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terça-feira, 28 de novembro de 2023

As entidades privadas de interesse público: o dilema do seu regime jurídico

 

As entidades privadas de interesse público: o dilema do seu regime jurídico

     Como se sabe, complexidade é das palavras que mais se encaixa quando se aborda o tema da Administração. Por um lado, ao pensarmos no seu objeto, é trabalhoso obter uma resposta completa, já que há todo um conjunto de necessidades que carecem de satisfação por parte da Administração Pública e este conjunto acaba por ser vasto e labiríntico: necessidade de proteção das pessoas e bens, obras públicas, inúmeros serviços, etc. Por outro lado, a administração torna-se complexa porque as entidades administrativas não provêm da mesma natureza. Melhor dizendo, com o estudo desenvolvido desta área jurídica, entende-se que, os serviços de satisfação das necessidades coletivas são criados pelo Estado ou por organismos autónomos e são administrados por vários tipos de entidades – comunidades locais autárquicas e outros por instituições públicas e particulares.

     Relativamente a esta última ideia, apesar de estarmos dentro da esfera administrativa, significa então que existem entidades privadas com poderes administrativos? Ou melhor, existem entidades privadas com poderes públicos e que podem ser controladas pelas entidades públicas?

     De facto, é necessário ter em conta que quando se fala em administração, não estamos a falar apenas no Estado e nos seus serviços centrais (Governo, ministros, direções gerais, etc.), graças à descentralização administrativa que tem surgido, inserem-se na Administração Pública as regiões autónomas, os municípios e freguesias (por exemplo). Mas, paralelamente, para reforçar a ideia de que o Estado não tem o compromisso exclusivo da atividade administrativa[1] podem surgir funções administrativas exercidas por particulares – associações, fundações ou sociedades. Não falamos aqui de administração privada na qual se prosseguem necessidades individuais ou necessidades que a coletividade não segue, para além disso a administração privada tem em vista fins particulares e pessoais. Fala-se então de uma administração pública onde se encontram entidades particulares.

     Ora, o Professor Freitas do Amaral e o Professor Marcello Caetano acabam por atribuir nomes diferentes para o assunto, mas vão de encontro em certos pontos. Como por exemplo, ambos defendem que o Direito Administrativo não se fica pela regulação de entidades públicas, pois, quando existem entidades privadas cujos fins prosseguidos são semelhantes ou os mesmos que os interesses públicos da Administração Pública, claramente que apesar do cariz privado, estas entidades são sujeitas a normas de Direito Administrativo ou tal como o professor Freitas do Amaral refere: “ficam sujeitas por lei (…) a um regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo”[2] – ambas as áreas coincidem os seus fins e, portanto, é legítimo haver nesses fins coincidentes uma tutela por parte do Estado.

     Todavia, entram em planos divergentes no que toca ao nome dado a estas entidades privadas reguladas por direito administrativo – Marcello Caetano chama-as de “Pessoas coletivas de direito privado e regime administrativo”[3] já Freitas do Amaral refere-se às mesmas como “instituições particulares de interesse público”[4]. De facto, são entidades privadas e, consequentemente, de iniciativa privada (dos particulares).

O professor Freitas do Amaral refere ainda que a designação dada por Marcello Caetano não parece a mais indicada porque estamos a falar de entidades em que o seu regime jurídico não é apenas de Direito administrativo, certamente há que atender à natureza destas entidades porque são em simultâneo privadas e prosseguem interesses públicos, daí que “o seu regime jurídico é traçado em parte por normas de direito privado, em parte por normas de direito público.” [5]

     Tendo em conta as duas teses, faz sentido debruçar a favor da tese do Professor Diogo Freitas do Amaral. Primeiramente, já como foi referido várias vezes neste trabalho, são entidades criadas pelo direto privado, estando sempre subordinado a este nem que seja por questões de “processo biológico” – nascimento, vida e morte da entidade – mas logicamente que as questões administrativas serão as únicas a transcenderem o direito privado pois, são as que criam zonas de coexistência. Estas entidades, são uma das causas de sobrevivência da Administração nos dias de hoje, visto que era inconcebível a Administração Pública assumir todas as tarefas que são necessárias desenvolver para a satisfação dos interesses públicos. Para além disso (e ligando com o argumento agora referido), a definição dada por Marcello Caetano induz à ideia de ligação, mas também da administração tomar como sua a entidade privada ou ainda a ideia de interferência, o que nos leva a pensar numa centralização e não na ideia (que me parece mais correta) de descentralização. Ao encarregar particulares e instituições privadas de desempenharem funções administrativas (como as obras ou serviços públicos), há uma confiança atribuída que leva a um exercício das entidades privadas de funções públicas. Ademais, pegando no pensamento do professor Freitas do Amaral, há uma “descentralização funcional do setor público”[6], a ideia de Marcello Caetano transmite para um pensamento levado um pouco ao extremo de apropriação do espaço da entidade privada pelo setor público, quando na verdade, ocorre uma transmissão de competências para a entidade, apesar de terem os mesmos fins, nem todos os serviços têm a mesma origem, mas a delegação de competências é uma boa ação para ultrapassar as diferenças quanto à natureza – o próprio Freitas do Amaral refere no seu Curso: que há uma “transferência de poderes próprios desde (setor público) para a órbita do setor privado” [7].

     Concluindo, no meio da organização complexa e até labiríntica da Administração Pública, surgem as entidades privadas, mas de interesse público. E apesar das diferenças que alguns autores possam atribuir-lhes, a meu ver é preciso destacar que são instituições criadas pelo setor privado e que, portanto, têm que obrigatoriamente de ser reguladas pelo direito privado. Não obstante o referido, existem certas entidades que prosseguem os mesmos fins que a Administração, o que gera zonas de coincidência de interesses. Face a isto, estas ditas zonas surgem reguladas pelo direito administrativo (pelo direito público) o que leva a uma descentralização das funções administrativas confiadas às entidades privadas para a prossecução desses interesses públicos e não a uma apropriação por parte da Administração e do direito público do setor privado. Dizia o Professor Jorge Miranda no seu manual que “o estado português continua unitário (artigo 6º/nº1 CRP) sem embargo de ser também descentralizado (…) capaz de distribuir funções e poderes de autoridade por comunidades”[8].

Tomás Casquilha Elias     s15     68005

Bibliografia

CAETANO, Marcello, "Manual de direito administrativo tomo I", 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1984

AMARAL, Diogo Freitas de, “Curso de Direito Administrativo", 3ª edição, Almedina, 2006

MIRANDA, Jorge, "Manual de Direito Constitucional, Tomo I”, 6ªedição, Coimbra, 1997



[1] Ideia que remete para o que Diogo Freitas Do Amaral defende no seu “Curso de Direito Administrativo vol. I”, 3ºa edição, Almedina, 2006, p.31

[2] Ibidem, p. 716

[3] MARCELLO CAETANO, “Manual de Direito Administrativo, vol. I”, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1984

[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito Administrativo, vol. I “, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006

[5]DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito Administrativo, vol. I “, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional, tomo I”, 6ª edição, Coimbra, 1997


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