Alegações escritas - Advogados do Município de Linha
À luz da pandemia que se viveu durante cerca de 3 anos consecutivos, 2020 até 2023
vivemos diversos estados de emergência. Estes estados foram reiteradamente renovados à luz
da justificação dos Arts 19º/4 e 5. No que toca ao Art 19º/4, o princípio da proporcionalidade
é o mínimo necessário. Em relação ao Art 19º/5, a adequada fundamentação.
Períodos de Estado de emergência e resultados de diminuição do número de casos de
covid-19:
A base legal que justifica a atribuição de estado de emergência é a seguinte: A Assembleia da
República debateu e aprovou a Resolução n.º 63-A/2021, através da qual autorizou o
Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 1 de
março (Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021) que foi regulamentado pelo
Governo através do Decreto n.º 3-E/2021, de 12 de fevereiro.
No que toca às atuações do Presidente e a sua fundamentação temos: Nos termos dos artigos
19.º, 134.º, alínea d), e 138.º da Constituição e da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, alterada
pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de
maio, sob proposta e ouvido o Governo e obtida a necessária autorização da Assembleia da
República, através da Resolução da Assembleia da República n.º 63-A/2021, de 11 de
fevereiro.
O professor SÉRVULO CORREIA define o estado de necessidade administrativo como “a
permissão normativa de atuação administrativa discrepante das regras estatuídas, como modo
de contornar ou atenuar um perigo iminente e atual para um interesse público essencial,
causado por circunstância excecional não provocada pelo agente, dependendo a juridicidade
excecional de tal conduta da observância de parâmetros de proporcionalidade e brevidade e
da indemnização dos sacrifícios por essa via infligidos a particulares”. Tendo a definição
dada, o professor Miguel Nogueira de Brito, mostra-nos em específico que durante o tempo
da pandemia, não só tínhamos o falado estado de necessidade administrativa, mas pela
sobreposição de três regimes jurídicos: o regime do estado de emergência constitucional, o
regime legislativo da situação de calamidade e a legislação de emergência adotada pelo
Governo.
Sabendo que nos encontramos, não só perante um simples estado de exceção constitucional,
mas também perante um estado de necessidade administrativa, o professor PAULO OTERO,
ajuda-nos a enquadrar e limitar ambas. O estado de necessidade administrativo pode surgir
enquadrado num estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência,
como previsto nos artigos 19º, 134º e 138º da CRP), declarado ou material. Demonstra-nos o
mesmo professor quatro situações diferentes de coexistência entre ambos os sistemas.
(i) - Estado de necessidade Administrativa pode inserir-se num cenário formal de estado de
sítio ou de estado de emergência declarado nos termos da constituição.
Não obstante o já declarado estado de necessidade constitucional, é necessário confirmar os
requisitos do estado de necessidade administrativa:
A. Perigo Atual e iminente
a. Estamos perante um perigo, pois o Covid 19 trouxe-nos um risco objetivo de
lesão que se materializou na saúde pública.
b. Este é atual e iminente, pois a não ação levaria à verificação dos danos que se
visam salvaguardar.
c. Não têm carácter permanente. Tendo sido apenas durante um período temporal
delimitado de 2020 a 2022
B. Excepcionalidade e imprevisibilidade das circunstâncias
a. Excepcionalidade - É excepcional, pois a aplicação das normas de “Situações
habituais da vida social” levaria a criação de graves prejuízos
b. Imprevisibilidade - Impossibilidade, de se prever no caso concreto a sua
concretização fática e consequentemente normativa
C. Boa-fé
a. Boa-fé subjetiva para a AP- “Vontade desta não poderá ter concorrido para a
produção das circunstâncias extraordinárias de ameaça ou risco de dano que
desencadeiam a resposta administrativa em estado de necessidade” - Nada a
AP ajudou a criar o Covid- 19
b. Prof. Carla Amado Gomes, levanta a possibilidade de aquando da criação
involuntária, e havendo a necessidade nomeadamente para ressaltar o interesse
público, de se poder aplicar.
