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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Regionalização: uma visão perspética

 

Regionalização: uma visão perspética 

Sabemos por princípio que a condição da natureza humana é capaz de arranjar argumentário e estratégias suficientes para causar entraves à prossecução de algo que com relativa facilidade somos capazes de, sem grande relutância, acreditar poder constituir o melhor caminho. Facto que, convenhamos, pode assumir um princípio evidente de contradição, isto é, ao invés de facilitarmos colocar em prática algo em que acreditamos, criamos barreiras e inventamos obstáculos.

Sabemos de igual forma que, em termos genéricos somos avessos à mudança e, temos um receio incomensurável de abdicar ou de partilhar a senda do poder.

O presente introito bem que é passível de ser acoplado à questiúncula da problemática da discussão em torno da hipotética e sistematicamente adiada implementação plena da regionalização no nosso país.   

Julgo, em primeira instância ser primordial explicitar convenientemente, clarificando o conceito de regionalização. A regionalização, constitui em primeira e última instância uma modalidade de descentralização, implicando, por conseguinte, aquando da sua hipotética implementação uma nova conceção do poder e do Estado, ou dito de uma forma distinta, implicará uma nova visão/implementação política.

Como advoga o Professor Diogo Freitas do Amaral “(…) regionalização é, portanto, a decisão políticolegislativa que consiste em criar um certo número de regiões administrativas (…) trata-se de dividir o território nacional (…) em, digamos, 5, 7, 9 ou mais regiões administrativas, situadas acima dos municípios – serão autarquias supramunicipais – e abaixo do Governo e da respetiva administração central [1].

Desde os primórdios em que se assumiu a discussão em torno da regionalização, direi que invariavelmente foram esgrimidas na praça pública, distintas opiniões, mais ou menos bem fundamentadas, na sua maioria contraditórias, direi mesmo nos antípodas da anuência ou da acérrima confrontação e não concordância.

Em termos práticos a criação/implementação de órgãos em patamares intermédios entre os Municípios e o Governo, genericamente para os defensores constituir-se-á como, muito provavelmente, a melhor forma de ir ao encontro das legítimas aspirações das populações, dirimindo as incontornáveis e evidentes assimetrias no território, em particular entre a capital e o todo nacional, a que se juntam as incontornáveis distinções gritantes, entre litoral e interior. Por seu turno, para os detratores, tal processo constituirá uma forma de acrescer de forma substantiva a máquina do Estado, sem que a tal acréscimo correspondam ganhos substanciais de produtividade, proximidade e diluição das distinções, num País de, apesar de tudo, dimensões contidas.       

Admitindo de forma, tanto simplista como otimista (deveria antes ter a ousadia ou “coragem” de escrever, de forma realista) que “a razão fundamental para regionalizar é promover o bem-estar das populações”[2], tenho para meu entendimento que o passo a dar imediatamente a seguir, será o de definir em termos concretos, os imperativos que justificam a regionalização[3], de acordo com classificação terminológica de Alfredo Simões e Elizabeth Matos, são de três ordens: o jurídico, o político e o de desenvolvimento.

Assim, do ponto de vista jurídico a sustentação está enquadrada na Constituição da República Portuguesa, arts. 237.º e 238.º.

Do ponto de vista político, estamos na presença do domínio do querer a par da força para levar por diante essa vontade. Em concreto os designados, partidos do arco do poder, já tiveram plasmados nos seus programas eleitorais, ainda que com terminologias distintas e abrangências particulares, mais ou menos intrincadas e/ou conceptualmente mais ou menos aprofundadas/desenvolvidas, laivos de pretender a sua implementação. No entanto, a realidade coloca-nos perante sistemáticos avanços e recuos, ao sabor das estratégias politicas e das prospetivas mais ou menos valias da sua real implementação. A verdade, é que, se existisse a real vontade da sua implementação, já se poderia ter arquitetado um pacto de regime com vista à sua prossecução. O que, diga-se, a “atalho de foice”, ser de igual forma verdade para outras realidades tão sistematicamente alterados ao saber dos partidos, das políticas e dos governantes, como é o caso da justiça da saúde e, o caso mais gritante, com impacto real na estrutura educacional de um país e dos seus estudantes que, parecem ser vistos com cobaias do sistema, sempre que se altera um Governo e o respetivo ministro com a tutela da educação.

