização privada, estando esta possibilidade legalmente protegida e delimitada de modo a tornar-se mais acessível e adotada em muitas outras situações.

 

Maria Carolina Silva

Leonor Marques

Pedro Figueiredo

Tomás Costa

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