D. Inadiabilidade e adequação da atuação administrativa
a. Risco de desaparecimento do bem ou interesse legalmente protegido se esta
não for possível ou suficientemente eficaz mediante o cumprimento da
legalidade normal, principalmente no caso de existirem procedimentos
urgentes ou outras formas de suprir as carências de celeridade e
desburocratização já previstas na lei.
E. Proteção do interesse Público
a. Ponderação entre o valor dos bens ou interesses públicos facticamente
ameaçados e o dos interesses públicos visados pelas normas que regulariam a
atuação administrativa em circunstâncias ordinárias.
b. Direitos Sacrificados: Princípio da certeza e segurança jurídicas e o princípio
democrático, que determinam a previsibilidade das condutas da AP e a sua
sujeição à vontade do legislador com legitimação democrática.
(ii) - Estado de necessidade Administrativa pode verificar-se num clima de grave anomalia
constitucional, passível de conduzir a uma situação de estado de sítio ou de estado de
emergência, sem que tenha existido, todavia, declaração formal nesse sentido
(iii) - Fora de cenários de exceção constitucional, o estado de necessidade administrativa
pode ainda ocorrer numa situação factual de iminente risco financeiro de default do Estado,
reconduzível ao conceito de “Estado de necessidade económica financeira” ou “Estado de
emergência económica-financeira”
(iv) - O Estado de necessidade administrativa pode ocorrer, sem qualquer situação, declarada
ou material de estado de exceção constitucional ou de emergência financeira - pode falar-se
de um estado de necessidade tout court.
Aplicamos a primeira situação, por ser a que se enquadra no nosso caso concreto. Tendo
percorrido com sucesso todos os requisitos necessários para se preencher.
Por fim, tendo em conta a responsabilidade civil extracontratual, esta corresponde à ação de
efetivação da responsabilidade por facto lícito ou pelo sacrifício (Isenção de Culpa) - Artigo
16º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual dos Estados e demais entidades
públicas. O ónus recai sobre o lesado, sendo a prova da anormalidade e especialidade dos
danos verificados, sendo que apenas estes são ressarcíveis.
Começando com a definição clara de uma autarquia local, está trata-se de um conjunto de
entidades que não exercem a função administrativa por conta do Estado, mas prosseguem
interesses próprios das pessoas que a constituem, tendo independência do Governo na
prossecução das suas atividades. Enquadra-se na administração autónoma do Estado, apenas
estando perante a tutela legal da AP.
Já tendo definido o que são as autarquias locais e a sua vinculação. Preocupa-nos responder o
que é a falta de atribuições e qual o Status quo histórico da atuação da administração.
Começando com o primeiro problema, a falta de atribuições corresponde à situação em que
um órgão de uma pessoa coletiva pública, pratica um ato que cabe nas competências de um
órgão pertencente a outra pessoa coletiva pública. No que toca ao segundo ponto temos o
chamado princípio da competência ou princípio da legalidade limite, Quae non sunt permissa
prohibita intelliguntur ( o que não for permitido considera-se proibido). Logo apenas com
uma norma habilitante, e tendo em conta a reserva de lei (Consiste em que nenhum ato de
categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento no bloco da legalidade).
Tendo explicado o funcionamento da AP moderna, carece de ser explicado em termos
práticos as atribuições das autarquias locais, à luz do artigo 2.º e do artigo 23.º/1 do Regime
Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), correspondem à promoção e salvaguarda dos
interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias. Por outro
lado, à luz do artigo 23.º/2 do RJAL, existe uma enunciação taxativa das matérias nas quais o
município dispõe de atribuições.
Nomeadamente em matérias relacionadas com a ação social, à luz do artigo 23.º/2 alínea h) e
relacionadas com a saúde, à luz do artigo 23º/2/g:
“Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de
doenças” - Organização Mundial da Saúde
Conseguimos observar que há dois tipos de saúde. Aprofundaremos a saúde mental, que pode
muitas vezes, seguindo a OMS mais complicada de garantir e cuidar do que a física:
“A saúde mental é a base do bem-estar geral e diz respeito a um nível de qualidade de vida
cognitiva ou emocional ou a ausência de uma doença mental.” - SNS
Ação Social:
Com vista a determinar o conteúdo da expressão “ação social”, recorremos aos diversos sites
camarários disponíveis na internet.