O imperativo adstrito à temática do desenvolvimento é aquele que está umbilicalmente associado à génese da implementação do ideal sonhado e de toda a implementação realista do seu processo, uma vez que é evidente e indesmentível a permanência gritante das assimetrias no nosso país.

Aqui chegados importa fazer duas ressalvas enquadradoras. A regionalização, a acontecer e se acontecer será sempre um processo moroso, gradativo e de inevitáveis, mesmo desejáveis reajustes e rearranjos evolutivos na busca do tipo ideal, admitindo-se com grandes laivos de otimismo que, o mesmo existe e é atingível.   

É inquestionável que historicamente em todo este processo de tentativa de operacionalização de uma visão regionalista para o país, um passo com alguma substância já foi efetivamente dado em 2013, com a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, com a criação das entidades intermunicipais e a sua dupla designação distintiva: Comunidades Intermunicipais e Áreas Metropolitanas.

Porém, sugiram neste processo as inevitáveis reticências, em gíria popular, os escolhos e areais na engrenagem.

A integração supostamente livre dos municípios, não foi tanto assim, surgindo por conseguinte associações de municípios obtusas, de muito difícil entendimento e explicação, com um alto grau de probabilidade de não convergência territorial, geográfica e de similitude de ideais.

Depois de constituídas, de uma forma mais ou menos antinatural, nalguns casos, acresce-se a dificuldade na sua operacionalização com base em distintas e por vezes anti conciliáveis visões politicas, par das distintas capacidades de forma entre territórios concelhios citadinos e /ou rurais, com realidades, problemas e visões diametralmente em oposição.

Por último, a gerenciação/distribuição, talvez mais mesmo redistribuição de verbas oriundas, naturalmente do poder central, escassas e muito provavelmente geridas com base nas uniões politicas ocasionais de bastidores, a que se acresce o maior ou menos poder negocial do Presidente de Câmara, imagino que por vezes (para criar uma visão pouco romantizada e, com o o seu quê de satírico) nos argumentos dirimidos erroneamente com base nos decibéis. 

Chegados a esta explanação, considero importante dar um passo atrás, efetuando um retrocesso temporal, por forma a que a partir deste se consigam perspetivar os passos futuros.

Decorria o ano de 1998 quando em Portugal se decidir proceder a um referendo. No caso vertente o relativo à eventual implementação da regionalização, tendo na altura sido apresentadas duas propostas, a primeira questionava se se deveria implementar a regionalização em Portugal; a segunda, questionava que caso fosse aprovada a regionalização, se cada eleitor concordava com a região em que votava, ambas as propostas mereceram um inequívoco chumbo por parte dos eleitores.  A primeira questão (Concorda coma instituição em concreto das regiões administrativas) obteve 60,87% de reprovação, enquanto que a segunda questão (Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?) mereceu a discordância de 60,62€ dos eleitores. Na minha ótica estes resultados ocorreram por três ordens de razão:

1 – As constantes redefinições, com avanços e recuos da generalidade dos partidos, com uma divisão clara entre os partidos que se convencionou apelidar de esquerda e de direita;

2 – A pouca clareza, para não lhe chamar infeliz redação das questões colocadas em referendo;

3 – A inexistência da implementação de uma cultura de referendo à população portuguesa, ao qual se junta, o alto grau de inexistência de uma consciência cívico/democrática referendária.

A par das razões explanadas, importa de igual modo ressalvar, evidenciando a impossibilidade prática de vinculação, uma vez que a abstenção se cifrou em 51,71%, sabendo-se de antemão que a vinculação da decisão só acontece perante a evidência de 50% dos eleitores se expressarem num determinado sentido, como exposto no artigo 115º/11 da Constituição da República Portuguesa.    

