As entidades privadas
de interesse público: o dilema do seu regime jurídico
Como se sabe,
complexidade é das palavras que mais se encaixa quando se aborda o tema da
Administração. Por um lado, ao pensarmos no seu objeto, é trabalhoso obter uma
resposta completa, já que há todo um conjunto de necessidades que carecem de satisfação
por parte da Administração Pública e este conjunto acaba por ser vasto e
labiríntico: necessidade de proteção das pessoas e bens, obras públicas,
inúmeros serviços, etc. Por outro lado, a administração torna-se complexa
porque as entidades administrativas não provêm da mesma natureza. Melhor
dizendo, com o estudo desenvolvido desta área jurídica, entende-se que, os
serviços de satisfação das necessidades coletivas são criados pelo Estado ou
por organismos autónomos e são administrados por vários tipos de entidades –
comunidades locais autárquicas e outros por instituições públicas e
particulares.
Relativamente a
esta última ideia, apesar de estarmos dentro da esfera administrativa,
significa então que existem entidades privadas com poderes administrativos? Ou
melhor, existem entidades privadas com poderes públicos e que podem ser
controladas pelas entidades públicas?
De facto, é
necessário ter em conta que quando se fala em administração, não estamos a
falar apenas no Estado e nos seus serviços centrais (Governo, ministros,
direções gerais, etc.), graças à descentralização administrativa que tem
surgido, inserem-se na Administração Pública as regiões autónomas, os
municípios e freguesias (por exemplo). Mas, paralelamente, para reforçar a ideia
de que o Estado não tem o compromisso exclusivo da atividade administrativa[1]
podem surgir funções administrativas exercidas por particulares – associações,
fundações ou sociedades. Não falamos aqui de administração privada na qual se
prosseguem necessidades individuais ou necessidades que a coletividade não
segue, para além disso a administração privada tem em vista fins particulares e
pessoais. Fala-se então de uma administração pública onde se encontram
entidades particulares.
Ora, o Professor
Freitas do Amaral e o Professor Marcello Caetano acabam por atribuir nomes
diferentes para o assunto, mas vão de encontro em certos pontos. Como por
exemplo, ambos defendem que o Direito Administrativo não se fica pela regulação
de entidades públicas, pois, quando existem entidades privadas cujos fins
prosseguidos são semelhantes ou os mesmos que os interesses públicos da
Administração Pública, claramente que apesar do cariz privado, estas entidades
são sujeitas a normas de Direito Administrativo ou tal como o professor Freitas
do Amaral refere: “ficam sujeitas por lei
(…) a um regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo”[2] –
ambas as áreas coincidem os seus fins e, portanto, é legítimo haver nesses fins
coincidentes uma tutela por parte do Estado.
Todavia, entram
em planos divergentes no que toca ao nome dado a estas entidades privadas
reguladas por direito administrativo – Marcello Caetano chama-as de “Pessoas coletivas de direito privado e
regime administrativo”[3] já
Freitas do Amaral refere-se às mesmas como “instituições
particulares de interesse público”[4]. De
facto, são entidades privadas e, consequentemente, de iniciativa privada (dos
particulares).
O professor Freitas do Amaral refere ainda que a designação
dada por Marcello Caetano não parece a mais indicada porque estamos a falar de
entidades em que o seu regime jurídico não é apenas de Direito administrativo,
certamente há que atender à natureza destas entidades porque são em simultâneo
privadas e prosseguem interesses públicos, daí que “o seu regime jurídico é traçado em parte por normas de direito privado,
em parte por normas de direito público.” [5]
Tendo em conta as duas teses, faz
sentido debruçar a favor da tese do Professor Diogo Freitas do Amaral.
Primeiramente, já como foi referido várias vezes neste trabalho, são entidades
criadas pelo direto privado, estando sempre subordinado a este nem que seja por
questões de “processo biológico” – nascimento, vida e morte da entidade – mas
logicamente que as questões administrativas serão as únicas a transcenderem o
direito privado pois, são as que criam zonas de coexistência. Estas entidades,
são uma das causas de sobrevivência da Administração nos dias de hoje, visto
que era inconcebível a Administração Pública assumir todas as tarefas que são
necessárias desenvolver para a satisfação dos interesses públicos. Para além
disso (e ligando com o argumento agora referido), a definição dada por Marcello
Caetano induz à ideia de ligação, mas também da administração tomar como sua a
entidade privada ou ainda a ideia de interferência, o que nos leva a pensar numa
centralização e não na ideia (que me parece mais correta) de descentralização.
Ao encarregar particulares e instituições privadas de desempenharem funções
administrativas (como as obras ou serviços públicos), há uma confiança
atribuída que leva a um exercício das entidades privadas de funções públicas.
Ademais, pegando no pensamento do professor Freitas do Amaral, há uma “descentralização funcional do setor público”[6], a
ideia de Marcello Caetano transmite para um pensamento levado um pouco ao
extremo de apropriação do espaço da entidade privada pelo setor público, quando
na verdade, ocorre uma transmissão de competências para a entidade, apesar de
terem os mesmos fins, nem todos os serviços têm a mesma origem, mas a delegação
de competências é uma boa ação para ultrapassar as diferenças quanto à natureza
– o próprio Freitas do Amaral refere no seu Curso: que há uma “transferência de poderes próprios desde (setor
público) para a órbita do setor privado” [7].
Concluindo, no
meio da organização complexa e até labiríntica da Administração Pública, surgem
as entidades privadas, mas de interesse público. E apesar das diferenças que
alguns autores possam atribuir-lhes, a meu ver é preciso destacar que são
instituições criadas pelo setor privado e que, portanto, têm que
obrigatoriamente de ser reguladas pelo direito privado. Não obstante o
referido, existem certas entidades que prosseguem os mesmos fins que a
Administração, o que gera zonas de coincidência de interesses. Face a isto,
estas ditas zonas surgem reguladas pelo direito administrativo (pelo direito
público) o que leva a uma descentralização das funções administrativas
confiadas às entidades privadas para a prossecução desses interesses públicos e
não a uma apropriação por parte da Administração e do direito público do setor
privado. Dizia o Professor Jorge Miranda no seu manual que “o estado português continua unitário (artigo
6º/nº1 CRP) sem embargo de ser também
descentralizado (…) capaz de distribuir funções e poderes de autoridade por
comunidades”[8].
Tomás Casquilha Elias s15 68005
Bibliografia
CAETANO, Marcello, "Manual de
direito administrativo tomo I", 10ª
edição, Almedina, Coimbra, 1984
AMARAL, Diogo Freitas de, “Curso de Direito Administrativo", 3ª edição, Almedina, 2006
MIRANDA,
Jorge, "Manual de Direito
Constitucional, Tomo I”, 6ªedição,
Coimbra, 1997
[1] Ideia
que remete para o que Diogo Freitas Do Amaral defende no seu “Curso de Direito Administrativo vol. I”, 3ºa
edição, Almedina, 2006, p.31
[2] Ibidem,
p. 716
[3] MARCELLO
CAETANO, “Manual de Direito
Administrativo, vol. I”, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1984
[4] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito
Administrativo, vol. I “, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006
[5]DIOGO
FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito
Administrativo, vol. I “, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006
[6] Ibidem.
[7] Ibidem.
[8] JORGE
MIRANDA, “Manual de Direito
Constitucional, tomo I”, 6ª edição, Coimbra, 1997
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