“É orientada para políticas ativas de inclusão social, dinamizando parcerias e o voluntariado,
bem como para o reforço da rede social, apoiando as famílias mais vulneráveis”.
Planeamento da rede de equipamentos dos concelhos, dos investimentos públicos a
implementar e dos programas de ação a desenvolver, e informar e proteger os direitos dos
cidadãos. Pretende-se desta forma uma maior participação, em cooperação com Instituições
Particulares de Solidariedade Social e em parceria com a administração central, em
programas e projetos de ação social de âmbito municipal, designadamente nos domínios do
combate à pobreza e à exclusão social. A ação social pretende fomentar assim a intervenção
social direta e cooperação no planeamento dos recursos e equipamentos sociais e de saúde, no
sentido de desenvolver as respostas mais ajustadas às necessidades dos grupos mais
vulneráveis e/ou em situação de risco”.
Através desta pesquisa sistemática, é possível extrair duas principais conclusões.
Primeiramente, é possível concluir que a ação social de um município compreende o
desenvolvimento de programas, através de parcerias, que beneficiem políticas de inclusão
social, designadamente nas matérias de combate à pobreza e à exclusão social,
desenvolvendo respostas a situações vulneráveis e de risco. Em concordância plena com a
função da ação social, foi tomada a decisão por parte da CML em criar o espaço de
cabeleireiro, face às exigências que a pandemia da COVID-19 trouxe e que necessitavam de
uma resposta eficaz, rápida, que o princípio da boa administração, consagrado à luz do artigo
5º do CPA, impõe. Por outro lado, é possível também extrair a conclusão de que, para além
do projeto se encontrar dentro do âmbito da ação social, que corresponde a uma matéria que
compreende as atribuições dos municípios, outras autarquias locais, com os mesmos
propósitos de combate ao isolamento, desenvolvem projetos semelhantes a este.
A Câmara Municipal de Linha, na plenitude das suas atribuições e competências, adotou por
iniciativa oficiosa (art.110º CPA) um ato administrativo que visava constituir um salão de
cabeleireiro num espaço anteriormente utilizado como loja municipal. Com efeito, esta
decisão produz efeitos jurídicos unilateralmente numa situação individual e concreta,
fundando-se no poder jurídico conferido pela norma habilitante do art.33º/1, alínea u) da Lei
nº75/2013, de 12 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico das Autarquias Locais,
permitindo à Câmara Municipal “apoiar atividades [...] de interesse para o município,
incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”.
Indubitavelmente, a proteção da saúde mental dos munícipes de Linha, aliada à urgência de
mitigar os efeitos devastadores de uma pandemia catalisadora de casos de depressão e
ansiedade clínicas, encontram uma base jurídica sólida neste preceito. Ademais, resulta dos
arts. 23º/1 e 23º/2, al.g) do RJAL que é atribuição fundamental do Município a de prosseguir
os interesses específicos da comunidade no tocante à saúde, não sendo abusivo incluir neste
âmbito a defesa da saúde mental, que, como consta no Relatório Psicológico que determinou
a adoção deste ato, se encontrava particularmente ameaçada no Município de Linha. Por
conseguinte, exalta-se a improcedência da acusação, que se sustenta numa alegação
inverosímil de incompetência absoluta do Município de Linha, que damos como refutada.
Não obstante, enquanto defesa do Município de Linha, incumbe-nos demonstrar, de forma
mais aprofundada, toda a incoerência subjacente à demanda da contraparte. Com enfoque nas
disposições procedimentais aplicáveis à adoção do ato administrativo em julgamento,
patentes no regime do procedimento do ato administrativo (tendo em conta que a iniciativa é
oficiosa, art.110º e seguintes do CPA, e 148º e seguintes do mesmo diploma), torna-se
indispensável ressalvar alguns aspetos.