Histórica e politicamente, foi-se mantendo no limbo a vontade de levar por diante a regionalização, quase com o mesmo fervor do seu contrário. Mais recentemente, continuaram-se a verificar estes fenómenos. Bastará, a título exemplificativo, recordar o governo de Durão Barroso, na coligação entre PSD/CDS, reafirmou-se e reformulou-se a remodelação das regiões administrativas no país, com a criação de um mapa regional constituído por unidades territoriais de três tipos: Grandes Áreas Metropolitanas, Comunidades Urbanas e Comunidades Intermunicipais. Esta visão implementou uma descentralização nível ministerial, com algumas Secretarias de Estado, deslocalizadas para fora da capital. Porém em 2005 com a chegada de José Sócrates ao poder, verificou-se mais um revés na estratégia, tendo-se voltado à “estaca zero”.

Mais recentemente em 2021, António Costa assumiu que o “(…) o percurso de descentralização terá de ser avaliado nos próximos anos e «dar voz ao povo» em 2024”.[4] No entanto, um pouco mais tarde dentro da mesma legislatura, a ministra Ana Abrunhosa, defendia que “Governo só decide em 2024 se avança para referendo à regionalização, a ideia é fechar o processo de descentralização e passagem de competências para as CCDR (…)”.[5]

A 3 de março de 2023 o Jornal Público publicita mais um looping no processo, ao afirmar Governo deixa cair referendo à regionalização por falta de apoio do PSD.

Pelo exposto, com relativa facilidade se pode aduzir que este processo tem tudo para poder ser considerado um “nado morto” que muito dificilmente, poderá vir a ver a luz do dia.

À guisa de conclusão, direi que a vontade que tenho (e que, julgo percetível antever ao longo do escrito) da implementação do processo de regionalização no nosso país é, muito provavelmente inversamente proporcional à possibilidade de a mesma poder a ser uma realidade.

Oxalá possa estar redondamente enganado a bem de uma visão de desenvolvimento e, sobretudo numa desejável perspetiva de coesão nacional e do estreitamento e esbatimento das ainda demasiado evidentes e gritantes assimetrias no todo nacional.          

Bibliografia:

OLIVEIRA, Luís Valente. «Novas considerações sobre a Regionalização», Edições ASA. Porto 1997;

SIMÕES. Alfredo e MATOS, Elizabeth. «Regionalizar – Enquadramento de Viseu num processo de regionalização». AIRV. 1996

AMARAL, Diogo Freitas e SILVA, Jorge Pereira. «ESTUDO APROFUNDADO SOBRE A PROBLEMÁTICA DA REGIONALIZAÇÃO Volume I REGIÕES ADMINISTRATIVAS, DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO - Volume I REGIÕES ADMINISTRATIVAS, DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO Apresentado à «Comissão Independente para a Descentralização», 2019

MIRANDA, Jorge / MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2005

Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada II Volume 4ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014

https://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/governo-so-decide-em-2024-se-avanca-para-referendo-a-regionalizacao

https://www.publico.pt/2021/12/11/politica/noticia/costa-aponta-referendo-descentralizacao-2024-1988268

Pedro Figueiredo

PB15, 68034


[1] - AMARAL, Diogo Freitas e SILVA, Jorge Pereira. «ESTUDO APROFUNDADO SOBRE A PROBLEMÁTICA DA REGIONALIZAÇÃO Volume I REGIÕES ADMINISTRATIVAS, DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO - Volume I REGIÕES ADMINISTRATIVAS, DESCONCENTRAÇÃO E DESLOCALIZAÇÃO Apresentado à «Comissão Independente para a Descentralização», 2019 (pp 12).

[3] - SIMÕES. Alfredo e MATOS, Elizabeth. «Regionalizar – Enquadramento de Viseu num processo de regionalização». AIRV. 1996 (43).

[4] - In Jornal Público, 11 de dezembro de 2021;

[5] - In Jornal de Negócios, 27 janeiro de 2023.

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