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sexta-feira, 24 de novembro de 2023


Pessoas Coletivas Privadas na Administração Pública

Um breve diálogo entre os professores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa


    Determina-se como princípio da descentralização administrativa a existência de diversas entidades na Administração Pública, para além do Estado-Administração, as quais participam no exercício da função administrativa do Estado-coletividade- definido pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa, como o povo fixo num determinado território que, por sua autoridade própria, institui um poder político relativamente autónomo, o qual prossegue fins diversificados que visam a segurança, a justiça e o bem-estar económico social e cultural. Essa descentralização é o que nos permite não reduzir a Administração Pública apenas ao Estado-Administração, dividindo-a em pessoas coletivas públicas ou de Direito Público e pessoas coletivas privadas ou de Direito Privado.  

    As instituições particulares de interesse público integram o que chamamos de pessoas coletivas privadas sujeitas a regime administrativo ao participarem no exercício da função administrativa do Estado-coletividade. Consoante o professor Diogo Freitas do Amaral, essas entidades podem ser definidas como pessoas coletivas que, por prosseguirem o interesse público, têm o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo, consagrado no Art.º 2 n.º 5 do Código do Procedimento Administrativo. Esse fenómeno ocorreria por razões diversas, nas palavras do professor Freitas do Amaral, destaca-se três: 

  1. a) Há a confiabilidade de atividades da Administração Pública às entidades privadas intituladas de exercício privado de funções públicas, por não poder a Administração Pública arcar com todas as tarefas necessárias de desenvolvimento em prol da coletividade, por isso, encarrega as entidades privadas de desempenharem a função administrativa. 

  1. b) Por serem consideradas relevantes pela legislação no plano do interesse coletivo, decide-se submeter entidades privadas a uma fiscalização, em alguns casos uma intervenção, por parte da Administração Pública. Essas são entidades sistematicamente fiscalizadas ou dirigidas pela administração, nomeadamente um controlo público de atividades privadas. 

  1. c) Doutra forma, também, a lei permite a criação de entidades privadas por iniciativa particular em algumas áreas de atuação, destinando-se apenas para a prossecução do interesse público sem fins lucrativos, ou seja, altruística e voluntariamente. Para esta situação, há uma particularidade pois dá-se em mesma medida o exercício da atividade por entidades de direito público e de direito privado, formando uma coexistência colaborante entre atividades públicas e privadas.  

Para as instituições particulares de interesse público há uma certa caracterização: 

  1. i) De forma orgânica, ou subjetiva, são entidades particulares (ou pessoas coletivas privadas) 

  1. ii) De forma material, ou objetiva, desempenham uma atividade administrativa de gestão pública e, também, de gestão privada.  

  1. iii) Pelo direito aplicável o regime jurídico é um misto de direito privado e de Direito Administrativo. Mesmo tratando-se de entidades privadas que, por natureza, são reguladas pelo direito privado, mantém-se uma submissão em vários aspetos significativos a um regime específico traçado pelo Direito Administrativo.  

    A participação privada na atividade administrativa descrita, no entanto, não transforma as instituições em uma parte integrada à Administração Pública, mas é uma forma funcional de descentralizar o setor público, por transferência de poderes (superintendência através de normas de atribuição) próprios da órbita do setor público para o setor privado, ou por autorização da concorrência dos particulares com a Administração sobre tarefas comuns. Vale ressaltar que não é uma ideia moderna a participação nas atividades administrativas por entidades privadas, como é possível perceber nas Ordenações Manuelinas e nas Ordenações Filipinas, ou até nos próprios Códigos Administrativos que versam sobre tais entidades privadas de fim altruístico e não lucrativo que exercem a função administrativa, sendo qualificadas como de utilidade pública. Como esses, a revisão da Constituição da República Portuguesa de 1982 intitulou as instituições privadas de solidariedade social como instituições particulares de solidariedade social, sendo sucedida pela reforma seguinte no que tange a prestações de saúde, a promoção habitacional ou a atividades educativas ou de formação profissional (Tít. III, Cap. I CRP).   

    Atualmente, existe uma distinção notável entre pessoas coletivas de utilidade pública e instituições particulares de solidariedade social, uma distinção apoiada tanto por Marcelo de Sousa quanto por Freitas do Amaral. Esta perspetiva é defendida, apesar de uma parte da doutrina, representada por outros autores, que sustenta a substituição integral da primeira pela segunda. Segundo o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro de 1977, a categoria das pessoas coletivas de utilidade pública é autonomizada, sendo definida como associações ou fundações que perseguem fins de interesse geral ao colaborar com a Administração central ou local. 

    O Decreto-Lei n.º 519-G2/79, de 29 de dezembro de 1979, estabelece as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa como uma categoria de associações e fundações particulares, denominadas instituições privadas de solidariedade social, cujo propósito é disponibilizar serviços ou prestações de segurança social. O Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro de 1983, ao revisar o anterior, consagra o estatuto jurídico das instituições particulares de solidariedade social. Essas instituições não estão mais restritas à segurança social, possuindo o direito ao apoio financeiro do Estado e estando sujeitas à sua tutela administrativa. 

    Portanto, as instituições particulares de solidariedade social organizam-se em prol do dever moral de solidariedade e justiça entre os indivíduos. Por outro lado, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, que não são instituições particulares de solidariedade social, perseguem os fins previstos no Art.º 416º do Código Administrativo, estando sujeitas à tutela administrativa e ao controlo financeiro do Estado. 

 



Bibliografias: 

Amaral, D. F. (2006). Curso de direito administrativo, volume I. Coimbra Portugal: Almedina. 

Rebelo, M. (1994/95). Lições de Direito Administrativo. 

Portugal, Correia, A. and Cipriano Simões Alegre (1942). Código Administrativo Anotado. 

 

Eduarda Cristina dos Santos Silva, n.º Aluna: 65188; TB, Sub15. 

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