Em primeiro lugar, atendendo à multilateralidade do ato praticado, suscetível de afetar os
direitos e interesses legalmente tutelados dos cabeleireiros que eventualmente foram
empregados, dos restantes cabeleireiros de Linha, e, em segundo plano, de todos os
munícipes; e ultrapassadas as fases de iniciativa e de instrução (em que o executivo camarário
deve procurar os factos necessários à tomada de uma decisão legal e justa, solicitando a sua
prova junto dos interessados - art.115º e seguintes do CPA- concretizando os princípios da
imparcialidade em sentido positivo - art.9º do CPA - e do inquisitório - art.58º do CPA),
remete-se para a necessidade de consulta pública, inserida na fase de audiência dos
interessados, nos termos do art.124º, al.d) do CPA, dado o número incomportável de
interessados. A arguição da ilegalidade do ato administrativo poder-se-ia sustentar numa
alegada violação desta etapa procedimental, que determinaria a sua anulabilidade nos termos
do art.163º/1, excluídas as causas de nulidade elencadas taxativamente no art.161º/2. De
forma mais agravada, seguindo a doutrina do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva,
poder-se-ia até invocar a violação do direito fundamental à audiência prévia (que resultaria da
conjugação do art.267º/5 da CRP com a cláusula aberta de direitos fundamentais dos arts.16º
e 17º da Lei Fundamental, que recebe o art.41º da Carta de Direitos Fundamentais da União
Europeia numa ótica ascendente e, por exemplo, os arts.12º e 121º/1 do CPA, numa lógica
descendente), que culminaria na declaração de nulidade do ato por força do art.161º/2, al.d).
Todavia, cumpre salientar o contexto de legalidade excecional que envolveu esta tomada de
decisão, sublinhando que, por força do art.161º/2, al.l), os atos praticados com preterição total
do procedimento e, consequentemente, nulos, seriam sanados pela invocação do estado de
necessidade administrativo. Ora, por maioria de razão, podemos retirar um efeito validante do
estado de necessidade (art.3º/2 do CPA) no que toca à preterição parcial do procedimento, por
um lado; e no que concerne a possibilidade de o ato ser meramente anulável, por outro.
Adicionalmente, afastando a invocação do estado de necessidade para mergulhar num
exercício puramente teórico de refutação “multinível”, seria sempre possível defender a
aplicação do princípio do aproveitamento do ato para impedir o efeito anulatório, na vertente
positivada na alínea b) do art.163º/5, com sustento na abertura à participação ativa dos
munícipes no sentido decisório aquando da disponibilização do inquérito psicológico, que
produziu os mesmos efeitos materiais que a etapa procedimental alegadamente preterida. Para
terminar, equacionando também a possibilidade de invocação da nulidade pela contraparte,
realçamos o instituto de salvaguarda dos efeitos do ato putativo (art.162º/3 do CPA),
plenamente aplicável considerando a situação de facto de confiança alimentada não só junto
da equipa de cabeleireiros empregada na sequência da criação do salão “Paris em Linha”,
como também alargada ao munícipes, que entretanto se tornaram clientes fiéis do único salão
de cabeleireiro em Linha que lhes garantiu um serviço com elevadas garantias de proteção de
saúde, sem nunca prescindir da qualidade e personalização.
Em segundo lugar, relativamente à potencial alegação de fundamentação insuficiente,
começamos por apelar à própria letra da lei, que em momento nenhum impõe um dever de
fundamentação do ato em julgamento. Efetivamente, centrando a nossa atenção na alínea a)
do art.152º/1 do CPA, concluímos pela impossibilidade de subsunção do ato administrativo
sub judice, uma vez que uma interpretação literal aponta para a necessidade do ato produzir
efeitos desfavoráveis (em sentido jurídico) ao particular para se impor o dever de
fundamentação. Pese embora o facto de o ato de instalar um salão de cabeleireiro num espaço
do domínio municipal dificilmente produzir efeitos jurídicos desfavoráveis na esfera de
qualquer pessoa, singular ou coletiva, consideramos que, num contexto de excecionalidade
constitucional e administrativa, a fundamentação assente na invocação da asseveração do
superior interesse da comunidade (nomeadamente, através da prossecução de fins de
promoção de saúde e prevenção de doenças, como expressamente previsto no art.33º/1, al.u)
do RJAL) é suficiente e insuscetível de contestação.
No que concerne às atribuições e competências da empresa municipal “Linha Mais Próxima”
para a cedência do bem imóvel de domínio público, aquisição de bens móveis, pagamento de
salários e alienação do bem imóvel, à luz do disposto nos artigos 2º e 6.º do DL 50/2012, que
regula o Setor Empresarial Local, a atividade local desenvolvida pelos municípios e pelas
áreas metropolitanas pode conduzir à constituição de empresas locais por estes,
fundamentada numa melhor e mais efetiva prossecução do interesse público diante da
especificidade técnica e material da atividade a desenvolver: um salão de cabeleireiro dotado
de equipamento singular e concebido unicamente para a situação de emergência vivida, pelo
que se infere precisamente por esta peculiaridade da ação. A “Linha Mais Próxima” configura
assim um serviço municipal gerido sob a forma empresarial (artigo 9.º DL50/2012), sendo
uma pessoa coletiva de Direito Privado com natureza municipal.
Em relação às competências da empresa para os atos jurídicos supra mencionados,
considera-se o exposto no artigo 128.º do DL 75/2013, Regime Jurídico das Autarquias
Locais, - a ser lido em conjugação com o artigo 27.º do DL 50/2012 - que determina a
delegação de competências dos municípios nas entidades intermunicipais “em todos os
domínios dos interesses próprios das populações destes [dos municípios], em especial no
âmbito do planeamento e gestão da estratégia de desenvolvimento económico e social, da
competitividade territorial, da promoção dos recursos endógenos e da valorização dos
recursos patrimoniais e naturais, do empreendedorismo e da criação de emprego, da
mobilidade, da gestão de infraestruturas urbanas e das respetivas atividades prestacionais e da
promoção e gestão de atividades geradoras de fluxos significativos de população, bens e
informação”.
Por conseguinte, podia a Câmara Municipal delegar na empresa local “Linha Mais Próxima”
as competências de promoção e gestão de equipamentos coletivos, bem como a prestação de
serviços nas áreas da saúde e da ação social (artigo 45.º do DL 50/2012) e ainda cumprir com
as obrigações específicas relacionadas com a segurança da atividade, a qualidade e
continuidade dos serviços. Conclui-se assim pelas competências da empresa para a cedência
do edifício, a aquisição do equipamento, o pagamento dos salários e a alienação posterior do
bem imóvel, delegadas pelo órgão competente para o efeito, a Câmara Municipal, pelo que
qualquer argumento em sentido contrário a este nos parece improcedente.
Por último, no referente ao equipamento adquirido vindo de França, dotado de um sistema
antivírus e fardas especiais imunizadoras poder-se-ia argumentar sua a desproporcionalidade
quanto ao fim visado, pelo que compete uma especial atenção ao que respeita o princípio da
proporcionalidade e as suas nuances.
Em primeiro lugar, o princípio da proporcionalidade (consta do artigo 7.º do CPA e artigo
18.º CRP) é aquele que estatui uma limitação adequada, necessária e tolerável dos bens ou
interesses privados por atos de poderes públicos em relação aos fins concretos que os atos
prosseguem. Ou seja, cabe-nos verificar se a vinda do equipamento de França com vista ao
funcionamento do cabeleireiro é justificada para a situação de covid-19, considerando a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Em segundo lugar, a análise à adequação da medida: parece-nos imediatamente que existe
uma relação entre a medida e a sua finalidade, que a mesma é idônea e apta à concretização
do fim visado. É nos similar que o emprego dos melhores instrumentos de proteção contra o
vírus pandémico configura a única e mais hábil medida contra a contração deste pelos
cidadãos do município da Linha.
Em terceiro lugar, no que tange à necessidade (ou proibição do excesso), deverá ser
selecionada a medida que leve menos direitos aos particulares ou quaisquer outros interesses
públicos da Administração Pública. Uma vez que se o equipamento carecesse de toda a
sofisticação de que é dotado para o combate à Covid, não seria suscetível de assegurar as
medidas de segurança que a pandemia exigiu e proporcionar assim um bom serviço aos
munícipes, nem tampouco seria passível de proporcionar o melhoramento da saúde mental
dos mesmos, a medida revela-se, consequentemente, adequada.
Por fim, tem-se a proporcionalidade em sentido estrito, o equilíbrio da medida,
selecionando-se aquela cuja ponderação entre custos e benefícios seja mais positiva.
Conclui-se então que o grau de proteção e de elevada qualidade assegurado por estes
utensílios constitui a melhor e mais elevada possibilidade de garantir que sejam atingidos os
fins aos quais se propôs a Câmara Municipal com a opção por este equipamento.
Estamos agora já todos habilitados para inferir pela proporcionalidade da medida em questão,
que se não fosse adotada conduziria a resultados em larga medida mais nefastos e que não são
irrelevantes, sendo esta a mais adequada à produção dos efeitos que se revelam mais
benéficos para todos aqueles que ultrapassaram a crise pandémica. Só assim foi possível
certificar a saúde mental de todos, uma obrigação de todos os que tutelam o interesse público,
principalmente ao nível autárquico, no qual há uma maior proximidade com os cidadãos, que
só por este meio poderia ser acautelada, justificando-se assim, aquela que foi a atuação
administrativa do município.
Para além da situação de calamidade vivida que obrigava ao respeito de várias disposições
excecionais, no caso dos bens imóveis, não podendo aplicar-se o decreto-lei 10A/2020 por se
referir a bens móveis, há que fazer menção aos princípios gerais e comuns que regem o
património imobiliário público. Parecendo que não, obtêm uma força reforçada pela situação
difícil que se ultrapassava.
Um fator importantíssimo é referente ao princípio do interesse público presente no CPA e no
decreto 280/2007 nos artigos 4º e 2º respetivamente. Ora, inerente ao próprio exercício da
função administrativa, as entidades públicas estão obrigadas a prosseguir o interesse público
em função do modo como este se encontra em cada momento. No fundo, o interesse público a
prosseguir pelas entidades públicas ao abrigo deste Regime Jurídico em concreto variará em
função do contexto normativo da conduta a adotar. Falando nos princípios em geral, estes
foram e são determinantes para a adoção da conduta que melhor serve o interesse público.
Ainda que a câmara e a empresa municipal devam atuar em conformidade com as disposições
de margem de discricionariedade atribuída pelas normas de competência, há que exercê-la em
conformidade com os princípios fundamentais da atividade administrativa.
Claramente que pode referir-se ainda o princípio da equidade imparcialidade no que toca à
consideração de todos os interesses juridicamente relevantes dado o contexto da pandemia e,
de acordo com o relatório apresentado, claramente que quer a vertente positiva agora referida
e a negativa -- no que toca a considerar o relatório e o interesse em querer um cabeleireiro
relevante para a adoção de determinada conduta.
Cumpre deste modo analisar se a aquisição de bens móveis pela Administração Pública está
sujeita ao Código de Contratos Públicos e em que condições. Desta forma, tem-se o disposto
no artigo 20.º CPC, que prescreve precisamente que se pode adotar um procedimento para a
celebração de um contrato de aquisição de bens móveis. Considerando o estado de
emergência latente e a situação de covid-19 vivida ao tempo da aquisição do equipamento
especializado, “por motivos de urgência imperiosa e na medida do estritamente necessário”
(este último a analisar infra) o procedimento para a aquisição de bens móveis está sujeito a
ajuste direto (artigo 2.º/1 do DL 10-A/2020).
Existe uma pluralidade de vias procedimentais para que a Administração opte pelo seu
co-contratante (artigo 16.º/1 CCP), sendo que o ajuste direto permite uma maior celeridade e
eficiência, assegurando-se, desta forma, a prossecução do princípio da boa administração.
Assim sendo, no que respeita ao ajuste direto na aquisição do equipamento especializado
francês, a entidade adjudicante, a Câmara Municipal de Linha, convida, diretamente, uma
entidade à sua escolha (in casu, a empresa “Linha Mais Próxima”) a apresentar a sua
proposta, (conforme artigo 112.º/2 CCP). Dita ainda o artigo 113.º/1 CCP que a escolha das
entidades convidadas cabe ao órgão competente para a decisão de contratar, não podendo ser
convidadas entidades a quem a entidade adjudicante tenha já adjudicado. Entre as diversas
especificidades do procedimento (dispostas nos artigos 112.º, a) 127.º CCP e ainda artigos
128.º e 129.º), destacam-se, a título exemplificativo, a inclusão do fundamento pela escolha
deste no convite à apresentação da proposta (artigo 115.º/1, al. c) CCP) o que contribui,
consequentemente, para uma maior imparcialidade da decisão.
No seguimento da defesa que tem vindo a ser apresentada, cabe-nos destacar que o
“pagamento de salários” da equipa de trinta cabeleireiros, assegurado pela Câmara Municipal
através da Empresa “Linha Mais Próxima”, corresponde a um contrato de prestação de
serviços, na aceção do art.450º do Código de Contratos Públicos. Por conseguinte, é
diretamente aplicável o preceituado no art.24º/1, al.c), admitindo-se deste modo a opção pelo
ajuste direto, sem procedimento formal de contratação pública, “ por motivos de urgência
imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante” e que a esta
não possam ser imputados. Ora, difícil será arguir, por um lado, que a pandemia Covid-19 era
previsível pela Câmara Municipal de Linha; ou, por outro, que uma calamidade de saúde
pública a nível global seria de algum modo imputável ao executivo camarário.
Adotando a definição de contrato público, podemos classificar como: contratos celebrados
pela AP, quer sejam regulados pelo direito administrativo, quer pelo direito privado, que a lei
submeta a um especial procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do DUE.
Este instituto teve uma evolução, doutrinal e jurisprudencial grande. A conceção tradicional,
que é refletida pelo artigo 200º/1, caracteriza-se pela dicotomia contratos administrativos e
contratos de direito privado. Com uma nova e moderna conceção, a dicotomia deixa de fazer
sentido, o que faz com que se olhe para um regime comum de toda a contratação.
Juridicamente temos dois factos que comprovam esta evolução: 1) O direito da união
europeia, ter deixado de automatizar, havendo apenas o regime dos contratos públicos; 2) Em
Portugal, o legislador transpôs as diretivas e criou o CCP, onde se unificou, estando todos os
contratos públicos neste regime jurídico. Sendo que são todos estes atos fiscalizados pelo
tribunal administrativo.
Quanto à questão da alienação do bem imóvel, estamos a falar de um contrato de compra e
venda, contudo, ao nos debruçarmos sobre o código dos Contratos Públicos, no seu artigo
4º/nº2 alínea c), entende-se assim que qualquer norma presente no código de Contratos
Públicos não é aplicável à questão. O que abre espaço a encontrar um outro regime, neste
caso em concreto o Regime Jurídico do Património Público Imobiliário, o Decreto-Lei
280/2007.
No fundo, este Regime define aquilo que é a gestão do patrimonial imobiliária guiada
fundamentalmente por objetivos de eficiência, racionalização e organização dos recursos
públicos. Ou seja, há uma forte contemplação dos princípios comuns e gerais da atividade
aplicação que muitos deles são efetivamente aplicados e fundamentam a aplicação deste
regime. Para uma boa aplicação deste regime, temos primeiro de olhar para o CPA, artigo
202º. Este artigo vem mostrar a diferença entre os princípios que regulam a gestão
patrimonial imobiliária. Para além de princípios comuns à atividade administrativa aplicáveis,
salientam-se outros que assumem especificidades, como os da concorrência, transparência,
colaboração, responsabilidade e controlo.
Estabelecem-se normas mais exigentes de gestão, controlo e avaliação patrimoniais ao abrigo
do princípio da boa administração e proteção dos bens públicos. O DL 280/2007, refere
mesmo a situação de inovação do regime através da criação de procedimentos mais simples e
céleres, mas rigorosos. Ao olhar para o CPA, CRP e o DL nº 280/2007, de 07 de agosto,
nestes atos legais temos um grande elenco de princípios gerais. Começando com o mais
importante do elenco, que se encontra positivado no Art.º 5º/1 do CPA e 3º do DL em
questão, temos de falar do princípio da boa administração, conseguimos observar três
critérios fundamentais: 1) Economicidade; 2) Celeridade; 3) Eficiência. Primeiramente, em
relação à economicidade, o procedimento deve apresentar-se dentro de custos razoáveis, que
não sejam excessivos (implica um bom aproveitamento e aplicação dos recursos por parte da
administração). Quanto à celeridade, é através desta que se atribui ao princípio uma dimensão
procedimental, pois que, requer à ação administrativa uma decisão rápida e breve através de
um procedimento simples sem quaisquer formalismos desnecessários que o perturbe ou
dificulte. Por último, a Administração deve adotar medidas ótimas que sejam as mais
adequadas com o intuito de maximizar as vantagens retiradas e que se manifestem como as
mais eficazes para um determinado problema que surgir. No caso em apreço, justifica-se
olhar e desenvolver dois destes critérios, a economicidade que se deve pautar por uma gestão,
a mais equilibrada possível dos recursos públicos e a celeridade que se foca no tempo da
decisão e atuação, que devem ser os estritamente necessários para os fins.
No caso concreto e introduzindo o segundo princípio que se remete ao supremo interesse
público (Art.º 4º do CPA, Art.º 261º da CRP e Art.º 2º do DL) que o caso nos obriga a referir,
já não se realizava o princípio da boa administração, pois estávamos já em tempos pós-Covid,
o que faz com que já não haja justificação para o município continuar a explorar o espaço.
Não só não há justificação, como o pagamento de 30 salários por mês seria muito mais
oneroso do que a simples venda por 1000€ da loja e de todo o equipamento. O salário mínimo
nacional à luz INE em 2023 era de cerca de 760 euros, o sustento de pelo menos 30
empregados à luz do empregador que é o município levaria a que se tivesse de sustentar todos
os meses pelo menos 22.800€ por mês. Este preço acumulado durante mais que um mês
levaria a meu ver ao incumprimento tanto dos critérios de economicidade na vertente da boa
gestão financeira, como os da celeridade. Os da celeridade stricto sensu, por vivermos num
período de crise financeira assumida, onde a iniciativa privada assume uma política
contracionista e não expansionista, muito relacionado com a política do BCE. O que levaria a
que o tempo esperado de venda fosse muito expandido, tendo sempre como pressão os 22.
800€ mensais.
Ora, para complementar a aplicação dos princípios gerais da administração, podemos
facilmente entender uma aplicação analógica da secção III nos artigos 77º e ss. Apesar desta
secção se referir ao regime jurídico da venda de bens imóveis do domínio do Estado, há que
analogicamente pegar neste artigo e adequá-lo. Mas atenção, não estamos apenas a pegar
neste regime por mero acaso. Caríssimos juízes, é-nos vedada a aplicação do Código de
Contratos Públicos e qualquer ligação para com ele, no fundo, há que recorrer a conteúdo
analogicamente que se considere adequado. Aplicação de um regime jurídico similar e neste
caso há exatamente uma similitude. Há que edificar a extensão de uma outra regra jurídica
que está prevista para uma situação diferente. Se há similitude entre o caso regulado e o caso
omisso, é eficaz o exercício de aplicação analógica. O processo de aplicação analógica
funciona também ao nível da fonte pela interpretação. Se a ordem jurídica contém uma
omissão, mas há norma que prevê situação semelhante, é conspícua a similitude e
proximidade com o ponto suscitado.
Há que, portanto, aplicar com as necessárias alterações o artigo 77º/1 que origina que podem
ser vendidos os imóveis do domínio privado do município. Relativamente ao mundo do
Estado e do Município, desejavelmente que a decisão de seleção de imóveis a alienar deve
corresponder a algo estruturado e coerente de otimização da utilidade do património
imobiliário na prossecução dos fins do interesse público que estejam cometidos à pessoa
coletiva titular dos bens, sendo de evitar as alienações determinadas sem causa. Com isto,
resta deslocar esta questão ainda para o artigo 81º ainda dentro deste exercício analógico no
seu nº2 e alínea L) quanto à venda sem qualquer tipo de publicação prévia e é lícito assim
recorrer ao ajuste direto se for devidamente fundamentado.
Advogados:
1- Constança Ayres de Sá Fernandes - 67907
2- Madalena Hasse Ferreira - 67847
3- Sancho Pais de Sousa Miedzir - 67851
4- Tomás Casquilha Elias - 6800
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